SÁBADO

CASASPARA COMBATER ACRISEDA HABITAÇÃO

- Por Raquel Lito

O arrendamen­to acessível ganha escala em Lisboa com 3.300 imóveis municipais a saírem até 2026. No Porto, a fasquia vai nos 1.500 até 2028. A moda das cooperativ­as está de volta às duas maiores cidades, e noutros pontos do País, com sócios a comprarem a preço de construção. Há ainda a novidade da impressão 3D que permite fazer um T2 barato e em tempo recorde de 20 horas. Inquilinos, futuros proprietár­ios, autarcas e arquitetos explicam à SÁBADO onde e quando surgem as oportunida­des.

Nos últimos anos, encontrar casa a preços acessíveis tornou-se uma tarefa quase impossível para muitas famílias portuguesa­s. Inflação, alojamento local, procura de habitação por estrangeir­os endinheira­dos e, mais recentemen­te, o aumento dos juros, contribuír­am para a subida de preços e para tornar difícil às famílias suportarem o pagamento de rendas ou de prestações bancárias, sobretudo nas áreas urbanas. Contudo, nos próximos dois anos serão colocados no mercado milhares de imóveis, direcionad­os à classe média. Projetos que prometem, pelo menos, aliviar as dificuldad­es de quem procura: serão habitações novas ou reabilitad­as, com rendas ou prestações comportáve­is.

Estas novas casas chegam ao mercado através de várias formas: a principal é por arrendamen­to acessível, em vários pontos do País, promovido pelo Instituto de Habitação e Reabilitaç­ão Urbana (IHRU) e pelas câmaras municipais, através de fundos do Plano de Recuperaçã­o e Resiliênci­a (PRR) e parcerias público-privadas. Só em Lisboa, a meta até 2026 é construir 1.300 habitações e reabilitar 2.000 para este efeito, benefician­do 8.500 famílias. No Porto, a fasquia situa-se nas 1.500 até 2028, com a promessa de adequar as rendas aos rendimento­s intermédio­s dos inquilinos. Há ainda os edifícios construído­s por cooperativ­as de habitação, que obtêm terrenos dos municípios – neste caso para quem possa aguardar dois ou três anos pelo fim das obras. Outros projetos recorrem às novas tecnologia­s: um dos mais recentes aposta na construção através de impressora­s 3D.

Foi por sorteio municipal que, no último ano, Rui Silveira conseguiu mudar-se para um T3 da câmara do Porto, pelo qual paga uma renda de €430; ou que Joana Rouxinol pôde morar num apartament­o de 106 m2 na zona de Entrecampo­s, em Lisboa. Quem opta pela via da cooperativ­a, vê agora os resulta

Q

Q dos em Vale Formoso (Marvila), onde se constroem T5 por €316.000. Saiba como aproveitar estas oportunida­des. Muitas delas estão à distância de um clique.

OS SORTEIOS EM LISBOA E NO PORTO RENDAS ACESSÍVEIS

Nome a fixar: Habitar Lisboa, a plataforma online da autarquia que de dois em dois meses sorteia casas para rendas acessíveis. Começam nos €150 dos T0 aos T2. As máximas atingem €400 para T0, €500 para T1, €600 para T2. Os T3 ou tipologias maiores vão dos €200 aos €800.

Diogo Alexandre Dias, de 29 anos, paga uma renda de €227,53 por um T2 em Alvalade, com obras feitas. Foi “um mar de emoções” quando soube que tinha sido selecionad­o, nem quis acreditar e até pediu ao chefe para fazer uma pausa no trabalho e ir à câmara confirmar o resultado. Não se esquece da data, véspera do 25 de abril de 2023, nem do dia da entrega das chaves a 1 de maio, nos Paços do Concelho, pela mão do presidente Carlos Moedas, que desde o início do mandato (2021) atribuiu 760 habitações.

Pai solteiro de gémeos, rapazes de 8 anos, o empregado na área da restauraçã­o já entrara na fase do desespero por não encontrar casa compatível com os seus rendimento­s (13 mil euros anuais). “Pesquisei no Imovirtual, no idealista, e as rendas não davam, nem as cauções pedidas. Já me via fora de Lisboa”, conta à SÁBADO. Vivia até então com a mãe, a avó e os filhos num T1 na Rua Alexandre Herculano e a situação tornava-se insustentá­vel para todos.

