ELE MOSTROU O HORROREMGAZA
Motaz Azaiza ganhou fama mundial a fotografar e publicar nas redes sociais imagens brutais das vítimas da ofensiva israelita na Faixa de Gaza. Não aguentou mais e fugiu.
E “sta será a última vez que me vão ver com este colete pesado e malcheiroso”, diz Motaz Azaiza emocionado, a olhar para a câmara do telemóvel, ainda vestido com o colete à prova de balas entregue aos jornalistas em Gaza. Foi assim, num vídeo publicado na sua conta de Instagram no fim de janeiro, que o fotojornalista palestiniano, de 24 anos, conhecido mundialmente pelas imagens brutais das vítimas da ofensiva israelita em Gaza, anunciou a sua retirada. “Peço desculpa”, acrescentou.
Foram 108 dias, desde o início da ofensiva de Israel após os massacres perpetrados pelo Hamas a 7 de outubro de 2023, em que o jovem, que planeava ser fotógrafo de viagens se tornou fotojornalista de guerra, autor das imagens mais impactantes e difíceis de ver provocadas pela destruição dos ataques israelitas. “Eu queria captar a beleza de Gaza, não a guerra. Mas não tive opção”, diz à CNN.
Motaz Azaiza cresceu na cidade mediterrânea de Deir al-Balah, no centro de Gaza, e conhece de perto os efeitos do conflito israelo-palestiniano: quando era adolescente, foi atingido a tiro por um franco-atirador israelita, mas sobreviveu. Licenciou-se em Tradução de Inglês na Universidade Al-Azhar, entretanto destruída num ataque, mas começou a fotografar as ruas da sua cidade. As imagens na sua conta de Instagram anteriores a outubro de 2023 são de vendedores de fruta num mercado e de crianças a correr numa rua.
Quando caíram as primeiras bombas em Gaza, sentiu-se obrigado a ir para a linha da frente fotografar. “Israel não autoriza jornalistas estrangeiros em Gaza e está a matar aqueles que estão a trabalhar cá dentro”, acusa Motaz Azaiza ao The Guardian. “É uma tentativa deliberada de esconder a narrativa palestiniana e apagar a verdade.” Os poucos jornalistas estrangeiros que conseguiram entrar na Faixa de Gaza fizeram-no em visitas planeadas e acompanhadas pelo exército israelita. E, mesmo assim, as imagens têm de passar pelo crivo do censor militar.
A partir de então, Motaz Azaiza revelou ao mundo o que se passava na sua terra como fotógrafo freelancer e da agência das Nações Unidas para os Refugiados. E nada o deteve, nem mesmo a morte de 15 dos seus familiares. “Um dia, corri até ao local de um bombardeamento para fotografar e percebi que a casa da minha tia tinha sido
UMA FOTO DE UMA JOVEM PRESA DEBAIXO DOS ESCOMBROS FOI CONSIDERADA UMA DAS MELHORES PELA TIME
atingida”, conta. “Passei o dia a recolher partes de corpos desmembrados dos meus parentes.”
O vídeo levou a Meta, proprietária do Instagram, a bloquear a sua conta temporariamente. Com a sua câmara fotografou e filmou jovens presas nos escombros – uma delas foi considerada pela revista Time como uma das 10 melhores de 2023 – homens desesperados a tentar desenterrar com as mãos os filhos e
os vizinhos e crianças ensanguentadas gravemente feridas e até mortas. Num dos vídeos acompanha duas crianças feridas e assustadas na ambulância até ao hospital. Noutro, segue com outra que, devido a graves lesões na cabeça, acaba por morrer no caminho. Motaz Azaiza trava as lágrimas e murmura: “Deus, Deus.” A guerra já vitimou quase 30 mil palestinianos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza. Metade são crianças.
As imagens cruas do conflito chamaram a atenção do mundo. Antes do início da guerra, a conta de Instagram de Motaz Azaiza tinha apenas 25 mil seguidores. Agora são 18,6 milhões de pessoas que, para além de apoiarem a sua missão, procuram protegê-lo. Uma semana, quando o fotojornalista não publicou fotos durante dois dias, os seguidores criaram hashtags, que se tornaram virais, a exigir saber onde ele estava. “Tornaram-se a minha família.”
As suas imagens e o sentido de missão foram premiadas: foi considerado o Homem do Ano pela revista GQ do Médio Oriente. Garante que a imprensa internacional é enviesada e não consegue mostrar a realidade da guerra em Gaza. “As redes sociais permitem às pessoas ver um genocídio em tempo real”, defende.
Mas a fama tornou-o um alvo. Nas últimas semanas de janeiro, ouviu drones militares a sobrevoar a sua casa e recebeu ameaças de morte no telemóvel.
As bombas israelitas começaram a cair cada vez mais perto e convenceu-se que seria morto em breve. Decidiu fugir. “Precisei de sair, para falar com o mundo, para protestar com as pessoas que protestam por nós, para partilhar as histórias que nem no meu Instagram pude partilhar por serem tão sangrentas”, justificou.
No dia 22 de janeiro, depois de publicar o vídeo de despedida no Instagram, chegou à fronteira com o Egito, em Rafah, com os pais e irmãos. Cinco horas depois, diplomatas do Catar convidaram-no a embarcar num avião militar e seguir para a capital do país que tem mediado as negociações de paz entre Israel e o Hamas, Doha.
Traumatizado no Catar
Tem sido lá que continua a sua luta pela sobrevivência dos palestinianos através de entrevistas e palestras em universidades europeias. É lá também que procura recuperar da guerra. É que apesar das imagens brutais que publicou, outras censurou por serem demasiado horríveis – sobretudo imagens de bebés mortos. Imagens que viveu ao vivo e não esquece. “O meu cérebro ainda não processou tudo o que vi”, confessa. Sente ainda culpa por ter saído de Gaza e tem tido pesadelos. “Sonho que estou lá, vejo caras de crianças inocentes enterradas nos escombros.”
Não planeia ficar em Doha e quer regressar a Gaza para contribuir para a reconstrução, mas não tem esperança num cessar-fogo. “Esta guerra não é contra o Hamas. É e sempre foi contra o povo palestiniano. Israel quer enterrar-nos ou empurrarmo-nos para fora”, defende. E não consegue vislumbrar um futuro para as crianças que sobreviverem ao conflito. “É de esperar que sejam seres humanos normais depois de tudo o que elas estão a passar?”, pergunta. ●
“O MEU CÉREBRO AINDA NÃO PROCESSOU TUDO O QUE VI”, DIZ O FOTOJORNALISTA MOTAZ AZAIZA