A LISTA NEGRA DOPRESIDENTE LARANJA
“Roma não paga a traidores”, escreveu um dirigente. Quem apoiou o adversário de Albuquerque queixa-se de pressões para sair, perseguições e até ameaças.
No dia a seguir às eleições internas no PSD Madeira, António Trindade, que tinha tirado férias para colaborar na campanha de Manuel António Correia, adversário de Miguel Albuquerque, regressou ao seu posto de trabalho, no gabinete da secretária regional da Agricultura e Ambiente, Rafaela Fernandes. Voltou, mas não para o mesmo sítio: tinha-lhe sido retirado o gabinete e ficou a trabalhar entre o gabinete de um colega e o corredor, enquanto tentava localizar os caixotes com os seus pertences pessoais.
Não foi tudo o que lhe aconteceu. As eleições internas, ganhas por Albuquerque, foram a 21, e no dia 23 Trindade, assim como mais cinco pessoas, viu a sua cara publicada, com outras cinco, num artigo de página inteira do Jornal da Madeira com o título: Contestatários nomeados perdem confiança política. No artigo, “fonte da cúpula social-democrata” apontava que “alguns dos elementos que integraram a candidatura de Manuel António Correia e que ocupam cargos de nomeação em organismos públicos perderam a confiança política da direção do partido”. O texto era um convite a que viessem a “colocar os lugares à disposição” – fica claro que é isso que a direção de Albuquerque espera. O que não aconteceu. “Se isto não é uma caça às bruxas, não sei o que será”, aponta um elemento (que nem está num cargo de nomeação) que apoiou Manuel António Correia.
Mas não só. Vários elementos da candidatura que enfrentou o atual líder queixam-se de um ambiente “persecutório” e “pouco democrático”. Um deles, que pede para não ser identificado precisamente por receio de represálias partidárias, afirma que há vários casos de “pressões, até so
MEMBROS DA CAMPANHA ADVERSÁRIA QUEIXAM-SE DE “PRESSÕES”, “DESCONSIDERAÇÕES” E ATÉ “INSULTOS”
bre familiares na função pública, ameaças veladas e desconsiderações claras, insultos, mesmo” a quem apoiou Correia.
“Pimenta no c. dos outros”
As redes sociais refletem-no. Rómulo Soares Coelho, que integra o secretariado do PSD-Madeira, escreveu: “Roma traditoribus non praemiat”, ou Roma não paga a traidores, ao que o apoiante de Albuquerque André Ladeira (e vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral do Marítimo) acrescentou: “Azeite a ferver em cima deles.” O próprio governo de Albuquerque não se exclui da luta na lama. Um post apaziguador de um apoiante de Correia, Carlos Freitas, (“todos juntos, com a mesma força e determinação, unidos numa só cor e num só sentimento”), foi contemplado com um comentário da secretária regional Rafaela Fernandes: “Pimenta no c. ( sic) dos outros é refresco de morango.”
“Tudo isto é para meter medo. Por acaso na sequência da vitória interna no PS Pedro Nuno Santos entreteve-se a fazer isto a quem apoiou José Luís Carneiro? E escolheram aqueles seis alvos para dar visibilidade, cada com um cargo di
UM ADJUNTO NUMA SECRETARIA DE ESTADO CHEGOU E JÁ NÃO TINHA GABINETE PARA TRABALHAR
Manuel António Correia foi secretário regional de Alberto João Jardim e concorreu à liderança do PSD já em 2014, contra Albuquerque e mais 4 candidatos. Estava afastado da política
ferente, para dar o exemplo a toda a gente e mostrar que não há ninguém a salvo”, aponta um apoiante de Manuel António Correia.
Na própria noite eleitoral, o candidato derrotado deixou este apelo, face à forma como tinha já decorrido a campanha: “Os sinais que houve durante a campanha derem indicações preocupantes de que poderá haver delitos de opinião neste partido e pessoas perseguidas porque votaram em candidatos que não o vencedor e por isso tenho que pedir publicamente: ‘Não persigam pessoas.’” Desde então tem-se mantido em silêncio e não respondeu aos contactos da SÁBADO.
“O facto de as pessoas nem quererem darem a cara a assumir o que se está a passar é um sinal do clima de medo”, aponta António Trindade, que, no dia em que falou com a SÁBADO, tinha sido avisado, de manhã, de que seria mesmo exonerado, mas sem confirmação formal.
“O que está em causa é a confusão entre governo e partido. Isto põe em causa a liberdade de escolha política e a diversidade de opiniões. Os partidos devem saber lidar com a dialética democrática. Qual é a imagem que isto dá, para fora, para os cidadãos?”, questiona António Trindade. As atuais tensões seguem-se a uma campanha repleta de queixas por alegada falta de democraticidade interna. Apoiantes de Manuel An
NA CAMPANHA INTERNA JÁ HOUVE QUEIXAS SOBRE ENTRAVES AO PAGAMENTO DE QUOTAS E ALICIAMENTO SOBRE FUNCIONÁRIOS
OS BONS RESULTADOS DA CAMPANHA DE MANUEL ANTÓNIO LEVAM ALGUNS A PREVER QUE O MOVIMENTO NÃO DESAPAREÇA
tónio Correia queixaram-se de não conseguir pagar quotas (para poderem votar) e de mudanças sucessivas nas regras para obter os necessários códigos de Multibanco. E houve ainda relatos de pressões e aliciamento sobre funcionários, nas secretarias regionais, para votar em Albuquerque, noticiadas no Diário de Notícias da Madeira. Tudo a culminar num áudio que se tornou viral nas ilhas e em que o secretário regional da Saúde, Pedro Ramos, tenta obter o voto de uma militante para Albuquerque, e no fim diz: “Este é o meu número, portanto, pode usá-lo sempre que precisar na Saúde.” E cuja veracidade, até à hora de fecho desta edição, não tinha sido desmentida.
Ainda assim, numa campanha organizada em nove dias, Correia obteve 45,7% (1.854 votos), contra 54,3% (2.246 votos) do vencedor, e ganhou nos fulcrais Funchal e Câmara de Lobos. Resultados expressivos que levam muitos na equipa que perdeu a admitir que o movimento gerado para as eleições não vá desaparecer. ●