CASASPARA COMBATER ACRISEDA HABITAÇÃO
O arrendamento acessível ganha escala em Lisboa com 3.300 imóveis municipais a saírem até 2026. No Porto, a fasquia vai nos 1.500 até 2028. A moda das cooperativas está de volta às duas maiores cidades, e noutros pontos do País, com sócios a comprarem a preço de construção. Há ainda a novidade da impressão 3D que permite fazer um T2 barato e em tempo recorde de 20 horas. Inquilinos, futuros proprietários, autarcas e arquitetos explicam à SÁBADO onde e quando surgem as oportunidades.
Nos últimos anos, encontrar casa a preços acessíveis tornou-se uma tarefa quase impossível para muitas famílias portuguesas. Inflação, alojamento local, procura de habitação por estrangeiros endinheirados e, mais recentemente, o aumento dos juros, contribuíram para a subida de preços e para tornar difícil às famílias suportarem o pagamento de rendas ou de prestações bancárias, sobretudo nas áreas urbanas. Contudo, nos próximos dois anos serão colocados no mercado milhares de imóveis, direcionados à classe média. Projetos que prometem, pelo menos, aliviar as dificuldades de quem procura: serão habitações novas ou reabilitadas, com rendas ou prestações comportáveis.
Estas novas casas chegam ao mercado através de várias formas: a principal é por arrendamento acessível, em vários pontos do País, promovido pelo Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) e pelas câmaras municipais, através de fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e parcerias público-privadas. Só em Lisboa, a meta até 2026 é construir 1.300 habitações e reabilitar 2.000 para este efeito, beneficiando 8.500 famílias. No Porto, a fasquia situa-se nas 1.500 até 2028, com a promessa de adequar as rendas aos rendimentos intermédios dos inquilinos. Há ainda os edifícios construídos por cooperativas de habitação, que obtêm terrenos dos municípios – neste caso para quem possa aguardar dois ou três anos pelo fim das obras. Outros projetos recorrem às novas tecnologias: um dos mais recentes aposta na construção através de impressoras 3D.
Foi por sorteio municipal que, no último ano, Rui Silveira conseguiu mudar-se para um T3 da câmara do Porto, pelo qual paga uma renda de €430; ou que Joana Rouxinol pôde morar num apartamento de 106 m2 na zona de Entrecampos, em Lisboa. Quem opta pela via da cooperativa, vê agora os resulta
Q
Q dos em Vale Formoso (Marvila), onde se constroem T5 por €316.000. Saiba como aproveitar estas oportunidades. Muitas delas estão à distância de um clique.
OS SORTEIOS EM LISBOA E NO PORTO RENDAS ACESSÍVEIS
Nome a fixar: Habitar Lisboa, a plataforma online da autarquia que de dois em dois meses sorteia casas para rendas acessíveis. Começam nos €150 dos T0 aos T2. As máximas atingem €400 para T0, €500 para T1, €600 para T2. Os T3 ou tipologias maiores vão dos €200 aos €800.
Diogo Alexandre Dias, de 29 anos, paga uma renda de €227,53 por um T2 em Alvalade, com obras feitas. Foi “um mar de emoções” quando soube que tinha sido selecionado, nem quis acreditar e até pediu ao chefe para fazer uma pausa no trabalho e ir à câmara confirmar o resultado. Não se esquece da data, véspera do 25 de abril de 2023, nem do dia da entrega das chaves a 1 de maio, nos Paços do Concelho, pela mão do presidente Carlos Moedas, que desde o início do mandato (2021) atribuiu 760 habitações.
Pai solteiro de gémeos, rapazes de 8 anos, o empregado na área da restauração já entrara na fase do desespero por não encontrar casa compatível com os seus rendimentos (13 mil euros anuais). “Pesquisei no Imovirtual, no idealista, e as rendas não davam, nem as cauções pedidas. Já me via fora de Lisboa”, conta à SÁBADO. Vivia até então com a mãe, a avó e os filhos num T1 na Rua Alexandre Herculano e a situação tornava-se insustentável para todos.
O contrato de arrendamento de Diogo é de cinco anos, como os restantes, sendo reavaliado de dois em dois pelos rendimentos. “A localização é ótima, estou perto da escola e da avó deles. Fico a 2 km do trabalho, no Lumiar, e vou de metro.” Está confortável e os miúdos também – até deixaram de implicar um com o outro.
