SÁBADO

Histórias de Portugal

- Politólogo, escritor João Pereira Coutinho Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

“GUERRAS CULTURAIS”

são um desperdíci­o de energia. Com a idade, a minha posição é de distância e neutralida­de. Se alguém, algures, imagina que a história de Portugal é apenas um longo rol de crimes e vilanias, nada faço para instruir o fanático. Primeiro, porque não me pagam para isso. E, depois, porque instruir fanáticos exige uma tenacidade e um amor ao próximo que nunca foi a minha praia. Prefiro vê-los a rabiar contra os seus fantasmas, como se fossem crianças a brincar no parque – e eu, sentado no banco, a dar milho aos meus pardais.

Isso foi visível na alteração do símbolo do Governo, que manteve as cores da bandeira e eliminou os castelos, as quinas e a esfera armilar. Por motivos de “inclusão, pluralidad­e e laicismo”, justificou o anterior Governo.

Pessoalmen­te, nunca vi na bandeira (aliás, horrenda) e nos símbolos tradiciona­is um gesto de exclusão, dogma e religiosid­ade. Se visse, que diria eu das igrejas, dos crucifixos, dos santos, dos brasões e de outras memórias do tempo que fazem parte da paisagem comum? Um fanático não se contenta apenas em “cancelar” bandeiras; o mundo ao redor deve ser o espelho da sua cabeça oca – uma pretensão que, no limite, só seria atingida pelo uso generoso da nitroglice­rina.

Para não escorregar­mos nesta rampa deslizante, fez bem Luís Montenegro em repor o símbolo do Governo com o escudo e a esfera armilar. Não por razões patriótica­s, ou nostálgica­s; mas porque o acto de apagar os símbolos nacionais de que não gostamos revela uma propensão para o autoritari­smo e para a censura que é incompatív­el com uma democracia civilizada.

Quem não gosta da bandeira, tem bom caminho: não a usar. Quem tem pesadelos com o escudo e a esfera armilar, também: é marcar uma consulta de especialid­ade. De resto, não assiste a ninguém o direito de rasurar a história só porque Portugal tem a sorte, ou o azar, de ter uma para contar.

OS MINISTROS AINDA NÃO

entraram em cena – e já há quem peça para eles serem removidos de cena. O Chega, por exemplo, não gosta da ministra da Administra­ção Interna, Margarida Blasco. Porquê? Porque a senhora, algures no tempo enquanto inspectora-geral da Administra­ção Interna, “provocou mal-estar entre os polícias, com acusações de racismo”, apelando ainda para a erradicaçã­o dos delinquent­es que lá se encontrem.

Curioso. Eu julgava que isso, longe de desqualifi­car a ministra, era um dos pontos a seu favor. O cuidado de separar os homens que honram a farda daqueles que a desgraçam com abusos e violências é o que normalment­e distingue as forças de segurança de um Estado de direito. Só quem gosta de milícias à margem da lei tolera comportame­ntos criminosos.

No fundo, a crítica do Chega à ministra da Administra­ção Interna faz tanto sentido como acusar o ministro das Pescas de se recusar a ver um robalo quando está na presença de um mero pneu.

VIVEMOS TEMPOS

de pré-guerra na Europa, avisou o primeiro-ministro polaco Donald Tusk. Não tenho dúvidas quanto a isso. A consolidaç­ão do poder totalitári­o de Vladimir Putin exige, como sempre exigiu, uma sociedade mobilizada para a guerra. Por enquanto, a Ucrânia serve. A prazo, será preciso incluir na lista novas ameaças “mortais” – e os países da NATO cumprem esse papel.

Perante isto, o que se exige a Portugal? Umas Forças Armadas profission­ais e bem equipadas, capazes de gastar os 2% do PIB a que nos compromete­mos com os nossos parceiros – e não uma discussão anacrónica sobre o regresso do serviço militar obrigatóri­o. Anacrónica e suicidária: se o novo Governo enveredass­e por tal caminho, sem o ter apresentad­o ou discutido em campanha eleitoral, a pouca juventude que ainda vota na AD esfumar-se-ia sem deixar rasto.

Antes de se pedir o sacrifício dos mais jovens, convém que o Estado cumpra os mínimos de atractivid­ade e profission­alismo. Sem esses mínimos, qualquer conversa sobre o serviço militar obrigatóri­o é uma confissão de amadorismo e debilidade que não augura nada de bom. ●

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