O contrato de arrendamen­to de Diogo é de cinco anos, como os restantes, sendo reavaliado de dois em dois pelos rendimento­s. “A localizaçã­o é ótima, estou perto da escola e da avó deles. Fico a 2 km do trabalho, no Lumiar, e vou de metro.” Está confortáve­l e os miúdos também – até deixaram de implicar um com o outro.

Se estiver à procura, faça como Diogo e fique atento ao item da plataforma “concursos abertos –

O PRÓXIMO SORTEIO DE CASAS DA CÂMARA DE LISBOA PARA ARRENDAMEN­TO ACESSÍVEL SERÁ ENTRE ABRIL E MAIO

renda acessível”, porque entre abril e maio (data por definir) serão sorteadas mais casas. Carlos Moedas visitou um conjunto delas a 29 de fevereiro, num edifício da Estrada de Moscavide nº 2, que faz fronteira com o Parque das Nações e é servido por metro (linha vermelha). Enquanto percorreu a obra, falou com os trabalhado­res, na maioria imigrantes, e perguntou a um se sabia quem ele era. “Moedas!”, ouviu. O presidente respondeu que não tinha “nem muitas moedas, nem muitas notas”, o que provocou a risada geral. Ultimam-se as 36 casas (25 T1 e 11 T2) a estrear, que estiveram em obra desde março de 2022, num investimen­to de 4 milhões de euros. Parte dos 268 imóveis em reabilitaç­ão nos bairros municipais também vão a sorteio.

Aviso por telemóvel

Para ser avisado no telemóvel, tem de ter a chave móvel digital – uma ferramenta de consulta das oportunida­des de casas municipais. Entra na

Habitar Lisboa, regista-se com os dados (data de nascimento, número de telemóvel, de identifica­ção fiscal e situação tributária) e define um PIN de autenticaç­ão. Uma vez ativada, esta chave permite-lhe aceder aos sorteios de casas, de dois em dois meses, de acordo com o seu nível de rendimento­s.

Os sorteios são eletrónico­s. Assim que abre um concurso recebe uma notificaçã­o por email ou SMS, conforme a indicação que der na plataforma. Para já, o rácio entre a procura e a oferta continua a ser desproporc­ional: no último, a 6 de fevereiro, concorrera­m 5.044 pessoas para 59 casas dispersas pela cidade (entre Ajuda, Alcântara, Alvalade, Areeiro, Beato, Estrela, Lumiar, Marvila, Misericórd­ia, Olivais, Parque das Nações, Penha de França e Santa Clara).

Podem candidatar-se pessoas a partir dos 18 anos (53% dos candidatos têm entre 35 e 64 anos), com título de residência válido em território nacional e comprovati­vo de liquidação de IRS e/ou certidão de dispensa de entrega de IRS, do último ano fiscal. O rendimento global elegível tem um mínimo de €9.870 (brutos anuais) e um máximo €35.000 por pessoa, €45.000 para duas pessoas e €5.000 por cada dependente. Nenhum membro do agregado familiar que concorra pode ser proprietár­io na Área Metropolit­ana de Lisboa (AML).

Joana Rouxinol, de 23 anos, preenchia os requisitos. Arrendava com o companheir­o um velho T2 em Chelas, por €500, e os problemas de canalizaçã­o faziam-se sentir na casa de banho. A dada altura, o cano rebentou e o casal de lojistas assumiu o arranjo. Entretanto, com a gravidez de Joana a entidade empregador­a não lhe renovou o contrato. Ficou desemprega­da e tentou os sorteios da câmara, sem sucesso. A 15 de fevereiro de 2023,

quando recuperava do parto induzido de Guilherme, recebeu a notícia por email. Iria morar numa casa nova de 103 m2, com varanda, duas casas de banho, central (nas Avenidas Novas) e ao preço da anterior. “Tem um corredor enorme, onde o meu filho pode correr”, diz à SÁBADO.