Se estiver à procura, faça como Diogo e fique atento ao item da plataforma “concursos abertos –
O PRÓXIMO SORTEIO DE CASAS DA CÂMARA DE LISBOA PARA ARRENDAMENTO ACESSÍVEL SERÁ ENTRE ABRIL E MAIO
renda acessível”, porque entre abril e maio (data por definir) serão sorteadas mais casas. Carlos Moedas visitou um conjunto delas a 29 de fevereiro, num edifício da Estrada de Moscavide nº 2, que faz fronteira com o Parque das Nações e é servido por metro (linha vermelha). Enquanto percorreu a obra, falou com os trabalhadores, na maioria imigrantes, e perguntou a um se sabia quem ele era. “Moedas!”, ouviu. O presidente respondeu que não tinha “nem muitas moedas, nem muitas notas”, o que provocou a risada geral. Ultimam-se as 36 casas (25 T1 e 11 T2) a estrear, que estiveram em obra desde março de 2022, num investimento de 4 milhões de euros. Parte dos 268 imóveis em reabilitação nos bairros municipais também vão a sorteio.
Aviso por telemóvel
Para ser avisado no telemóvel, tem de ter a chave móvel digital – uma ferramenta de consulta das oportunidades de casas municipais. Entra na
Habitar Lisboa, regista-se com os dados (data de nascimento, número de telemóvel, de identificação fiscal e situação tributária) e define um PIN de autenticação. Uma vez ativada, esta chave permite-lhe aceder aos sorteios de casas, de dois em dois meses, de acordo com o seu nível de rendimentos.
Os sorteios são eletrónicos. Assim que abre um concurso recebe uma notificação por email ou SMS, conforme a indicação que der na plataforma. Para já, o rácio entre a procura e a oferta continua a ser desproporcional: no último, a 6 de fevereiro, concorreram 5.044 pessoas para 59 casas dispersas pela cidade (entre Ajuda, Alcântara, Alvalade, Areeiro, Beato, Estrela, Lumiar, Marvila, Misericórdia, Olivais, Parque das Nações, Penha de França e Santa Clara).
Podem candidatar-se pessoas a partir dos 18 anos (53% dos candidatos têm entre 35 e 64 anos), com título de residência válido em território nacional e comprovativo de liquidação de IRS e/ou certidão de dispensa de entrega de IRS, do último ano fiscal. O rendimento global elegível tem um mínimo de €9.870 (brutos anuais) e um máximo €35.000 por pessoa, €45.000 para duas pessoas e €5.000 por cada dependente. Nenhum membro do agregado familiar que concorra pode ser proprietário na Área Metropolitana de Lisboa (AML).
Joana Rouxinol, de 23 anos, preenchia os requisitos. Arrendava com o companheiro um velho T2 em Chelas, por €500, e os problemas de canalização faziam-se sentir na casa de banho. A dada altura, o cano rebentou e o casal de lojistas assumiu o arranjo. Entretanto, com a gravidez de Joana a entidade empregadora não lhe renovou o contrato. Ficou desempregada e tentou os sorteios da câmara, sem sucesso. A 15 de fevereiro de 2023,
quando recuperava do parto induzido de Guilherme, recebeu a notícia por email. Iria morar numa casa nova de 103 m2, com varanda, duas casas de banho, central (nas Avenidas Novas) e ao preço da anterior. “Tem um corredor enorme, onde o meu filho pode correr”, diz à SÁBADO.
O apartamento de Joana Rouxinol é um dos 220, na zona de Entrecampos, que entrarão em sorteios da câmara de Lisboa até 2026. Campolide também está na lista para concursos futuros com 35 casas, assim como Belém (duas), Beato (150), Lumiar (200), São Vicente (31) e Marvila (371 em obra e 420 em projeto).
Na corrida ao arrendamento acessível entra a junta de freguesia de Benfica, densamente povoada com 35.367 habitantes (segundo os censos de 2021). Articulada com o IHRU e o município lisboeta, colocará no Portal da Habitação (pelo programa 1º Direito) e na plataforma Habitar Lisboa, respetivamente, 311 frações financiadas pelo PRR até maio de 2026, num total de €66.700.000. “Estamos a comprar casas com reabilitação feita: T1 e T2 para famílias em início de vida. Estão dispersas por todos os bairros de Benfica e as rendas serão entre os €400 e €600”, diz o presidente Ricardo Marques.
