AS PALAVRAS DEBAIXO DA LÍNGUA
esquerda nesse refogado, a busca por uma palavra parecia simples como um domingo.
“Pirolito?”, perguntei, só para ter graça. Era riu-se mas seguiu na demanda: “Uma coisa que é poeirenta.” Achei vago e ela deve ter sentido o mesmo porque continuou: “Uma coisa datada.” Pensei que estávamos a afunilar e gostei. “Bas fond”, escreveu, como quem baixa os braços. E se até àquele momento eu só pensava em palavras que pudessem emprestar um tom pejorativo à intenção da minha amiga, quando li “bas fond” pensei num dos nossos bares preferidos.
Provavelmente porque já imaginava isso, ela acrescentou
“AMIGA”, DESESPERAVA ELA PELO TELEMÓVEL. “TENHO AQUI UMA PALAVRA DEBAIXO DA LÍNGUA DE QUE NÃO ME CONSIGO LEMBRAR”
“mas num mau sentido” que me atirou para o início da minha pesquisa mental. Até que ela, com o tamanho de letra de quem grita, escreveu “já sei”. Não tive de esperar 20 segundos: “Bafiento. Era ‘bafiento’ a palavra que eu queria.” Ainda confusa do jet lag (porque até este momento, embora possa não parecer, tinham passado no máximo um minuto e 40 segundos, o que significa que o meu dia não tinha evoluído sobejamente), escrevi-lhe: “Adorei ajudar.”
De resposta, obtive gratidão por nada: “E ajudaste!” A tentar tirar sentido daquilo, elaborei um “às vezes só precisamos de uma pessoa com quem pensar alto”. Ela, generosa, concordou: “Mesmo. É que andei aqui às voltas, até perguntei ao Chat GPT.” E foi aí que ela me atingiu onde só os amigos conseguem: no ciúme tolo, disparatado e gratuito. “É a prova de que o Chat GPT não é nosso amigo.” Ela: “Nada, nem quis saber.” Claro, concluiu: “É que eu já estava aqui em ânsias para te ajudar.” ●