Ziraldo (1932-2024)
Cartoonista, escritor, pintor, jornalista, homem polémico e de convicções, foi um dos pais da banda desenhada no Brasil, criando personagens que ficam para sempre
Teve sorte quem cresceu com os livros de Ziraldo por perto. O cartoonista e escritor, entre as muitas ocupações que desempenhou na vida, morreu aos 91 anos, na zona sul do Rio de Janeiro. Criador de algumas das personagens mais populares da literatura infantil e da banda desenhada brasileira, Ziraldo Alves Pinto desde cedo mostrou que o seu mundo era a cores e repleto de liberdade.
Caratinga é uma pequena cidade do interior do estado de Minas Gerais. Foi por lá que nasceu e cresceu Ziraldo, com os dois irmãos Zélio e Ziralzi. Geraldo, o patriarca, é o responsável pela escolha dos nomes dos filhos, que acabaram por se tornar quase imagens de marca da família. Ziraldo passou dois anos da adolescência a estudar no Rio de Janeiro, mas acabou por voltar a Minas Gerais para terminar o ensino secundário e formar-se em Direito. Estávamos em 1957, esse parecia ser o seu caminho profissional, mas havia uma paixão que já se fazia sentir desde os 6 anos: o desenho. Que o diga o jornal Folha de Minas, o primeiro a publicar as obras da criança.
Dividido entre a arte, a comunicação e a advocacia, Ziraldo entrou em 1954 para o que hoje é a Folha de São Paulo – à época, Folha da Manhã. Tinha uma coluna de humor e conquistava seguidores um pouco por todo o país. Seguiram-se revistas e outros jornais nacionais, onde as suas personagens pareciam ganhar vida.
Em 1960, e já com vários prémios no currículo, Ziraldo lançou a primeira revista de banda desenhada brasileira feita apenas por um autor e a cores. Chamou-lhe a Turma do Pererê, bateu recordes de tiragem, mas quatro anos depois foi cancelada. Entrou em vigor a ditadura militar no Brasil e o humor nunca é bem aceite por quem não tolera a pluralidade de opiniões. Nas décadas seguintes, a revista acabou por ter novas edições, mas já sem o impacto da primeira vez. E quanto ao autor, embarcou na aventura de dirigir um tabloide de oposição ao regime, mas acabou preso.
O ano 1980 foi de viragem e de apogeu com o lançamento de O Menino
“QUERO QUE MORRA QUEM ESTÁ ME CRITICANDO” – AO SER INDEMNIZADO PELOS ABUSOS DA DITADURA
Maluquinho. O livro de banda desenhada foi adaptado à televisão e ao cinema, nos anos 90 e já no século XXI, consolidando-se como a obra mais conhecida e comovente de Ziraldo. Além de todas as lições morais e o apelo à felicidade, o autor entrou também por outros caminhos, como o da sátira (revista Bundas em oposição à Caras) e da educação (coautoria de livros), chegando mesmo a uma carreira internacional – as suas ilustrações foram publicadas em revistas inglesas, francesas e norte-americanas. Foi ainda homenageado por escolas de samba em São Paulo e no Rio de Janeiro, bem como pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pai de três filhos (uma cineasta, um compositor e uma encenadora), foi casado por duas vezes (a primeira das quais durante 42 anos, até à morte da mulher) e rosto da Esquerda brasileira, apoiando Lula e Dilma Rousseff. Amigo do arquiteto Oscar Niemeyer, conseguiu, em 2008, ser indemnizado pelas perseguições ocorridas durante a ditadura militar, garantindo uma pensão vitalícia de que usufruiu até ao último sábado à tarde, quando morreu tranquilamente durante o sono. ●