Sorteio em direto no YouTube
A norte, o programa Porto com Sentido vai ganhando terreno pelo
SÓ EM ENTRECAMPOS, A CÂMARA DE LISBOA VAI SORTEAR 220 CASAS PARA ARRENDAMENTO ACESSÍVEL ENTRE 2025 E 2026
sorteio bimestral de casas para esta modalidade. Coloca em média 11 na plataforma online, em moldes idênticos aos da Habitar Lisboa. Surgiu em outubro de 2020 e angaria habitações a particulares para as subarrendar a preços acessíveis à classe média, pelo menos 20% inferiores aos do mercado livre, de modo a que a renda não ultrapasse 35% do rendimento do agregado.
As localizações mais disputadas ficam naturalmente no centro, a preços de saldo: €341 (T0), €365 (T1), €449 (T2), €535 (T3) e €575 (T4). Os T2 lideram a procura, seguidos de perto pelos T1, a avaliar pela média dos 270 contratos de arrendamento já feitos. As chaves têm sido entregues nas instalações da empresa municipal Porto Vivo SRU. Há agora sete frações em stock à espera de irem a concurso até ao fim de março. Estima-se que em 2024 sejam escoadas 60 habitações por esta via e 50 em 2025.
Rui Silveira, um dos contemplados, mostra-se surpreendido “pela positiva”, diz à SÁBADO. “Foi simples e rápido. Em meados de novembro de 2023, candidatei-me a dois T3 e um T4, por ordem de preferência pela localização e proximidade do trabalho.” Desde que cumpram os requisitos relativos à taxa de esforço e à tipologia adequada, os candidatos podem candidatar-se ao numero de casas que quiserem.
O sorteio aconteceu semanas depois, a 13 de dezembro, e foi transmitido aos 271 candidatos no canal do YouTube da câmara
Q (portoponto). Durou 20 minutos, com Rui a vê-lo em direto à hora de almoço no trabalho (é operador da ETAR). “Enviaram-nos um link, estava um júri num auditório enquanto decorria o sorteio digital”, recorda.
Foram sorteadas 22 casas, saindo-lhe a segunda opção: um T3 duplex, no Bonfim com 95,4 m2. A filha, de 14 anos, está radiante com a sua minicasa nas águas furtadas, para onde leva as amigas. O filho mais velho, de 20 anos, que estuda Microbiologia, tem quarto próprio. A mulher está feliz, porque tem um lar. O imóvel reabilitado pertence a um particular, a quem o município paga uma renda de €860 e subarrenda a Rui por €430 (um pouco além da renda média da totalidade de contratos neste formato, de €400,53) por ter um agregado de três dependentes. O contrato vigora desde 1 de janeiro de 2024 até 30 de setembro de 2028.
CASAS A CUSTOS CONTROLADOS
ONDE VÃO NASCER?
Em Almada, no troço norte da R. de Alfazina de Cima, as estruturas dos 10 edifícios de betão, de três e quatro pisos, já estão concluídas. Ali vão nascer 156 casas para 450 pessoas de rendimentos médios, servidas por 10 elevadores, 148 lugares de garagem e 162 para bicicletas. É a empreitada de grande escala mais adiantada do IHRU, em que não vão faltar varandas, nem zonas verdes e pedonais. “Estão agora em execução as alvenarias e as redes prediais [drenagem de águas residuais]”, explica à SÁBADO o coordenador de projeto Nuno Lourenço, do ateliê Risco. Está previsto a construção acabar em 2025 e será para renda acessível.
O ateliê ganhou o concurso público em 2019, tendo em conta a construção a custos controlados (€13,2 milhões à época, entretanto o orçamento já terá aumentado pela inflação e custos de construção). Nuno Lourenço frisa a escolha de “soluções construtivas duráveis e de baixo custo”, o mesmo que dizer menos encargos com a manutenção. Também em Almada erguem-se três prédios na R. de Alcaniça, com capacidade para 24 apartamentos e comércio. É mais um investimento do organismo público (€2,75 milhões), que se prevê terminar para o ano, assim como outro (€2,35 milhões) perto do hospital Garcia de Orta, que terá 28 casas.