O apartament­o de Joana Rouxinol é um dos 220, na zona de Entrecampo­s, que entrarão em sorteios da câmara de Lisboa até 2026. Campolide também está na lista para concursos futuros com 35 casas, assim como Belém (duas), Beato (150), Lumiar (200), São Vicente (31) e Marvila (371 em obra e 420 em projeto).

Na corrida ao arrendamen­to acessível entra a junta de freguesia de Benfica, densamente povoada com 35.367 habitantes (segundo os censos de 2021). Articulada com o IHRU e o município lisboeta, colocará no Portal da Habitação (pelo programa 1º Direito) e na plataforma Habitar Lisboa, respetivam­ente, 311 frações financiada­s pelo PRR até maio de 2026, num total de €66.700.000. “Estamos a comprar casas com reabilitaç­ão feita: T1 e T2 para famílias em início de vida. Estão dispersas por todos os bairros de Benfica e as rendas serão entre os €400 e €600”, diz o presidente Ricardo Marques.

Sorteio em direto no YouTube

A norte, o programa Porto com Sentido vai ganhando terreno pelo

SÓ EM ENTRECAMPO­S, A CÂMARA DE LISBOA VAI SORTEAR 220 CASAS PARA ARRENDAMEN­TO ACESSÍVEL ENTRE 2025 E 2026

sorteio bimestral de casas para esta modalidade. Coloca em média 11 na plataforma online, em moldes idênticos aos da Habitar Lisboa. Surgiu em outubro de 2020 e angaria habitações a particular­es para as subarrenda­r a preços acessíveis à classe média, pelo menos 20% inferiores aos do mercado livre, de modo a que a renda não ultrapasse 35% do rendimento do agregado.

As localizaçõ­es mais disputadas ficam naturalmen­te no centro, a preços de saldo: €341 (T0), €365 (T1), €449 (T2), €535 (T3) e €575 (T4). Os T2 lideram a procura, seguidos de perto pelos T1, a avaliar pela média dos 270 contratos de arrendamen­to já feitos. As chaves têm sido entregues nas instalaçõe­s da empresa municipal Porto Vivo SRU. Há agora sete frações em stock à espera de irem a concurso até ao fim de março. Estima-se que em 2024 sejam escoadas 60 habitações por esta via e 50 em 2025.

Rui Silveira, um dos contemplad­os, mostra-se surpreendi­do “pela positiva”, diz à SÁBADO. “Foi simples e rápido. Em meados de novembro de 2023, candidatei-me a dois T3 e um T4, por ordem de preferênci­a pela localizaçã­o e proximidad­e do trabalho.” Desde que cumpram os requisitos relativos à taxa de esforço e à tipologia adequada, os candidatos podem candidatar-se ao numero de casas que quiserem.

O sorteio aconteceu semanas depois, a 13 de dezembro, e foi transmitid­o aos 271 candidatos no canal do YouTube da câmara

Q (portoponto). Durou 20 minutos, com Rui a vê-lo em direto à hora de almoço no trabalho (é operador da ETAR). “Enviaram-nos um link, estava um júri num auditório enquanto decorria o sorteio digital”, recorda.

Foram sorteadas 22 casas, saindo-lhe a segunda opção: um T3 duplex, no Bonfim com 95,4 m2. A filha, de 14 anos, está radiante com a sua minicasa nas águas furtadas, para onde leva as amigas. O filho mais velho, de 20 anos, que estuda Microbiolo­gia, tem quarto próprio. A mulher está feliz, porque tem um lar. O imóvel reabilitad­o pertence a um particular, a quem o município paga uma renda de €860 e subarrenda a Rui por €430 (um pouco além da renda média da totalidade de contratos neste formato, de €400,53) por ter um agregado de três dependente­s. O contrato vigora desde 1 de janeiro de 2024 até 30 de setembro de 2028.

CASAS A CUSTOS CONTROLADO­S

ONDE VÃO NASCER?

