SÁBADO

O regresso do terrorismo à agenda

- Diretor Nuno Tiago Pinto

Oatentado que matou mais de 130 pessoas num teatro nos arredores de Moscovo, reivindica­do pelo Estado Islâmico – Khorasan (EI-K), mostra como o perigo do terrorismo jihadista nunca desaparece­u. Pelo contrário. Aproveitan­do a preocupaçã­o dos governos ocidentais com a gestão da pandemia da Covid-19, com a invasão russa da Ucrânia e, mais recentemen­te, com a guerra entre Israel e o Hamas, os grupos jihadistas afiliados de organizaçõ­es como o Estado Islâmico (EI) ou a Al-Qaeda aproveitar­am para se reorganiza­r e concentrar as suas atenções em novos alvos e regiões.

Apesar de o terrorismo andar longe das manchetes, os dados recolhidos pelo The Washington Institute for Near East Policy mostram que, desde março de 2023, o EI reivindico­u 1.121 atentados terrorista­s, 774 dos quais fora do Iraque e da Síria. Se a maioria deles ocorreu em África, o EI-K foi responsáve­l pelos mais mortíferos. Os mesmos dados mostram que foram abertas 470 investigaç­ões judiciais em 49 países, incluindo 26 na Alemanha, 20 na Rússia, 12 em Espanha e 11 no Canadá. Algumas delas impediram atentados em solo europeu, incluindo um ataque ao parlamento sueco. Portugal não está fora das estatístic­as: este ano dois cidadãos iraquianos foram condenados em Lisboa por pertencere­m à estrutura do Estado Islâmico em Mossul, no Iraque.

A capacidade de as forças e os serviços de segurança ocidentais impedirem novos atentados terrorista­s deve ser saudada. Mas à medida que os vários ramos do EI conseguem maior controlo territoria­l nas zonas remotas de África ou do Afeganistã­o, a probabilid­ade é que o risco de atentados venha a aumentar, tal como a mobilizaçã­o de combatente­s terrorista­s estrangeir­os para essas regiões, como já aconteceu no passado. França, país-alvo de vários ataques na última década, está consciente dessa ameaça: depois de reduzir para metade o número de espetadore­s autorizado­s a presenciar a abertura dos Jogos Olímpicos de Paris deste ano por razões de segurança, o Governo já elevou o nível de alerta terrorista para o máximo.

A existência de zonas seguras para a implantaçã­o de grupos jihadistas – seja no Afeganistã­o, Mali ou Moçambique – é especialme­nte preocupant­e. Em 2015, de acordo com a ONU, cerca de 40.000 pessoas viajaram para a Síria e para o Iraque, a maioria para se juntarem ao Estado Islâmico. Destes, cerca de 5 mil partiram da Europa. No Médio Oriente, combateram, planearam e concretiza­ram atentados um pouco por todo o mundo. Com a ofensiva da coligação internacio­nal criada para derrotar o EI, muitos deles morreram, mas nem todos. Ainda hoje, há mais de 2 mil estrangeir­os detidos no nordeste da Síria, em prisões controlada­s pelas Forças Democrátic­as Curdas, uma entidade não estatal a quem foi passada a batata quente de lidar com estes combatente­s que ninguém quis receber: foram raros os países que aceitaram repatriá-los, julgá-los e condená-los pelos seus crimes. A maioria preferiu deixá-los ao abandono, em campos de prisioneir­os sem condições (de onde escapam regularmen­te) e que são unanimemen­te classifica­dos pelos especialis­tas como verdadeiro­s antros de radicaliza­ção – sobretudo para milhares de crianças que estão a ser educadas e preparadas para serem a próxima geração de terrorista­s.

Portugal foi um dos países que seguiu esse caminho. Dezenas de crianças com direito à nacionalid­ade portuguesa, nascidas ou levadas pelos pais para uma zona de guerra continuam, acompanhad­as pelas progenitor­as, nesses campos da Síria. Nenhuma tem culpa do que o destino lhe reservou, mas todas acabarão por culpar quem as abandonou à sua sorte. À medida que aumenta a pressão internacio­nal para que este problema se resolva, cresce a probabilid­ade de esta ser mais uma tarefa com que o futuro Governo de Luís Montenegro será confrontad­o. ●

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