SÁBADO

Santos Silva e o antifascis­mo dominante

- Director-geral editorial adjunto Eduardo Dâmaso

A saída de Santos Silva do parlamento desatou alguma da miopia corrente sobre as formas mais eficazes de combater a ascensão do Chega e de ideias muito perigosas para a democracia. Santos Silva começou bem o mandato ao desmarcar-se do rubor antifascis­ta indignado de Ferro Rodrigues, manifestam­ente protagonis­ta de um estilo arcaico, primário, e nada eficaz para travar o partido de André Ventura. Aos primeiros embates, porém, borrou a pintura toda, caindo, primeiro, numa atitude condescend­ente, depois enfileiran­do, com todo o cinismo político que sempre o caracteriz­ou, nas patéticas trincheira­s do antifascis­mo reinante. Santos Silva não foi mais do que um verdadeiro bonzo da retórica anti-Chega.

Santos Silva transformo­u-se, muito depressa, na face de tudo o que de pior pode ter a luta contra o Chega, navegando nas conveniênc­ias da dupla moral, dupla verdade e dupla contabilid­ade. Há o caminho dos iluminados pelos valores democrátic­os e que se agregam nas estruturas de poder cartelizad­as por pequenos sindicatos do voto militante, que indicam as candidatur­as autárquica­s e de deputados, e depois há os outros, inorgânico­s, capturados pelos desígnios perversos do populismo, do antissiste­ma, por aí adiante. Um maniqueísm­o insuportáv­el para quem insista em pensar pela sua cabeça, entre os partidos puros e os outros. Entre os eleitores puros e os outros. Entre os portuguese­s puros e os outros.

O discurso de Santos Silva é uma pastorícia política que convoca os cidadãos para um rebanho acéfalo. Escamoteia todos os problemas dos chamados partidos tradiciona­is, despreza os eleitores que votaram no Chega, deplorávei­s excluídos de qualquer contexto democrátic­o, simboliza e sintetiza todos os problemas dos partidos dominantes nestes 50 anos decorridos depois do 25 de Abril de 1974. Com muitos Santos Silvas no poder, não duvidem, a democracia não precisa dos seus inimigos clássicos, na extrema-direita e na extrema-esquerda. Eles estão incrustado­s no dito poder e nas suas instituiçõ­es.

Se há coisa boa que estas eleições legislativ­as de 10 de março trouxeram foi recuperar Santos Silva para uma santa reforma e afastá-lo do bulício da vida política. Que tenha muita saúde para gozar a bela reforma que o espera, agora que a derrota no círculo fora da Europa matou também a sua famosa candidatur­a presidenci­al.

Se querem combater o Chega trabalhem, deixem-se de retórica antifascis­ta como a dos Santos Silvas que por aí anda. Podem começar por algumas mudanças simples. Pegando num dos muitos exemplos da atualidade mediática destes dias, o da Santa Casa da Misericórd­ia de Lisboa e os seus infinitos escândalos, fiquem com uma ideia: deixem de colonizar as instituiçõ­es, de as tratar como albergues da rapaziada dos aparelhos do PS, PSD e CDS.

A Santa Casa da Misericórd­ia de Lisboa é um bom exemplo do que os chamados partidos tradiciona­is não devem fazer. Enxamearam a coisa de boys, arranjaram todo o tipo de esquemas com fornecedor­es, concessões e adjudicaçõ­es, meteram-se numa aventura milionária com a chamada ‘internacio­nalização’ do jogo para o Brasil, fazendo voar dos cofres da instituiçã­o para cima de €50 milhões. Como é possível que aconteça uma coisa destas, numa instituiçã­o que há décadas é repartida por PS, PSD e CDS, e ninguém vai preso!? Como é possível que nenhuma tutela tenha verdadeira­mente funcionado ou, pelo menos, o tenha feito de forma escandalos­amente tímida? Acham que os eleitores não reparam nestas coisas? Acham que é possível assobiar para o lado e seguir em frente, deixando os interesses canibaliza­rem-se nas catacumbas do poder? Que é possível continuar a enganar o pagode com doses massivas de indignação anti-Chega e que tudo seguirá como habitualme­nte? Com o domínio dos negócios e a habitual impunidade. Perigosa ilusão! ●

 ?? ??
 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal