A arte do impossível
Otto von Bismarck disse um dia: “a política é a arte do possível, do atingível, a arte do melhor que se consegue, mesmo que não seja o máximo”.
Por menos palavras, a política seria o domínio do compromisso. Parece ser esse o destino de Montenegro.
O seu Executivo, antes de apresentar à apreciação da AR o seu programa, estava em mera gestão corrente. E se visse o mesmo projeto rejeitado no hemiciclo, teria de se demitir antes de começar a governar.
Daí que o discurso de posse, geralmente saudado (incluindo nalguns setores do PS) como “construtivo”, tenha sido já uma pré-apresentação do mesmo programa, com os grandes projetos de redução fiscal e saneamento dos traumas sociais mais evidentes.
É verdade que a mesma prédica continha um convite e uma interpretação.
Convite à concertação política, sobretudo dirigido ao PS, expondo a necessidade de não se transformar oposição em bloqueio.
Interpretação, segundo a qual a passagem do programa do Governo significava a permissão de uma estratégia executiva para toda a legislatura, independentemente do que acontecer aos orçamentos.
Do ponto de vista do PS, porém, duvida-se que a tolerância (por abstenção ou silêncio) do programa signifique uma anuência para governar durante quatro anos e meio. E o PS pode perguntar-se que outra forma – se não o bloqueio – tem a oposição, para contestar uma política que lhe desgosta.
Já da perspetiva do Chega, a mesma abstenção do PS revelaria, uma vez mais, a enorme conspiração de Bloco Central informal (isto é, sem nome
mas, secretamente, com substância) em curso.
Isto, no que toca aos três principais atores. Já os restantes 22 deputados (8 da IL e 14 das “esquerdas”) são, apesar do mérito e da individualidade, meramente paisagem, nos jogos de poder parlamentar.
Eis portanto o campo de batalha de Montenegro, semeado de armadilhas, falsos neutrais e amigos, zonas de sombra e armas não declaradas, embora a Constituição da República tenha sido construída para facilitar a vida aos governos minoritários. Uma prova disso é a regra do art. 192, 4, que exige a maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções para rejeitar o programa do Executivo. Isto significa que a conjunção de abstenções de parte da putativa oposição, e votos contra uma rejeição, permitem a sobrevivência governante, pela mera pluralidade dos votos, ou maioria relativa positiva.
Mas a passagem do combate do programa é apenas um primeiro passo. Se este não for seguido por rápidas negociações sobre o OGE, e se Montenegro não conseguir ou o apoio ou a abstenção do Chega e do PS, o maior risco é o chumbo da Conta Pública, e a passagem a um regime de duodécimos. Este significaria materialmente uma nova política de austeridade, embora não comportasse necessariamente a demissão do Executivo.
Em tudo o resto, como se disse, terreno minado. Incluindo na definição de “oposição”. O PS afirma-se como “líder” desta. Mas o que é esta? Inclui o Chega e a IL? Ou só os 22 das “esquerdas”?
Por outro lado, do ponto de vista do Chega, o que acontece se muitas das suas medidas forem adotadas pela equipa Montenegro, sob outro nome, e sem qualquer referência ao partido, e muito menos declarações de amor e gratidão?
Triunfará nos “populistas” a solidariedade política de fundo, ou a frustração pessoal de superfície?
O mesmo para o PS: se muitas medidas do programa do Governo refletirem preocupações do projeto eleitoral de Pedro Nuno Santos, mas sem nomear o seu contributo, será isso aceitável para a liderança da oposição?
Para Montenegro, face a todos estes desafios, a incerteza será a única certeza. Vai o minoritário governante precisar de, todos os dias, construir um edifício que pode ter sido destruído na noite anterior. E voltar a uma mesa de debate onde os opositores disseram que nunca se sentariam. E ter paciência onde só deveria existir desespero.
Transformar a técnica do possível na arte do impossível. ●