A Santa Casa quis contratar sobrinha de Carlos César
Foi proposta à administração para um cargo de direção num projeto de “intervenções assistidas por animais”. A SÁBADO enviou perguntas e o processo acabou bloqueado.
A23 de fevereiro, foi apresentada à reunião do conselho de administração da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) a seguinte proposta formal: “Celebração de contrato em regime de comissão de serviço com Maria Inês Rodrigues do Vale César, com efeitos a 1/3/2024.” O cargo seria enquadrado no nível remuneratório de “diretor de unidade nível 3”, o que, de acordo com dados obtidos pela SÁBADO, corresponde a um salário bruto de 3.318,53 euros. Um valor bastante significativo, sobretudo se se tiver em conta que a própria diretora do Instituto em que Inês seria diretora de unidade aufere um salário de 2.654,82 euros.
O local de trabalho seria, ainda de acordo com a proposta, o “centro Condessa de Rilvas” e o fundamento para a nova contratação numa altura em que, publicamente, o discurso é de extrema contenção, era “assegurar o cargo de diretora de unidade Condessa de Rilvas para coordenar o projeto Intervenções Assistidas por Animais”.
Mas quem é Inês César e porque seria contratada, não tendo nenhuma ligação conhecida ao setor social ou da saúde? Inês do Vale César já surgiu nas notícias: em 2017 a socióloga foi um dos rostos do familygate socialista, por ter sido contratada para a empresa municipal Gebalis, da câmara de Lisboa, com um salário acima do da média praticada na empresa. É sobrinha do então líder parlamentar e hoje ainda presidente do PS, Carlos César, filha de uma assessora do grupo parlamentar socialista e autarca na junta de freguesia do Lumiar, Patrocínia César, hoje membro da Assembleia Municipal de Lisboa. E é prima de Francisco César, deputado socialista à AR. Mas este foi já o segundo posto de nomeação política de Inês: antes disso fora assessora na junta socialista de Alcântara, liderada por Davide Amaro.
Depois da experiência na Gebalis, que terminou em 2022, numa
Por Maria Henrique Espada
altura em que a autarquia da capital já não era dominada pelo PS, Inês César dedicou-se a trabalhar com animais. Foi brevemente monitora na Modern Dog, e esteve 11 meses como monitora e guia canina na Boss Dog, uma experiência que se prolongou até julho do ano passado. Em outubro último fundou a Narizes à Solta, que se define como “uma empresa especializada em serviços para animais de estimação. Temos serviços de dogwalking, petsitting, hospedagem e passeios de grupo pela natureza. Além disso, possuímos uma loja online com produtos exclusivos para o seu pet. A nossa missão é proporcionar bem-estar e qualidade de vida para o seu amigo patudo, garantindo tranquilidade e segurança para ambos, Pet e Tutor”.
Ao que a SÁBADO apurou, a iniciativa de contratar Inês César terá partido do socialista Sérgio Cintra, administrador da SCML, com anterior passagem pela Câmara Municipal de Lisboa e pela administração da Gebalis. No entanto, a SCML, questionada diretamente sobre quem apresentou a proposta, optou por não concretizar e respondeu de forma vaga: “Cabe aos serviços respetivos de cada área submeter propostas para serem aprovadas, ou não, pela Mesa.” Cintra tem a tutela da área do departamento de ação social e saúde, em que o Condessa de Rilvas, um centro de apoio residencial para deficientes, se insere.
Mas a intenção ficou a meio. A 29 de fevereiro, a SÁBADO enviou questões sobre o caso para a SCML, que respondeu da seguinte forma: “A Santa Casa esclarece que o Instituto Condessa de Rilvas não efetuou a contratação referida.” Perante a insistência, a mesma resposta. A SCML só assumiu que a proposta tinha sido enviada à mesa do Conselho de Administração quando confrontada pela SÁBADO com cópia do texto enviado àquele.
Travagem no topo
Ao que a SÁBADO conseguiu apurar, foi a própria Ana Jorge, atual provedora que terá travado a contratação e já perante as questões que tinham sido enviadas. No entanto, a SCML, questionada sobre se a proposta foi retirada ou barrada em Conselho de Administração, nem isso esclareceu. Em resposta oficial, afirmou que “não havendo necessidade para dar seguimento à proposta referida, a SCML reitera que não procedeu à contratação da pessoa em causa”.
O próprio processo causou algum mal-estar interno, confirmaram à SÁBADO fontes da instituição, sobretudo pelo salário (inerente à categoria profissional proposta) e por surgir numa altura em que o discurso público oficial é de redução de custos e de chefias. “Basicamente tentaram inventar um posto à medida, um programa à medida e um salário à medida”, resume quem teve conhecimento do processo.
A SÁBADO tentou contactar Inês César, mas sem resultado. ●