São as três obras do IHRU mais avançadas, entre 26 projetos de conceção ganhos em concursos públicos desde 2020. No total, prometem dar 2.818 casas à classe média, de acordo com o site oficial.
Almada está no pelotão da frente com 1.141 imóveis agrupados por 13 empreendimentos. Seguem-se 702 habitações em Setúbal (repartidas por cinco áreas residenciais); 556 casas em Lisboa (em quatro zonas, sem incluir iniciativas da câmara); 108 em Aveiro; 60 em Paços de Ferreira; 45 em Lousada; e 204 em Matosinhos.
Havendo mais iniciativas em curso, quando questionado pela SÁBADO o IHRU sobe a fasquia para 5.210 casas por todo o País até 2026. “Se tivermos em conta que a dimensão média dos agregados se cifra em 2,5 pessoas, dados de 2021, os 5.210 alojamentos poderão dar resposta a mais de 13.000 pessoas”, diz fonte oficial.
Nestes dois anos e três meses, até junho de 2026, a operação será em contrarrelógio, com licenciamentos rápidos e empreitadas a trabalharem a todo o gás para que não haja derrapagens (sempre imprevisíveis). Contudo, há falta de mão de obra e em contexto de concurso público de empreitada pelo valor mais baixo torna-se difícil controlar a qualidade da equipa construtora, “por isso é uma lotaria”, dizem profissionais envolvidos.
Estrela, zona de elite incluída
Numa das localizações mais caras de Lisboa, onde não faltam palacetes da velha aristocracia e edifícios reabilitados para as elites, surgirá
AS CONSTRUÇÕES PARA ARRENDAMENTO ACESSÍVEL JÁ ESTÃO EM FASES ADIANTADAS EM ALMADA
Q um novo empreendimento na R. de São Ciro, também promovido pelo IHRU. Perto da Basílica da Estrela vão erguer-se três edifícios com 26 elevadores e 100 casas de T1 a T4, esta última tipologia é rara no arrendamento acessível, que costuma ir até T3. Preveem-se 300 moradores. A construção deve arrancar no fim de 2024 e deverá terminar antes do fim de 2026. Para controlar os custos, o ateliê vencedor do projeto MASSLab fez um levantamento das partes que poderiam ser pré-fabricadas, de modo a diminuir o tempo de obra – e obviamente o dinheiro.
Na zona oriental da cidade ainda há espaço de construção, sendo Chelas a eleita. Acolhe 168 apartamentos em seis prédios públicos do IHRU (30,4 milhões), projetados por Ricardo Bak Gordon em parceria com Inês Lobo e Ricardo Carvalho. A marca são as varandas, diz Bak Gordon à SÁBADO: “Espécie de salas exteriores para onde a vida quotidiana das famílias se pode estender.”
Há três prazos decisivos e que ultrapassam o período de execução dos fundos europeus do PRR (junho de 2026). “O PRR é uma componente importante, mas não a única. Já estamos a desenhar medidas que vão aparecer depois”, diz à SÁBADO a vereadora Filipa Roseta. Até 2026, o maior projeto é no Lumiar (200 casas); Casal do Pinto sobressai em 2028 (no Beato, 150 casas); e em 2033 o de grande escala fica no Vale de Santo António em Xabregas (2.400 casas). Em análise está a possibilidade de criar parcerias com promotores privados para construir 600 habitações de arrendamento acessível em Benfica e no Parque das Nações.
Perto da capital há mais projetos comparáveis em tamanho. Um deles fica em Oeiras, na antiga Estação Radionaval de Algés, cuja reconversão dará para 770 casas de renda acessível, de T1 a T4, e um parque público de 12 hectares (o equivalente a 12 campos de futebol), ao abrigo do protocolo entre o IHRU e a câmara de Oeiras. Custo total: 185 milhões de euros. So
A CÂMARA DO PORTO AVANÇA PARA AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA CONSTRUÇÃO DE 620 CASAS
mam-se 3.500 habitações em Almada Poente, através de um protocolo assinado pela câmara e pelo IHRU em 2019. Numa primeira fase prevê-se a construção de 1.200 para arrendamento acessível. Destas, “208 já se encontram em fase de construção e mil em projeto”, diz fonte do município. Em Setúbal Nascente a parceria entre IHRU e a câmara resultará em 900 casas.