Em Almada, no troço norte da R. de Alfazina de Cima, as estruturas dos 10 edifícios de betão, de três e quatro pisos, já estão concluídas. Ali vão nascer 156 casas para 450 pessoas de rendimento­s médios, servidas por 10 elevadores, 148 lugares de garagem e 162 para bicicletas. É a empreitada de grande escala mais adiantada do IHRU, em que não vão faltar varandas, nem zonas verdes e pedonais. “Estão agora em execução as alvenarias e as redes prediais [drenagem de águas residuais]”, explica à SÁBADO o coordenado­r de projeto Nuno Lourenço, do ateliê Risco. Está previsto a construção acabar em 2025 e será para renda acessível.

O ateliê ganhou o concurso público em 2019, tendo em conta a construção a custos controlado­s (€13,2 milhões à época, entretanto o orçamento já terá aumentado pela inflação e custos de construção). Nuno Lourenço frisa a escolha de “soluções construtiv­as duráveis e de baixo custo”, o mesmo que dizer menos encargos com a manutenção. Também em Almada erguem-se três prédios na R. de Alcaniça, com capacidade para 24 apartament­os e comércio. É mais um investimen­to do organismo público (€2,75 milhões), que se prevê terminar para o ano, assim como outro (€2,35 milhões) perto do hospital Garcia de Orta, que terá 28 casas.

São as três obras do IHRU mais avançadas, entre 26 projetos de conceção ganhos em concursos públicos desde 2020. No total, prometem dar 2.818 casas à classe média, de acordo com o site oficial.

Almada está no pelotão da frente com 1.141 imóveis agrupados por 13 empreendim­entos. Seguem-se 702 habitações em Setúbal (repartidas por cinco áreas residencia­is); 556 casas em Lisboa (em quatro zonas, sem incluir iniciativa­s da câmara); 108 em Aveiro; 60 em Paços de Ferreira; 45 em Lousada; e 204 em Matosinhos.

Havendo mais iniciativa­s em curso, quando questionad­o pela SÁBADO o IHRU sobe a fasquia para 5.210 casas por todo o País até 2026. “Se tivermos em conta que a dimensão média dos agregados se cifra em 2,5 pessoas, dados de 2021, os 5.210 alojamento­s poderão dar resposta a mais de 13.000 pessoas”, diz fonte oficial.

Nestes dois anos e três meses, até junho de 2026, a operação será em contrarrel­ógio, com licenciame­ntos rápidos e empreitada­s a trabalhare­m a todo o gás para que não haja derrapagen­s (sempre imprevisív­eis). Contudo, há falta de mão de obra e em contexto de concurso público de empreitada pelo valor mais baixo torna-se difícil controlar a qualidade da equipa construtor­a, “por isso é uma lotaria”, dizem profission­ais envolvidos.

Estrela, zona de elite incluída

Numa das localizaçõ­es mais caras de Lisboa, onde não faltam palacetes da velha aristocrac­ia e edifícios reabilitad­os para as elites, surgirá

AS CONSTRUÇÕE­S PARA ARRENDAMEN­TO ACESSÍVEL JÁ ESTÃO EM FASES ADIANTADAS EM ALMADA

Q um novo empreendim­ento na R. de São Ciro, também promovido pelo IHRU. Perto da Basílica da Estrela vão erguer-se três edifícios com 26 elevadores e 100 casas de T1 a T4, esta última tipologia é rara no arrendamen­to acessível, que costuma ir até T3. Preveem-se 300 moradores. A construção deve arrancar no fim de 2024 e deverá terminar antes do fim de 2026. Para controlar os custos, o ateliê vencedor do projeto MASSLab fez um levantamen­to das partes que poderiam ser pré-fabricadas, de modo a diminuir o tempo de obra – e obviamente o dinheiro.

Na zona oriental da cidade ainda há espaço de construção, sendo Chelas a eleita. Acolhe 168 apartament­os em seis prédios públicos do IHRU (30,4 milhões), projetados por Ricardo Bak Gordon em parceria com Inês Lobo e Ricardo Carvalho. A marca são as varandas, diz Bak Gordon à SÁBADO: “Espécie de salas exteriores para onde a vida quotidiana das famílias se pode estender.”

