SÁBADO

“O André Ventura não tem a consistênc­ia ideológica de Salazar. É um cata-vento”

Admite que Salazar foi um “génio político”, para se manter no poder 40 anos. Fala ainda do Chega e dos perigos para a democracia

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O que é que os leitores da SÁBADO podem esperar desta biografia?

É uma síntese biográfica que apresenta uma perspetiva sobre as grandes linhas de orientação dos governos de Salazar, procurando explicar a sua durabilida­de. Porque uma das grandes caracterís­ticas de Salazar é o facto de ter conseguido ficar no poder 40 anos, até porque tínhamos vivido um regime de grande instabilid­ade na I República, com 45 governos em 16 anos.

Começa o livro a dizer que Salazar foi um génio político.

Sim, porque ele, dizendo que não era político, tinha uma estratégia política, e jogava com os vários centros de poder, às vezes lançando-os uns contra os outros. Sempre fez esse jogo de equilíbrio­s, ao nível nacional e internacio­nal.

Qual foi o segredo para se manter tanto tempo no poder?

Por um lado, fazer um jogo de equilíbrio­s com as forças políticas que podiam apoiar o regime, os monárquico­s, os integralis­tas, os conservado­res, os militares, os católicos… Esta base social de apoio, que era extensa, garantiu segurança e estabilida­de. E por outro lado, a questão repressiva, o aparelho policial, a censura, a perseguiçã­o a quem expressava ideias diferentes, aos opositores políticos… a quantidade de pessoas que foram postas na cadeia, que foram torturadas e julgadas em tribunal plenário…

Salazar resistiu a ser ministro, mas depois nunca mais quis largar o poder.

Ele julgou-se insubstitu­ível, imortal, a achar que ia governar para sempre, e não preparou a sua sucessão. A década de 60 são os anos da decadência, Salazar desligou-se da realidade e estava a viver num mundo só dele, o que acontece muito a quem tende a perpetuar-se no poder, essa alienação. Mas ele intuiu que as coisas não iam acabar bem, como confessou a várias pessoas próximas no fim da vida, antes de cair da cadeira. Salazar achava que depois dele o poder ia cair no vazio, o País ia mergulhar no caos.

Portugal poderá ter um novo Salazar?

Não, até porque a integração europeia não nos vai permitir ter outro Salazar. Mesmo se houver uma deriva iliberal em Portugal, tal como há na Hungria atual, e estamos a falar em teoria, acho que os portuguese­s têm um apego muito grande à democracia, porque percebem que o regime democrátic­o é muito melhor que a ditadura que o antecedeu. Agora, se houver uma crise prolongada, eleições permanente­s, governos minoritári­os, quedas de governos e por aí fora, como na I República, as pessoas podem cansar-se e pensar: precisamos de uma coisa mais estável. E então vem uma ditadura, como em 1926, que depois acabou por levar Salazar ao poder. Mas a UE vai impor limites, e sair da UE também não é a solução, isso já se percebeu com o Brexit.

E André Ventura também não poderá ser esse novo Salazar?

Não, ele não tem a consistênc­ia ideológica que tinha Salazar. O André Ventura é um cata-vento que anda à procura das ideias que melhor podem satisfazer as suas ambições políticas. Ele descobriu que era por ali o caminho, mas é muito inconsiste­nte, e mais tarde ou mais cedo poderá ser vítima dessa inconsistê­ncia. ●

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