Parcerias público privadas
O Porto não fica atrás, com 291 habitações a nascerem em Lordelo do Ouro com o mesmo propósito. “Está previsto as obras começarem em 2024, até 2028, num investimento de 65 milhões de euros”, esclarece o vereador Pedro Baganha.
A autarquia planeia reabilitar imóveis devolutos e construir 403 casas. E avança noutra frente: as parcerias público-privadas, cedendo o direito de superfície de 16 lotes – quatro no Monte Pedral, com capacidade para 388 casas, e 12 no Monte da Bela para 232 casas – por 90 anos. Quem constrói e explora as 620 casas para arrendamento acessível é um promotor privado.
Os concursos para a contratação do promotor decorrem desde 29 de janeiro. Tudo somado, quer pôr no mercado de arrendamento acessível 1.500 casas (incluindo outros projetos em curso) dentro de quatro anos.
No modelo de custos controlados a eficiência energética está nos níveis máximos. Numa das construções de 24 apartamentos na Av. Joaquim Campos, em Setúbal, as varandas da fachada sul protegem do sol no verão e captam ganhos térmicos no inverno. “Funcionam como colchão térmico”, dizem os arquitetos do ateliê Branco Del Rio. Na mesma cidade, o arquiteto Elói da Silva Gonçalves projeta que as 48 casas na Av. Júlio Santos sejam feitas “com materiais correntes, que podem ser facilmente adquiridos e de proveniência próxima”, diz.
Na mesma linha, os autores do desenho de 45 casas da câmara de Lousada (distrito do Porto) propõem aquilo a que chamam arquitetura bioclimática. “Dando prioridade a aspetos como orientação, sombreamento, isolamento, ventilação e luz natural”, explicam do gabinete de arquitetura Cirurgias Urbanas.
O lema é projetarem a longo prazo, equivalente ao con
ceito de “habitação de baixa de necessidade”. “Isto é, que tanto funcione nos dias de hoje como daqui a 20 anos sem que para isso sejam necessárias alterações fundamentais aos edifícios”, explica André Marques Rodrigues, vencedor de um projeto de arquitetura (em coautoria com João Siopa Alves e Baltazar Mateus) para 73 casas no Pragal, Almada, numas antigas quintas expropriadas no pós-25 de Abril (€6,9 milhões de investimento). Após visitarem o local, notaram a degradação de prédios vizinhos pela proximidade do rio e exposição aos ventos atlânticos. “Escolhemos o betão por ser um material robusto, sem necessidade de pintura e capaz de conferir aos edifícios a solidez de que estávamos a procura”, explica.
Tijolo na fachada também resiste ao tempo. É a opção dos peritos da SPMR, com dois projetos em Almada, um de 20 casas e outro de 52 do IHRU. No mesmo município, o empreendimento Encosta Sul (150 casas em três prédios) “prevê uma lógica de manutenção reduzida a longo prazo”, adianta o especialista do Fala Atelier, que também vai reabilitar 50 casas camarárias em Campolide (início de obra em janeiro de 2026 e conclusão prevista para junho de 2027). Em Loures, no novo Zambujal Housing, 41 apartamentos da câmara projetados pelo MASSLab combinam-se placas de betão prefabricado no rés do chão com tijolo de face à vista nos pisos superiores. Porque a poupança mede-se agora de forma inteligente, pela durabilidade dos materiais
OS MATERIAIS DAS CASAS NOVAS SÃO DURÁVEIS E REQUEREM MENOS MANUTENÇÃO
que não requerem grande manutenção nem encargos no futuro.
O RENASCIMENTO EM TERRENOS PÚBLICOS COOPERATIVAS
Para quem puder esperar, a habitação por cooperativa é viável porque as casas ficam ao preço da construção, pela cedência de terrenos das câmaras. Isto traduz-se na compra por metade ou até menos dos valores de mercado. Alexandra Isabel, 42 anos, e o companheiro, de 50, são ambos funcionários públicos e têm noção da ordem de grandeza. “Há casas nesta zona com 40 anos a serem vendidas por 1 milhão”, diz Alexandra Isabel à SÁBADO. Decidiram então esperar sete anos por um T3 a €172.500 no Carvalhal, prestes a ficar concluí
Q do. Fica a 12 km da Comporta, epicentro dos multimilionários que ali convergem no verão. O designer de sapatos Christian Louboutin é um dos vizinhos. “Eles andam aí, passam muitas vezes de helicóptero. Já nem olho…”, relativiza Alexandra.
