Pôr o País em primeiro
Terminada a campanha eleitoral é hora de os responsáveis partidários assumirem as suas responsabilidades e porem o País à frente dos interesses partidários. A Luís Montenegro, como líder da coligação mais votada, caberá formar governo minoritário e, nessa qualidade, procurar as soluções necessárias que assegurem a estabilidade do País e a resolução dos problemas que os portugueses enfrentam no dia a dia, da saúde à educação, da justiça à habitação, do emprego às pensões, etc. Isso pressupõe encontrar consensos e negociar com as várias forças parlamentares, sejam elas quais forem, porque todas tem a legitimidade democrática conferida pelo voto.
A Pedro Nuno Santos caberá liderar a oposição, sim, mas também manter-se disponível para ouvir. PS e PSD defendem prioridades e soluções diferentes para os mesmos problemas mas também têm, tradicionalmente, áreas de convergência sobre as quais poderão entender-se. A ideia de que os dois partidos estão em polos opostos, onde a comunicação é impossível à partida e, logo, não podem entender-se em matérias-chave é um desrespeito pela democracia e pela vontade dos portugueses. Rejeitar entendimentos com o partido mais votado apenas porque pertence a outro quadrante político não é colocar o País à frente dos interesses partidários: é alimentar a polarização que só favorece os extremos.
Já André Ventura terá de decidir o que fazer com mais de um milhão de votos e uma bancada de, pelo menos, 48 deputados – para além de continuar a capitalizar a polarização política que se instalou no parlamento e que o tem beneficiado como a nenhum outro. Nos últimos dias já disse estar disposto a negociar orçamentos e até a composição de um futuro governo, o que quer que isso signifique. Veremos se, como disse em campanha, colocará os interesses daqueles que nele votaram à frente das conjeturas partidárias a pensar numa próxima eleição.
Um milhão de eleitores sem voz
Os votos no Chega não surgiram do vácuo. No domingo, Pedro Nuno Santos pareceu ser o único adulto na sala ao dizer o óbvio, perante aqueles que o receberam com gritos de “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”: não há mais de um milhão de portugueses racistas e fascistas. Há, sim, muita gente zangada com partidos e políticos que vivem mais preocupados com a bolha mediática do que com os reais anseios e preocupações da população.
Eleitores que vivem fora das zonas prósperas de Lisboa, Oeiras e Porto, em localidades onde o centro de saúde (quando existe) não tem médico, onde o posto dos CTT e a farmácia fecharam ou o multibanco fica a quilómetros. Portugueses que não são capazes de pagar uma habitação digna ou de aquecer as casas, apesar de estarem empregados. Pessoas que desesperam para ter uma consulta ou serem atendidas num hospital. Gente que vive com medo da pequena criminalidade e vê as esquadras da polícia a cair. Trabalhadores dependentes de transportes públicos atulhados e pouco confiáveis para chegarem ao emprego a horas. Eleitores que veem os seus empregos serem ocupados por mão de obra quase escrava. Pessoas cujos filhos estão sem aulas por falta de professores. Filhos que não conseguem cuidar dos pais na velhice. Pais que veem, impotentes, os seus filhos emigrar porque não têm perspetivas de futuro, ao mesmo tempo que uma pequena classe de privilegiados continua a distribuir empregos com base no cartão partidário, a fazer negociatas invocando o nome de amigos bem posicionados e a recorrer aos melhores advogados para prolongar na secretaria processos judiciais.
Nenhum país está imune ao populismo. Ele existe, em menor ou maior dose, um pouco por todo o mundo. Mas se os problemas das populações forem sendo resolvidos, se as pessoas forem ouvidas e tiverem esperança, se o fosso entre o “nós” e o “eles” for tapado ou reduzido e o elevador social voltar a funcionar, talvez seja possível retirar o combustível da fogueira que o alimenta. ●