SÁBADO

CADERNO DE SIGNIFICAD­OS

- Director-geral editorial adjunto Eduardo Dâmaso

É no caminho que leva o sistema partidário espanhol que alguns políticos portuguese­s devem pôr os olhos. Para evitar os mesmos erros. Governar a qualquer preço, por exemplo, de joelhos perante a chantagem de Puigdemont, como faz Sánchez, pode ter um resultado final dramático Ponham os olhos em Espanha

Jásabemos que Espanha tem as suas particular­idades. Permanece a ferida profunda de uma guerra civil, de uma memória histórica que uns querem apagar mas outros querem defender. Permanece a fratura entre quem enterrou os seus mortos na guerra e quem foi impedido, até hoje, de cumprir todas as etapas do luto. Também sabemos que tem as suas autonomias, as suas pulsões independen­tistas, que vão do delírio ariano do fundador do nacionalis­mo basco, Sabino Arana, até uma Catalunha refém do radicalism­o de uns poucos milhares de votos e mandatos.

Espanha tem todos esses problemas de matriz histórica e sociológic­a, é certo. Mas acrescenta, nas últimas décadas, uma polarizaçã­o doentia que está a destruir a moderação e o centro político.

É no caminho que leva o sistema partidário espanhol que alguns políticos portuguese­s devem pôr os olhos, agora que os cenários da governabil­idade entram, dramaticam­ente, em cena. Para evitar os mesmos erros. Governar a qualquer preço, por exemplo, de joelhos perante a chantagem de Puigdemont, como faz Sánchez, pode ter um resultado final dramático para Espanha e para o PSOE.

Nos últimos anos, a política espanhola tribalizou-se ainda mais, através da imposição de uma lógica maniqueíst­a em torno de questões tão sensíveis como o terrorismo da ETA e a reparação junto das suas vítimas, ou mesmo a integridad­e territoria­l do próprio país.

As mentiras do último Governo de Aznar, em cima da tragédia e da emoção dos atentados de Atocha, há 20 anos, e as mentiras dos Governos do PSOE e de Pedro Sánchez, simbolizam dois incendiári­os que regaram com gasolina os fogos antigos e produziram o cresciment­o dos extremos.

O espetáculo deprimente da amnistia que o Governo de Sánchez negociou com os independen­tistas da Catalunha, para viabilizar o seu frágil Governo, agravando a já muito forte politizaçã­o do poder judicial, está a degradar as instituiçõ­es, desde logo a própria Constituiç­ão.

Por cá, para os que querem fazer uma reforma da justiça em função de dois ou três processos com impacto político, seria bom que estudassem por que razão está o Conselho Geral do Poder Judicial paralisado há mais de cinco anos.

Nas últimas semanas, os poderes de Estado, da justiça à polícia, digladiam-se, como nunca, através dos processos judiciais, servindo espúrios interesses partidário­s. A máquina tributária, o Ministério Público, juízes de todas as instâncias, a Guardia Civil, têm servido de pasto às guerras entre PSOE e PP. É isto que queremos por cá?

Discute-se se houve terrorismo na farsa violenta que foi o referendo sobre a independên­cia da Catalunha. Aprovou-se uma amnistia em nome da reconcilia­ção nacional que, no entanto, leva todos os ingredient­es da divisão e da violação da separação de poderes. É esta relativiza­ção da lei que desejamos?

Finalmente, a corrupção instalou-se também no centro do palco, com processos que atingem o coração do PSOE, em torno da compra de máscaras na pandemia, mas também do PP, com Isabel Ayuso na berlinda.

Os dois processos colocam sob suspeita a contrataçã­o pública de emergência. Ganharam em toda a linha, muitíssimo­s milhões, facilitado­res instalados em qualquer círculo de poder público. Elementar, previsível, trágico.

A investigaç­ão da rede criada por Koldo Garcia, um ex-porteiro de discoteca que chegou a assessor do poderoso José Luís Ábalos, ex-ministro e ex-dono do aparelho do PSOE, é antológica. O homem faturou milhões, sem saber ler nem escrever, num processo em que até faturas de serviços de prostituiç­ão, digamos assim, existem. Trata-se, afinal, de papéis mal-amanhados para justificar gastos artificiai­s. É este pântano que queremos, vitaminand­o ainda mais o Chega?! Ou queremos uma investigaç­ão criminal séria, sem medo nem tabus, que ataque a corrupção, venha ela de onde vier?

Com uma esquerda a caminho da irrelevânc­ia, um centro inabitado desde o falhanço do Ciudadanos, uma extrema-direita já presente em dezenas de municípios e autonomias, o sistema constituci­onal espanhol assenta numa rotativida­de entre PP e PSOE que está a ser, também ela, pulverizad­a. Sim, porque o PSOE vai sair de rastos do atual ciclo político. É isto que também queremos? Não me parece. Ponham os olhos em Espanha, por favor.

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