Histórias de Portugal
“GUERRAS CULTURAIS”
são um desperdício de energia. Com a idade, a minha posição é de distância e neutralidade. Se alguém, algures, imagina que a história de Portugal é apenas um longo rol de crimes e vilanias, nada faço para instruir o fanático. Primeiro, porque não me pagam para isso. E, depois, porque instruir fanáticos exige uma tenacidade e um amor ao próximo que nunca foi a minha praia. Prefiro vê-los a rabiar contra os seus fantasmas, como se fossem crianças a brincar no parque – e eu, sentado no banco, a dar milho aos meus pardais.
Isso foi visível na alteração do símbolo do Governo, que manteve as cores da bandeira e eliminou os castelos, as quinas e a esfera armilar. Por motivos de “inclusão, pluralidade e laicismo”, justificou o anterior Governo.
Pessoalmente, nunca vi na bandeira (aliás, horrenda) e nos símbolos tradicionais um gesto de exclusão, dogma e religiosidade. Se visse, que diria eu das igrejas, dos crucifixos, dos santos, dos brasões e de outras memórias do tempo que fazem parte da paisagem comum? Um fanático não se contenta apenas em “cancelar” bandeiras; o mundo ao redor deve ser o espelho da sua cabeça oca – uma pretensão que, no limite, só seria atingida pelo uso generoso da nitroglicerina.
Para não escorregarmos nesta rampa deslizante, fez bem Luís Montenegro em repor o símbolo do Governo com o escudo e a esfera armilar. Não por razões patrióticas, ou nostálgicas; mas porque o acto de apagar os símbolos nacionais de que não gostamos revela uma propensão para o autoritarismo e para a censura que é incompatível com uma democracia civilizada.
Quem não gosta da bandeira, tem bom caminho: não a usar. Quem tem pesadelos com o escudo e a esfera armilar, também: é marcar uma consulta de especialidade. De resto, não assiste a ninguém o direito de rasurar a história só porque Portugal tem a sorte, ou o azar, de ter uma para contar.
OS MINISTROS AINDA NÃO
entraram em cena – e já há quem peça para eles serem removidos de cena. O Chega, por exemplo, não gosta da ministra da Administração Interna, Margarida Blasco. Porquê? Porque a senhora, algures no tempo enquanto inspectora-geral da Administração Interna, “provocou mal-estar entre os polícias, com acusações de racismo”, apelando ainda para a erradicação dos delinquentes que lá se encontrem.
Curioso. Eu julgava que isso, longe de desqualificar a ministra, era um dos pontos a seu favor. O cuidado de separar os homens que honram a farda daqueles que a desgraçam com abusos e violências é o que normalmente distingue as forças de segurança de um Estado de direito. Só quem gosta de milícias à margem da lei tolera comportamentos criminosos.
No fundo, a crítica do Chega à ministra da Administração Interna faz tanto sentido como acusar o ministro das Pescas de se recusar a ver um robalo quando está na presença de um mero pneu.
VIVEMOS TEMPOS
de pré-guerra na Europa, avisou o primeiro-ministro polaco Donald Tusk. Não tenho dúvidas quanto a isso. A consolidação do poder totalitário de Vladimir Putin exige, como sempre exigiu, uma sociedade mobilizada para a guerra. Por enquanto, a Ucrânia serve. A prazo, será preciso incluir na lista novas ameaças “mortais” – e os países da NATO cumprem esse papel.
Perante isto, o que se exige a Portugal? Umas Forças Armadas profissionais e bem equipadas, capazes de gastar os 2% do PIB a que nos comprometemos com os nossos parceiros – e não uma discussão anacrónica sobre o regresso do serviço militar obrigatório. Anacrónica e suicidária: se o novo Governo enveredasse por tal caminho, sem o ter apresentado ou discutido em campanha eleitoral, a pouca juventude que ainda vota na AD esfumar-se-ia sem deixar rasto.
Antes de se pedir o sacrifício dos mais jovens, convém que o Estado cumpra os mínimos de atractividade e profissionalismo. Sem esses mínimos, qualquer conversa sobre o serviço militar obrigatório é uma confissão de amadorismo e debilidade que não augura nada de bom. ●