Há três prazos decisivos e que ultrapassa­m o período de execução dos fundos europeus do PRR (junho de 2026). “O PRR é uma componente importante, mas não a única. Já estamos a desenhar medidas que vão aparecer depois”, diz à SÁBADO a vereadora Filipa Roseta. Até 2026, o maior projeto é no Lumiar (200 casas); Casal do Pinto sobressai em 2028 (no Beato, 150 casas); e em 2033 o de grande escala fica no Vale de Santo António em Xabregas (2.400 casas). Em análise está a possibilid­ade de criar parcerias com promotores privados para construir 600 habitações de arrendamen­to acessível em Benfica e no Parque das Nações.

Perto da capital há mais projetos comparávei­s em tamanho. Um deles fica em Oeiras, na antiga Estação Radionaval de Algés, cuja reconversã­o dará para 770 casas de renda acessível, de T1 a T4, e um parque público de 12 hectares (o equivalent­e a 12 campos de futebol), ao abrigo do protocolo entre o IHRU e a câmara de Oeiras. Custo total: 185 milhões de euros. So

A CÂMARA DO PORTO AVANÇA PARA AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA CONSTRUÇÃO DE 620 CASAS

mam-se 3.500 habitações em Almada Poente, através de um protocolo assinado pela câmara e pelo IHRU em 2019. Numa primeira fase prevê-se a construção de 1.200 para arrendamen­to acessível. Destas, “208 já se encontram em fase de construção e mil em projeto”, diz fonte do município. Em Setúbal Nascente a parceria entre IHRU e a câmara resultará em 900 casas.

Parcerias público privadas

O Porto não fica atrás, com 291 habitações a nascerem em Lordelo do Ouro com o mesmo propósito. “Está previsto as obras começarem em 2024, até 2028, num investimen­to de 65 milhões de euros”, esclarece o vereador Pedro Baganha.

A autarquia planeia reabilitar imóveis devolutos e construir 403 casas. E avança noutra frente: as parcerias público-privadas, cedendo o direito de superfície de 16 lotes – quatro no Monte Pedral, com capacidade para 388 casas, e 12 no Monte da Bela para 232 casas – por 90 anos. Quem constrói e explora as 620 casas para arrendamen­to acessível é um promotor privado.

Os concursos para a contrataçã­o do promotor decorrem desde 29 de janeiro. Tudo somado, quer pôr no mercado de arrendamen­to acessível 1.500 casas (incluindo outros projetos em curso) dentro de quatro anos.

No modelo de custos controlado­s a eficiência energética está nos níveis máximos. Numa das construçõe­s de 24 apartament­os na Av. Joaquim Campos, em Setúbal, as varandas da fachada sul protegem do sol no verão e captam ganhos térmicos no inverno. “Funcionam como colchão térmico”, dizem os arquitetos do ateliê Branco Del Rio. Na mesma cidade, o arquiteto Elói da Silva Gonçalves projeta que as 48 casas na Av. Júlio Santos sejam feitas “com materiais correntes, que podem ser facilmente adquiridos e de proveniênc­ia próxima”, diz.

Na mesma linha, os autores do desenho de 45 casas da câmara de Lousada (distrito do Porto) propõem aquilo a que chamam arquitetur­a bioclimáti­ca. “Dando prioridade a aspetos como orientação, sombreamen­to, isolamento, ventilação e luz natural”, explicam do gabinete de arquitetur­a Cirurgias Urbanas.

O lema é projetarem a longo prazo, equivalent­e ao con

ceito de “habitação de baixa de necessidad­e”. “Isto é, que tanto funcione nos dias de hoje como daqui a 20 anos sem que para isso sejam necessária­s alterações fundamenta­is aos edifícios”, explica André Marques Rodrigues, vencedor de um projeto de arquitetur­a (em coautoria com João Siopa Alves e Baltazar Mateus) para 73 casas no Pragal, Almada, numas antigas quintas expropriad­as no pós-25 de Abril (€6,9 milhões de investimen­to). Após visitarem o local, notaram a degradação de prédios vizinhos pela proximidad­e do rio e exposição aos ventos atlânticos. “Escolhemos o betão por ser um material robusto, sem necessidad­e de pintura e capaz de conferir aos edifícios a solidez de que estávamos a procura”, explica.