Nascida e criada no Carvalhal, a sócia da cooperativa Habigrândola não quer perder a qualidade de vida perto dos pinhais e a 3 km da praia. Tem vivido na zona com o companheiro e os dois filhos (de 15 e 3 anos), na moradia da mãe, viúva.
Para aceder à casa nova, o casal adiantou várias tranches (já passam dos seis mil euros) ao longo do período de construção, de dois anos, a serem descontadas na fase final da escritura. O restante valor será pago mediante crédito bancário. Os apartamentos serão entregues aos sócios em abril, segundo o presidente da cooperativa fundada há 30 anos, José Manuel Pereira. “Por ser tão apetecível para negociar, a Habigrândola exercerá o direito de preferência por 30 anos”, explica o responsável. Ou seja, se um morador quiser vender o imóvel, a cooperativa chama uma das pessoas em lista de espera (tem 106) para comprá-lo quase ao preço de origem só atualizado pela inflação.
T5 por €316 mil em Lisboa
Este sistema ganhou tração nos anos 80, mas foi esmorecendo pela falta de cedência de terrenos mu
Pesquisa
Nas novas construções, os arquitetos falam com vários fornecedores até encontrarem soluções de qualidade que não façam derrapar os orçamentos
O PRIMEIRO LOTE MUNICIPAL A SER SORTEADO PARA COOPERATIVAS DE HABITAÇÃO SERÁ NO LUMIAR
EM MARVILA ESTÁ A DECORRER UMA OBRA DE COOPERATIVA, EM QUE UM T5 CUSTA APENAS €316.000
nicipais. Em Lisboa, um dos últimos foi cedido há 20 anos no Vale Formoso de Cima (Marvila), a 500 metros do Tejo, e só em julho de 2023 começaram as obras que devem terminar em junho de 2025. “Já foram celebrados e sinalizados 63 Contratos de Promessa Compra e Venda [CPCV] das 63 frações. A Caixa Geral de Depósitos financia os créditos dos cooperadores, mas estes têm de ter um mínimo de 20% de capitais próprios”, explica Manuel Tereso, presidente da Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (Fenache), com 32 filiadas. Mas a espera compensa: um T2 ficará por €204.000, um T3 por €260.000 e um T5 por €316.000.
Manuel Tereso tem sido um interlocutor para as filiadas estarem a par do novo Programa Cooperativas 1ª Habitação Lisboa, com direito de superfície por 90 anos. A 14 de fevereiro houve novidades, depois de a câmara aprovar o plano com alguns ajustes.
O primeiro lote disponível fica na R. António Couto, no Lumiar, tem capacidade para 18 casas e irá a concurso público até ao fim do ano. As cooperativas que concorrerem ao direito de superfície terão de fazer prova de fundos (capacidade económica para construir, através de financiamento bancário aprovado), gerir, fiscalizar a obra e conservar as habitações. Serão pontuadas por um júri “por critérios objetivos previamente definidos”, lê-se no boletim municipal. Os preços correspondem a metade dos praticados na cidade, ficando um T1 (haverá cinco desta tipologia) a €146.000, cada um dos nove T2 por €216.000 e os quatro T3 ao valor unitário de €289.000. O prédio é de linhas direitas, com espaços amplos.
Em Benfica, na R. da Venezuela, há um terreno municipal de 2.127 m2 à espera de habitação sem fins lucrativos. O projeto de arquitetura já foi desenhado, como no caso anterior, e prevê 12 apartamentos: seis T2 (custo estimado de €192.644 cada) e seis T3 (€241.486 cada). Mais 21 casas surgirão perto
da Sé, num lote de gaveto em Santa Engrácia, sendo o encargo médio por habitação de €195.000. Desde fevereiro está aberto o concurso público para o projeto de arquitetura. Na mesma fase está o terreno retangular de 2.807 m2 em Santa Clara (Quinta das Lavadeiras), perto da Calçada de Carriche, que vai acolher 23 casas e cujo valor médio de cada rondará os €193.000.
