UM FENÓMENO CHAMADO JOANA MARQUES
Depois do sucesso estrondoso nas ondas radiofónicas, a maior humorista portuguesa da atualidade estreia Desconfia, um espetáculo em que volta a perseguir duas obsessões: a vaidade e a soberba.
EM CERTO sentido, podemos argumentar que tudo o que a atual maior humorista portuguesa já fez foi, na verdade, sempre o mesmo. O que mudou foi o meio: esteve nos bastidores, como guionista, onde se mantém a escrever para o Isto é Gozar com Quem Trabalha, fez televisão, apresentando, comentando e reagindo no Canal Q e na SIC Radical, repetiu-o na Antena 3 e na Renascença, onde alcançou o maior sucesso, e prepara-se agora para tomar os palcos, mas o conteúdo do que nos dizia nunca mudou.
A explicação do que isso é varia de pessoa para pessoa. Para os ouvintes casuais, o nome de Joana Marques estará conotado com a ridicularização da ilustre classe dos “cromos” da Internet e da televisão, fonte aparentemente inesgotável de conteúdo plasmada nos quase mil episódios do Extremamente Desagradável na Rádio Renascença – e ainda outros na Antena 3, onde a rubrica começou, em 2018. Toda a classe de figuras públicas e personagens caricatas desfilam em episódios de um formato que Joana não inventou, mas aperfeiçoou e elevou ao estatuto de produto rentável no panorama mediático – trazendo para a rádio toda uma nova geração de ouvintes no processo.
Ainda assim, a pessoalização da sua sátira, o estilo frio e cortante e a reincidência nas mesmas figuras parece dar força àqueles que defendem que o que Joana faz, na verdade, é lucrar com a humilhação alheia. As acusações de bullying surgem não apenas das vítimas do seu humor (como Judite de Sousa, que se manifestou “destratada sem o mínimo de compaixão” nas redes sociais), como também de quem, não tendo sido visado, vê na indignação dos gozados – como Rui André Soares, da Comunidade Cultura
Com uma carreira feita de ridicularizações de figuras públicas, Joana Marques já foi acusada de bullying –uma ideia que rejeita, dizendo que traça a linha “no que tem graça”
e Arte, que disse ter tido a sua “saúde mental afetada” – a prova de um humor particularmente cruel.
Joana sempre repudiou acusações de bullying. “É até perigoso considerar que o humor é bullying”, disse numa entrevista a Manuel Luís Goucha, em que mantinha que nunca se arrependeu de nada do que disse. À SÁBADO, desvaloriza: “Eu faço as piadas que entendo fazer e as pessoas reagem como entendem reagir. Acho saudável que assim seja.”
Para os seus admiradores, por outro lado, o grande alvo de Joana sempre foi a vaidade – uma ideia que nos aproxima do fio condutor de todo o seu trabalho humorístico. “A vaidade tem um lado cómico”, disse à RTP, pelo que lhe sai naturalmente ridicularizar “quem faz da vaidade um modo de vida” – um caminho que “as redes sociais vieram potenciar muitíssimo”, acredita.
Daí que, em todo o seu trabalho, a começar pelo Altos e Baixos, programa do Canal Q estreado em 2012, pululem observações de pessoas tão ridículas quanto alheias ao seu ridículo. “A mim interessam-me particularmente os egocêntricos, os narcisistas, os vendedores de banha da cobra”, disse à SÁBADO. Quando encontra uma combinação dos três, “dá-se uma espécie de jackpot”.
É apenas natural, portanto, que a sua nova incursão pelo mundo do stand-up seja virada para mais um terreno fértil para narcisos: a “epidemia de oradores motivacionais”, procurando apresentar o “avesso desse discurso” na “sala preferida dos coaches para este tipo de palestras”, a Meo Arena. “Trata-se de contrapor aquela ideia utópica, e tão difundida na pandemia, de ‘vai correr tudo bem’ com uma que me parece mais realista: em princípio vai correr (quase) tudo mal”, remata. Q