Tijolo na fachada também resiste ao tempo. É a opção dos peritos da SPMR, com dois projetos em Almada, um de 20 casas e outro de 52 do IHRU. No mesmo município, o empreendim­ento Encosta Sul (150 casas em três prédios) “prevê uma lógica de manutenção reduzida a longo prazo”, adianta o especialis­ta do Fala Atelier, que também vai reabilitar 50 casas camarárias em Campolide (início de obra em janeiro de 2026 e conclusão prevista para junho de 2027). Em Loures, no novo Zambujal Housing, 41 apartament­os da câmara projetados pelo MASSLab combinam-se placas de betão prefabrica­do no rés do chão com tijolo de face à vista nos pisos superiores. Porque a poupança mede-se agora de forma inteligent­e, pela durabilida­de dos materiais

OS MATERIAIS DAS CASAS NOVAS SÃO DURÁVEIS E REQUEREM MENOS MANUTENÇÃO

que não requerem grande manutenção nem encargos no futuro.

O RENASCIMEN­TO EM TERRENOS PÚBLICOS COOPERATIV­AS

Para quem puder esperar, a habitação por cooperativ­a é viável porque as casas ficam ao preço da construção, pela cedência de terrenos das câmaras. Isto traduz-se na compra por metade ou até menos dos valores de mercado. Alexandra Isabel, 42 anos, e o companheir­o, de 50, são ambos funcionári­os públicos e têm noção da ordem de grandeza. “Há casas nesta zona com 40 anos a serem vendidas por 1 milhão”, diz Alexandra Isabel à SÁBADO. Decidiram então esperar sete anos por um T3 a €172.500 no Carvalhal, prestes a ficar concluí

Q do. Fica a 12 km da Comporta, epicentro dos multimilio­nários que ali convergem no verão. O designer de sapatos Christian Louboutin é um dos vizinhos. “Eles andam aí, passam muitas vezes de helicópter­o. Já nem olho…”, relativiza Alexandra.

Nascida e criada no Carvalhal, a sócia da cooperativ­a Habigrândo­la não quer perder a qualidade de vida perto dos pinhais e a 3 km da praia. Tem vivido na zona com o companheir­o e os dois filhos (de 15 e 3 anos), na moradia da mãe, viúva.

Para aceder à casa nova, o casal adiantou várias tranches (já passam dos seis mil euros) ao longo do período de construção, de dois anos, a serem descontada­s na fase final da escritura. O restante valor será pago mediante crédito bancário. Os apartament­os serão entregues aos sócios em abril, segundo o presidente da cooperativ­a fundada há 30 anos, José Manuel Pereira. “Por ser tão apetecível para negociar, a Habigrândo­la exercerá o direito de preferênci­a por 30 anos”, explica o responsáve­l. Ou seja, se um morador quiser vender o imóvel, a cooperativ­a chama uma das pessoas em lista de espera (tem 106) para comprá-lo quase ao preço de origem só atualizado pela inflação.

T5 por €316 mil em Lisboa

Este sistema ganhou tração nos anos 80, mas foi esmorecend­o pela falta de cedência de terrenos mu

Pesquisa

Nas novas construçõe­s, os arquitetos falam com vários fornecedor­es até encontrare­m soluções de qualidade que não façam derrapar os orçamentos

O PRIMEIRO LOTE MUNICIPAL A SER SORTEADO PARA COOPERATIV­AS DE HABITAÇÃO SERÁ NO LUMIAR

EM MARVILA ESTÁ A DECORRER UMA OBRA DE COOPERATIV­A, EM QUE UM T5 CUSTA APENAS €316.000

nicipais. Em Lisboa, um dos últimos foi cedido há 20 anos no Vale Formoso de Cima (Marvila), a 500 metros do Tejo, e só em julho de 2023 começaram as obras que devem terminar em junho de 2025. “Já foram celebrados e sinalizado­s 63 Contratos de Promessa Compra e Venda [CPCV] das 63 frações. A Caixa Geral de Depósitos financia os créditos dos cooperador­es, mas estes têm de ter um mínimo de 20% de capitais próprios”, explica Manuel Tereso, presidente da Federação Nacional de Cooperativ­as de Habitação Económica (Fenache), com 32 filiadas. Mas a espera compensa: um T2 ficará por €204.000, um T3 por €260.000 e um T5 por €316.000.

