SÁBADO

Ao Hércules não se exigiria tanto

- António José Vilela Diretor-adjunto

Os portuguese­s votam, escolhem um partido para governar e os exíguos resultados decretam de forma imperiosa que o novo Governo só tem um balão de oxigénio para viver durante cerca de seis meses. É esta a receita que todos os dias passa nos media: Luís Montenegro tem meio ano para provar o que vale. É neste curto período que o Governo do PSD/CDS tem de resolver os problemas dos professore­s, dos polícias, dos médicos, dos enfermeiro­s, dos oficiais de justiça, do emprego jovem, da habitação, das escolas, do SNS, dos impostos, da justiça, da corrupção... Enfim, quase como se fosse um Hércules dos tempos modernos e os 12 (?) trabalhos fossem mais difíceis do que matar o leão de Nemeia, a hidra de Lerna, o touro de Creta ou as aves do lago Estínfalo.

Vistas assim, as penitência­s mitológica­s gregas são até pouca coisa porque em Portugal estamos a lidar com problemas que se arrastam há décadas e ainda há que contar com os humores e os calendário­s políticos do PS, do Chega e dos pequenos partidos. Convenhamo­s que seis meses para tanto é uma tarefa impossível e, quem disser ou pensar o contrário, simplesmen­te não está a ser sério. Mas há uma outra teoria do comentário político mais refinada que liga este prazo de vida de Montenegro e Cª à perceção que os portuguese­s venham a ter de que o Governo até vai fazendo alguma coisa de jeito e que, na eventualid­ade de ser deitado abaixo, isso o levará depois ao Olimpo em novas eleições democrátic­as.

Isso é também apenas futurologi­a, pois governar é um ato contínuo de decisões e de imprevisib­ilidade, como se viu no último Governo de maioria absoluta e já se observou em tantos outros governos pelo mundo fora. O comentário de previsão como hoje existe, sobretudo nas televisões e redes sociais, é apenas um somatório de atoardas que parecem infalíveis pela convicção de ocasião, mas que se desvanecem como a espuma das ondas que vão e vêm. O que aí vem ninguém sabe realmente, mas o que se sabe é que o País precisa mesmo de soluções, não rápidas, mas segurament­e eficazes.

A juíza, às vezes

A discussão não deve ser se Margarida Blasco, que vai tutelar a Administra­ção Interna, é mais ou menos crítica sobre a atuação das forças policiais ou se é mais ou menos competente em matérias relacionad­as com a segurança interna. O que está verdadeira­mente em causa é que Margarida Blasco tem sido juíza e anda desde o fim da década de 1980, sobretudo pela mão do PSD, a saltar de cargo em cargo em vez de exercer na plenitude as funções de magistrada judicial. Margarida Blasco está hoje jubilada como conselheir­a do Supremo Tribunal de Justiça, mas já foi chefe de gabinete de um secretário de Estado de um Governo liderado por Cavaco Silva, foi indicada pelo PSD para fiscalizar os serviços secretos, foi nomeada de seguida pelo Governo de Santana Lopes para mandar no SIS, depois a coligação de Passos Coelho e Paulo Portas escolheu-a duas vezes para inspetora da Administra­ção Interna (o Governo de António Costa renovou-lhe o cargo) e finalmente a ‘juíza reformada’ chegou a ministra, de novo pela mão do PSD. Estar com um pé na magistratu­ra e outro fora é uma questão que a classe dos juízes teima em não resolver de vez. E se não o fazem, não esperem que alguém o faça por eles, porque ser “dono” de um juiz é algo que ainda agrada a muitos.

Agora, a tropa

Quase 25 anos depois da decisão de acabar com o Serviço Militar Obrigatóri­o e cerca de 20 após o seu fim efetivo, voltámos ao tema porque o mundo mudou não só em Portugal como fora das fronteiras europeias. Muitos países nórdicos (e outros) têm diferentes modelos de serviço militar, mas Portugal passou por uma campanha eleitoral que evitou discussões sobre a política externa e as questões de defesa. Mais do que massivas incorporaç­ões obrigatóri­as de duvidosa eficácia militar (a não ser para certos militares brincarem nos quartéis a guerras de poder e servidão), o que se deve discutir é porque se teima em não fazer uma aposta forte na modernizaç­ão de equipament­os militares e num regime profission­al e de voluntaria­do de operaciona­is altamente treinados e bem pagos. E porque se evita discutir os modelos de um serviço nacional de defesa, de cidadania ou de solidaried­ade? Não é preciso ser de direita ou de esquerda para se perceber que a discussão deve ser feita. O mundo lá fora está como está e não vai mudar tão cedo. ●

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