SÁBADO

António Lobato (1938-2024)

Major da Força Aérea Portuguesa, piloto e prisioneir­o de guerra na Guiné durante mais de sete anos, foi uma das vozes dos combatente­s da Guerra Colonial. Morreu a 8 de março

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António Lourenço de Sousa Lobato nasceu a 11 de março de 1938 em Sante, concelho de Melgaço. Cresceu entre as tarefas domésticas, o trabalho no campo e a escola até que, em 1961, decidiu alistar-se como voluntário para a guerra colonial, em concreto para a Guiné. “Nunca tinha saído de Portugal”, declarou no livro Dias de Coragem e de Amizade – Angola, Guiné, Moçambique: 50 histórias da Guerra Colonial, de Nuno Tiago Pinto (Esfera dos Livros, 2011). “Não estava à espera do que ia encontrar”, confessou. E assim começou uma das histórias mais emocionant­es e inspirador­as do conflito português em África.

A 22 de maio de 1963, António Lobato iniciou uma operação aérea na ilha de Como, na costa centro-oeste da Guiné-Bissau. Estava a um mês de terminar a sua comissão, mas a falta de um piloto fez com que se oferecesse para a missão. Ao chegar ao objetivo, sentiu estranheza no comportame­nto do avião – “Devo ter sido atingido por uma bala.” Voando em formação e, talvez por inexperiên­cia (como o próprio referiu anos mais tarde), perdeu o controlo da aeronave e tentou aterrar numa clareira. Com sucesso, sem ferimentos e apenas o relógio esmagado. À sua volta tinha meia centena de habitantes locais, munidos de catanas. Foi levado para uma aldeia próxima, “mas antes de chegarmos, levei uma catanada que me abriu a cabeça ao meio”. Ainda conseguiu fugir do grupo de agressores, mas acabou capturado, sovado e atacado com mais golpes de catanas, marcas que lhe ficaram para toda a vida e que se tornaram sinónimo da experiênci­a traumática sofrida.

Ia ser linchado quando dois guerrilhei­ros interrompe­ram o processo, acabando por salvá-lo da morte.

Foi levado para a Guiné-Conacri e tratado por um curandeiro. Acabou na prisão de Kindia, a 150 km de Conacri, durante os quase sete anos seguintes. Nesse período o plano de fuga esteve sempre presente, tal como a possibilid­ade de passar informaçõe­s para o Estado português e para a sua família. Conseguiu escapar escondendo-se num depósito de água e, no momento das orações, correu até ao mato com mais dois companheir­os. Acabaram capturados numa aldeia próxima, mas a ação levou a que elementos do Partido Africano para a Inde

ATERROU NA GUINÉ E FOI APANHADO PELOS HABITANTES. “LEVEI UMA CATANADA QUE ME ABRIU A CABEÇA”, LEMBROU

pendência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) o transporta­ssem de volta a uma prisão em Conacri. E foi na cidade capital que António Lobato voltou a ser um homem livre.

A 22 de novembro de 1970, deu-se a Operação Mar Verde, manobra secreta do Estado Novo que permitiu a libertação de Lobato e de outros militares portuguese­s detidos na Guiné-Conacri. Depois do regresso a Portugal, passou uma semana na prisão de Caxias (para interrogat­órios e preparação da versão oficial dos acontecime­ntos), antes de poder voltar a ver a mulher, mais de sete anos depois.

O major piloto-aviador, o prisioneir­o de guerra português mais tempo em cativeiro, regressou ainda ao ativo na Força Aérea, continuand­o a voar, uma das suas maiores paixões. Em paralelo, foi também voz ativa na defesa dos direitos dos antigos combatente­s e na partilha das histórias de guerra, comuns a dezenas de milhares de jovens portuguese­s durante as décadas de 1960 e 1970. António Lobato morreu a poucos dias de completar 86 anos, num hospital lisboeta. ●

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LUIS GRAÑENA

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