Salazar: os amores e o “sacrifício” do poder
Desistiu de ser padre, mas via-se como o messias que ia salvar o País. Nunca casou nem teve filhos, mas não escapou aos “romances” logo na juventude. O livro sobre Salazar é o primeiro da coleção Retratos Políticos.
Oano 1910 foi fundamental para António de Oliveira Salazar. Foi nesse verão que ele, então com 21 anos, decidiu abdicar da carreira clerical e seguiu para a Universidade de Coimbra. Por certo que o século XX português teria sido diferente se ele tivesse continuado os estudos no seminário de Viseu, tornando-se em definitivo o “padre Salazar” – como já lhe chamavam em Santa Comba Dão e no Vimieiro, a aldeia onde nasceu em 1889, num meio rural católico. A sua família (António tinha quatro irmãs) estava acima do limiar de pobreza, pois o pai era feitor de abastados proprietários rurais, os Perestrelo, e mais tarde a mãe ficou a tomar conta de uma casa de pasto e de uma venda de produtos básicos (alugando ainda quartos), aproveitando o movimento de gente devido à paragem, em Santa Comba Dão, do Sud Expresso, o comboio que ligava Lisboa a Paris.
Salazar nunca casou e não teve filhos, mas isso podia ter sido diferente se, logo na juventude, os avanços românticos com Felismina Oliveira – a estudar em Viseu para se tornar professora primária – tivessem dado em casamento, como ela chegou a esperar. Mas ele nunca se iria declarar, naquele seu traço de caráter cauteloso, que ela via como “extrema delicadeza para com os sentimentos dos outros”, embora passeassem de mão dada nas férias – “ele enlaçava-me pela cintura e seguíamos assim, como se fôssemos um par de namorados”.
O fervor religioso de Salazar e os seus platónicos amores de juventude (com Felismina, mas também com Júlia Perestrelo, filha da sua madrinha, que o expulsou de casa após lhe apanhar um bilhete amoroso; ou com Júlia Alves Moreira, que namoriscava à janela) estão em destaque no livro António de Oliveira Salazar – A Ditadura de Cátedra, escrito por Joaquim Vieira e que sai gratuitamente com a
SÁBADO a 11 de abril, inaugurando a coleção Retratos Políticos.
Salazar desistiu de ser padre, mas via-se como um messias que tinha de salvar a Pátria – da bancarrota, da guerra, do comunismo, dos vícios e maus costumes, da desagregação das colónias. E se é certo que Salazar ficou 40 anos no poder (primeiro como ministro das Finanças e depois como Presidente do Conselho), no início manteve-se renitente em abraçar esse “sacrifício”. “Sinto que a política me há de fazer infeliz”, confessou, em 1921, numa carta enviada à amiga Glória Castanheira, pianista coimbrã, acrescentando o que lhe provocava a ida para o hemiciclo – “tira-me o relativo sossego do meu viver apagado e a distração dos meus livros”.
Dividida em 11 capítulos, a biografia traça um retrato da vida de Salazar, desde a infância no Vimieiro, onde ajuda o pai no campo (apesar de ser mais parecido e nutrir mais afeto pela mãe, de quem herdou os traços de personalidade, o rigor, a exigência e a austeridade), até aos últimos anos, com destaque para o famoso incidente – o princípio do fim – da queda de uma cadeira de lona, no verão de 1968, que o leva a bater com a cabeça no chão. Operado um mês depois a um hematoma craniano, parece recuperar, mas sofrerá um acidente cardiovascular e os médicos “declaram-no incapacitado em definitivo para o exercício de funções”.
Cria-se então uma encenação, com Salazar a acreditar, no seu remoto mundo mental, que continua a ser o chefe de governo, mas é Marcello Caetano, em tempos o seu delfim, quem toma as decisões. “A farsa só termina com a sua morte, a 27 de julho de 1970”, escreve Joaquim Vieira. A urna do ditador foi, por sua vontade, “depositada em campa rasa no cemitério do Vimieiro, ao lado dos restos mortais dos pais”. O antigo Presidente do Conselho “não auferiu benefícios pessoais do exercício de funções públicas e são poucos os seus bens, mas deixa a Portugal uma pesada herança, difícil ou mesmo impossível de gerir”, termina Joaquim Vieira. ●