Manuel Tereso tem sido um interlocut­or para as filiadas estarem a par do novo Programa Cooperativ­as 1ª Habitação Lisboa, com direito de superfície por 90 anos. A 14 de fevereiro houve novidades, depois de a câmara aprovar o plano com alguns ajustes.

O primeiro lote disponível fica na R. António Couto, no Lumiar, tem capacidade para 18 casas e irá a concurso público até ao fim do ano. As cooperativ­as que concorrere­m ao direito de superfície terão de fazer prova de fundos (capacidade económica para construir, através de financiame­nto bancário aprovado), gerir, fiscalizar a obra e conservar as habitações. Serão pontuadas por um júri “por critérios objetivos previament­e definidos”, lê-se no boletim municipal. Os preços correspond­em a metade dos praticados na cidade, ficando um T1 (haverá cinco desta tipologia) a €146.000, cada um dos nove T2 por €216.000 e os quatro T3 ao valor unitário de €289.000. O prédio é de linhas direitas, com espaços amplos.

Em Benfica, na R. da Venezuela, há um terreno municipal de 2.127 m2 à espera de habitação sem fins lucrativos. O projeto de arquitetur­a já foi desenhado, como no caso anterior, e prevê 12 apartament­os: seis T2 (custo estimado de €192.644 cada) e seis T3 (€241.486 cada). Mais 21 casas surgirão perto

da Sé, num lote de gaveto em Santa Engrácia, sendo o encargo médio por habitação de €195.000. Desde fevereiro está aberto o concurso público para o projeto de arquitetur­a. Na mesma fase está o terreno retangular de 2.807 m2 em Santa Clara (Quinta das Lavadeiras), perto da Calçada de Carriche, que vai acolher 23 casas e cujo valor médio de cada rondará os €193.000.

Licenciame­ntos rápidos

As zonas históricas estão contemplad­as pelo “ideal cooperativ­o”, nas palavras de Manuel Tereso. Em Arroios, no antigo quartel do Cabeço da Bola, decorre um estudo prévio para fazer ali 15 habitações – T1 a €136.024, T2 a €221.695 e T3 a €303.488. A Corp Arquitetos ganhou o concurso público do projeto de conceção e explica que houve o cuidado de criar “espaços comunitári­os, espaços técnicos e estacionam­ento de bicicletas” sem compromete­r “a circulação de residentes e cidadãos”. O edifício é revestido a capoto e azulejo e tem em conta a eficiência energética.

A morosidade no licenciame­nto já não é entrave. “A câmara dá o terreno com o projeto aprovado e as pessoas pagam a construção. Quem estiver inscrito na plataforma para a renda acessível recebe uma mensagem a dizer que está aberta a vertente das cooperativ­as.

Se tiver interesse pode constituir uma”, realça a vereadora Filipa Roseta. O jurista Frederico Santos da Cases – Cooperativ­a António Sérgio explica o processo por passos: primeiro é preciso requerer o certificad­o de admissibil­idade de firma; depois convocar a assembleia de fundadores, que elege o presidente da mesa para criar as regras de funcioname­nto; a seguir fazer o registo numa conservató­ria do Registo Comercial e a inscrição na Segurança Social.

Se estes cinco exemplos correrem bem, o modelo ganhará escala em Lisboa e mais 500 habitações poderão surgir em terrenos municipais já identifica­dos. Os cooperador­es ou sócios das cooperativ­as só têm de pedir financiame­nto bancário para os custos de construção, mas não podem entrar na febre especulati­va se algum dia quiserem vender. Filipa Roseta garante: “O que nós vamos fazer com as cooperativ­as é que elas se mantenham com este ónus para não permitirem que as casas subam para valores de mercado.”

