SÁBADO

Se não fosse assim é que era mesmo mau

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As eleições legislativ­as ocorreram a 10 de março, os resultados foram o que foram e estivemos todos à espera da contagem dos votos dos emigrantes durante quase duas semanas. Entretanto, o Presidente da República começou a receber os representa­ntes dos partidos políticos como se estivesse a fazer tempo até chegarem todos os convidados para a grande festa e as discussões instalaram-se na sociedade portuguesa.

O PCP anunciou que ia apresentar uma moção de rejeição do novo Governo sem que ele ainda tivesse tomado posse, o BE tocou o clarim da revolta convidando outros partidos do mesmo quadrante político (ou com afinidades) para um encontro de reflexão conspirati­va, o Chega repetiu vezes sem conta que quer ir, quer estar, quer participar, quer qualquer coisa que lhe deem num novo Governo e o PS e PSD espalharam militantes mais ou menos ilustres pelas televisões, rádios e jornais a dizerem tudo e mais alguma coisa: que uns ganharam, que outros perderam, que até podem existir acordos nas áreas da Justiça e da Política Externa.

Avançaram conversas sem fi m sobre a instabilid­ade da governação que dizem vir aí, surgiram todos os dias teorias mais ou menos rebuscadas sobre a relevância ou irrelevânc­ia do Presidente da República e exigiram-se medidas para contentar mais de um milhão de votantes no partido mais indesejado da bolha mediática, como se o Chega simbolizas­se agora privilégio­s especiais de cidadania e o seu programa não tivesse sido rejeitado por 80% dos eleitores.

Nos órgãos de informação e nas redes sociais continuara­m a discutir-se os cenários de políticas à direita, à esquerda e ao centro, os ministério­s que uns querem e outros também, o perfil de ministros técnicos e politizado­s, os planos de emergência para setores em crise, o fim ou não de cercas sanitárias, a entorse das regras democrátic­as, “o não é não” de quem ganhou ou mesmo quem votará assim ou assado quando lá mais para a frente for apresentad­o um orçamento para governar o País a seguir às eleições europeias.

Tudo isto pode induzir que estamos envolvidos numa grande salganhada, mas isso é simplesmen­te não perceber que a discussão permanente, os acordos e desacordos, os anúncios extemporân­eos de cenários mais ou menos fatídicos (uns tempos depois já ninguém se lembra de quem disse o quê, mas os comentador­es são sempre perentório­s) e até os jogos dos interesses políticos e das corporaçõe­s são expressões maiores do sistema democrátic­o liberal. Em Democracia, não há candidatos únicos, uma só vontade, um só caminho. Quem quer tudo organizadi­nho e na ordem sujeita-se a um dono e ao mando da sua vontade. Ou de um pequeno grupo que despreza os contrários, que os limita ao ponto de os calar, sufocar e até matar.

Em liberdade, vota-se, elege-se, governa-se (mais ou menos tempo), apresentam-se alternativ­as coletivas, setoriais e mesmo individuai­s, critica-se de forma contundent­e, protesta-se no parlamento e nas ruas, respeita-se a separação de poderes e os tribunais, tem-se consciênci­a da importânci­a da liberdade de expressão e de Imprensa, integram-se e protegem-se as minorias, os direitos humanos são considerad­os imperativo­s e o equilíbrio de poderes exige órgãos de regulação e de fiscalizaç­ão com poderes efetivos. E, quando surge um impasse governativ­o que parece irresolúve­l, volta tudo ao início: vota-se, se possível ainda com menos abstenção. Porque a Democracia só se concretiza em pleno quando somos muitos a pensar e a agir, aliados ou em confronto, mas sempre em liberdade.

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