Licenciamentos rápidos
As zonas históricas estão contempladas pelo “ideal cooperativo”, nas palavras de Manuel Tereso. Em Arroios, no antigo quartel do Cabeço da Bola, decorre um estudo prévio para fazer ali 15 habitações – T1 a €136.024, T2 a €221.695 e T3 a €303.488. A Corp Arquitetos ganhou o concurso público do projeto de conceção e explica que houve o cuidado de criar “espaços comunitários, espaços técnicos e estacionamento de bicicletas” sem comprometer “a circulação de residentes e cidadãos”. O edifício é revestido a capoto e azulejo e tem em conta a eficiência energética.
A morosidade no licenciamento já não é entrave. “A câmara dá o terreno com o projeto aprovado e as pessoas pagam a construção. Quem estiver inscrito na plataforma para a renda acessível recebe uma mensagem a dizer que está aberta a vertente das cooperativas.
Se tiver interesse pode constituir uma”, realça a vereadora Filipa Roseta. O jurista Frederico Santos da Cases – Cooperativa António Sérgio explica o processo por passos: primeiro é preciso requerer o certificado de admissibilidade de firma; depois convocar a assembleia de fundadores, que elege o presidente da mesa para criar as regras de funcionamento; a seguir fazer o registo numa conservatória do Registo Comercial e a inscrição na Segurança Social.
Se estes cinco exemplos correrem bem, o modelo ganhará escala em Lisboa e mais 500 habitações poderão surgir em terrenos municipais já identificados. Os cooperadores ou sócios das cooperativas só têm de pedir financiamento bancário para os custos de construção, mas não podem entrar na febre especulativa se algum dia quiserem vender. Filipa Roseta garante: “O que nós vamos fazer com as cooperativas é que elas se mantenham com este ónus para não permitirem que as casas subam para valores de mercado.”
Lotes cedidos em Campanhã
No Porto, surgem os primeiros sinais da dinâmica num terreno devoluto. Dois lotes em Campanhã,
NO PORTO, A AUTARQUIA CEDEU DOIS LOTES EM CAMPANHÃ PARA HABITAÇÃO COOPERATIVA (12 T2 E OITO T3)
de 1.100 m2 cada, foram dados pela câmara à Cooperativa de Habitação Económica (CETA) na escritura de cedência em maio de 2023. Serão construídos dois edifícios de seis pisos, com 20 apartamentos cada (12 T2 e oito T3). Ainda não há preços, mas não faltam interessados – até à data mais de 50 estão pré-inscritos. “Temos vindo a trabalhar com os projetistas para o licenciamento dos prédios, tendo em vista a sua certificação pelo IHRU como habitação a custos controlados”, explica Arnaldo Lucas, à frente da CETA.
Por iniciativa privada, a cooperativa portuense Habece comprou um terreno em Ramalde, em 2000, com capitais próprios para construir sete casas (três T2 e quatro T3), de janeiro de 2022 a março de 2023. “O aumento dos preços de terrenos, da construção e a dificuldade de obtenção de empréstimos (crédito bancário) aos cooperadores, para a compra dos fogos, fizeram-nos mudar a estratégia de construção para venda para a de arrendamento”, explica Alberto Matos, representante da Habece. E assim surgiu o “inquilinato cooperativo”, isto é, arrendamento a preços 30% mais baixos do que os praticados na freguesia. Os inquilinos são selecionados por concurso de habilitação, anunciado pela cooperativa, e pagam €850 de renda por cada T2 e €1.000 por um T3.
Setúbal, Gaia e Entroncamento também aderem às cooperativas na versão municipal, ainda que em pequena escala. Ensaios que o arquiteto Tiago Saraiva Neto, especializado na área, prevê que sejam replicáveis noutros municípios. Nesta militância desde 2015, incentiva pessoas a identificarem imóveis ou terrenos devolutos e a indicá-los ao IHRU para a modalidade. Porque teme pelo futuro das filhas (de 17, 11 e 6 anos): “É uma angústia pensar que com os seus salários não vão conseguir comprar uma casa. Prefiro criar esta luta para elas, para terem a cooperativa como opção.”