Marcello, um Salazar “mais simpático”
Admirador do ditador, ligava-os o catolicismo e a repulsa pela democracia. Marcello Caetano era apontado como o delfim de Salazar, mas só ascendeu ao poder com a doença dele – e ao fim de 40 anos de uma relação de altos e baixos.
Admirador de Salazar, Marcello Caetano iniciou a sua colaboração com o ditador logo aos 23 anos (1929), quando foi nomeado auditor jurídico do Ministério das Finanças – “abandonei tudo para acompanhar o dr. Salazar na sua declarada intenção de ensaiar o Estado Novo”. Apontado desde cedo como o seu delfim e sucessor – seria o próprio ditador a admiti-lo, em conversa com o Presidente Craveiro Lopes, em 1955 –, só iria tornar-se Presidente do Conselho em 1968, 10 anos após se ter afastado da política e na sequência da queda de Salazar, que lhe causou um hematoma na cabeça.
A relação entre Marcello Caetano e Salazar caracterizou-se por “um jogo de encontros e desencontros”, nota o historiador António Araújo em Marcello Caetano – Uma Vida Portuguesa, o segundo livro da coleção Retratos Políticos, que sai gratuitamente com a SÁBADO a 18 de abril.
Salazar quis tê-lo sempre por perto, porque confiava nos seus dotes e talentos, mas também porque queria “disciplinar” a sua rebeldia. Unia-os o catolicismo e a “repulsa pela democracia e pelo liberalismo político”. E Marcello, que aspirava a suceder a Salazar, ia gerindo aquela posição difícil, “de equilíbrio instável”, em que colaborava com o Estado Novo e se mostrava “uma voz independente”.
Em 1968, foi nomeado o sucessor de Salazar pelo Presidente Américo Thomaz. E apesar de ter herdado um País descrente, atolado pela Guerra Colonial e afetado pela emigração (perdeu 1,43 milhões de pessoas entre 1960 e 1974), ainda gerou expectativas, num início conhecido por “Primavera marcelista”, e que levou a que uma idosa, ao ser cumprimentada por ele numa das suas incursões pela província, tenha dito: “Este Salazar é mais simpático do que o outro.” Mas essa primavera logo daria lugar a um outono, que terminou no 25 de Abril de 1974. ●