Lotes cedidos em Campanhã

No Porto, surgem os primeiros sinais da dinâmica num terreno devoluto. Dois lotes em Campanhã,

NO PORTO, A AUTARQUIA CEDEU DOIS LOTES EM CAMPANHÃ PARA HABITAÇÃO COOPERATIV­A (12 T2 E OITO T3)

de 1.100 m2 cada, foram dados pela câmara à Cooperativ­a de Habitação Económica (CETA) na escritura de cedência em maio de 2023. Serão construído­s dois edifícios de seis pisos, com 20 apartament­os cada (12 T2 e oito T3). Ainda não há preços, mas não faltam interessad­os – até à data mais de 50 estão pré-inscritos. “Temos vindo a trabalhar com os projetista­s para o licenciame­nto dos prédios, tendo em vista a sua certificaç­ão pelo IHRU como habitação a custos controlado­s”, explica Arnaldo Lucas, à frente da CETA.

Por iniciativa privada, a cooperativ­a portuense Habece comprou um terreno em Ramalde, em 2000, com capitais próprios para construir sete casas (três T2 e quatro T3), de janeiro de 2022 a março de 2023. “O aumento dos preços de terrenos, da construção e a dificuldad­e de obtenção de empréstimo­s (crédito bancário) aos cooperador­es, para a compra dos fogos, fizeram-nos mudar a estratégia de construção para venda para a de arrendamen­to”, explica Alberto Matos, representa­nte da Habece. E assim surgiu o “inquilinat­o cooperativ­o”, isto é, arrendamen­to a preços 30% mais baixos do que os praticados na freguesia. Os inquilinos são selecionad­os por concurso de habilitaçã­o, anunciado pela cooperativ­a, e pagam €850 de renda por cada T2 e €1.000 por um T3.

Setúbal, Gaia e Entroncame­nto também aderem às cooperativ­as na versão municipal, ainda que em pequena escala. Ensaios que o arquiteto Tiago Saraiva Neto, especializ­ado na área, prevê que sejam replicávei­s noutros municípios. Nesta militância desde 2015, incentiva pessoas a identifica­rem imóveis ou terrenos devolutos e a indicá-los ao IHRU para a modalidade. Porque teme pelo futuro das filhas (de 17, 11 e 6 anos): “É uma angústia pensar que com os seus salários não vão conseguir comprar uma casa. Prefiro criar esta luta para elas, para terem a cooperativ­a como opção.”

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 ?? ?? Diogo Alexandre Dias com os gémeos (Bernardo e Tomás) na casa em Alvalade. Os filhos até deixaram de implicar
Diogo Alexandre Dias com os gémeos (Bernardo e Tomás) na casa em Alvalade. Os filhos até deixaram de implicar
 ?? ?? Joana Rouxinol mudou-se com o filho e o companheir­o de um velho T2 em Chelas para um novo nas Av. Novas
Joana Rouxinol mudou-se com o filho e o companheir­o de um velho T2 em Chelas para um novo nas Av. Novas
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Na campanha, o líder do PS, Pedro Nuno Santos, viu as obras das habitações públicas no bairro Vila Verde (Entroncame­nto)
g Na campanha, o líder do PS, Pedro Nuno Santos, viu as obras das habitações públicas no bairro Vila Verde (Entroncame­nto)
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A vereadora da câmara de Lisboa, Filipa Roseta, quer usar os terrenos municipais para habitação
j A vereadora da câmara de Lisboa, Filipa Roseta, quer usar os terrenos municipais para habitação
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Foi na R. de São Rosendo, na freguesia do Bonfim (Porto), que Rui Silveira conseguiu arrendar casa
i Foi na R. de São Rosendo, na freguesia do Bonfim (Porto), que Rui Silveira conseguiu arrendar casa
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Manuel Tereso, presidente da federação de cooperativ­as Fenache, acredita no renascimen­to do modelo
h Manuel Tereso, presidente da federação de cooperativ­as Fenache, acredita no renascimen­to do modelo
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Alexandra Isabel visita a fase final das obras do empreendim­ento por cooperativ­a, no Carvalhal. Terá ali um T3
j Alexandra Isabel visita a fase final das obras do empreendim­ento por cooperativ­a, no Carvalhal. Terá ali um T3

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