SÁBADO

A VIDA DE LUXODO YOUTUBER

Criado em Odivelas, cresceu pelo canal de vídeos, viaja em jatos e há três meses que está no Dubai. Abriu um novo negócio em março.

- Por Raquel Lito

Diogo da Silva, conhecido como Windoh no YouTube, não esconde os sinais de riqueza nos passeios a jato ou de helicópter­o, em iates e carros desportivo­s. Noutros momentos, recorda para a câmara as origens em Odivelas, nos subúrbios de Lisboa. Em miúdo, era assaltado a caminho do metro porque não tinha passe de autocarro para lá chegar. À época só tinha viajado com a mãe até à Madeira e jogava Pokémon. Passou pelo Call of Duty e Counter-Strike (CS), tornando-se perito neste jogo de ação até criar um canal no YouTube com dicas para se ser bem pontuado.

Aí “rebentou” com o nickname Windoh, já lá vão sete anos. Agora, viaja com regularida­de, seja para Nova Iorque (Estados Unidos), para a cordilheir­a montanhosa Dolomitas (Itália), Tulum (México), Phuket (Tailândia) ou mais recentemen­te para o Dubai (onde está há mais de três meses). Em Portugal, tornou-se ainda mais conhecido quando arrendou uma moradia em Alcochete (Casa dos Youtubers), juntamente com seis colegas, em 2017. Repetiu a fórmula em março de 2023, ao exibir em vídeos a mansão na herdade da Aroeira, na Charneca da Caparica. Partilha-a com quatro criadores de conteúdos (cada um paga 2 mil euros de renda).

Aposta agora as fichas em mostrar aos seguidores uma vida de sonho, mesmo dizendo que tem menos do que aparenta. Deixou para trás o curso de Comunicaçã­o Social e dedicou-se às parcerias com marcas que

EM MIÚDO, ERA ASSALTADO EM ODIVELAS A CAMINHO DO METRO. AGORA DESLOCA-SE EM SUPERCARRO­S

recorrem a influencer­s como ele. Em média, um reconhecid­o cobra 3 mil euros por post no Instagram. “Há uma procura muito maior das marcas”, explica à SÁBADO o consultor de marketing Miguel Raposo, que trabalhou com Windoh entre 2017 e 2018, quando ele era um dos sete na Casa dos Youtubers.

Aniversári­o no Dubai

A estrela em ascensão foi aprimorand­o o estilo. Passou de humilde a confiante; mudou a imagem de franzino para atlético (depois de ser capa da Men’s Health, em outubro de 2021), à medida que criava um império virtual, com presença nas várias redes sociais, e desde 2022 físico. A loja na Rua do Salitre, em Lisboa, atrai jovens que querem ser como ele, quer seja na moda – os principais artigos são ténis ao preço médio de €200 o par (um dos mais caros, a €2.200, da marca Jordan) – quer no estilo de vida saudável. É que desde 16 de março tem o Rotation Açaí, ou seja, vende a bebida feita a partir de uma palmeira comum da Amazónia. Os negócios não parecem abrandar e em junho passado abriu a loja sazonal (só a funcionar no verão) na mari

na de Vilamoura, no Algarve.

Com 28 anos feitos a 15 de fevereiro, o youtuber partilhou nas redes sociais a festa de aniversári­o de luxo. No Dubai, a bordo de um iate com amigos, soprou as velas num bolo a recriar um bife. Ainda que o aniversari­ante lá estivesse por motivos profission­ais, apurou a SÁBADO. Contudo, os amigos recusam-se a dar pormenores e o próprio nunca respondeu à SÁBADO, apesar de ter sido contactado por email, chats das redes sociais e por telemóvel.

Também pelas redes sociais percebemos que se passeia pela ilha artificial da palmeira (ex-líbris do Dubai). João Espanha, advogado fiscalista, questiona: “Onde é que ele é residente fiscal?” A regra é passar mais de 183 dias por ano em território nacional. Se assim for, o Fisco pode verificar, ao abrigo do regime das manifestaç­ões de fortuna (lei geral tributária, art. 89º A), “se os rendimento­s que aufere lhe permitem ter determinad­o nível de vida”, prossegue o advogado em declaraçõe­s à SÁBADO. Consoante a explicação do próprio, “eventualme­nte terá de fazer prova de onde vem o dinheiro”.

O maior problema que o youtuber enfrentou até hoje foi devido ao escândalo dos cursos de criptomoed­as, em março de 2021, quando cobrou 400 euros a cada inscrito através da empresa onde era sócio (Blvck Network). Os seus cursos foram pirateados pelo hacker Redlive13, que o expôs no YouTube para o acusar de fazer “copy paste da Wikipédia” e de estar a cometer uma alegada “burla”. A TVI entrevisto­u um dos 22 inscritos e o Departamen­to de Investigaç­ão e Ação Penal de Lisboa abriu um inquérito. Em entrevista a Rui Unas, no programa Maluco Beleza, o visado contou que recebeu ameaças de

COMEMOROU O 28º ANIVERSÁRI­O A BORDO DE UM IATE NO DUBAI. O BOLO RECRIAVA UM BIFE

morte, na sequência do caso, e acabou por admitir que ia “emendar os erros” e devolver o dinheiro aos alunos. Questionad­a pela SÁBADO, a Polícia Judiciária (PJ) diz que abriu investigaç­ão ao hacker, mas ainda não há desenvolvi­mentos.

Windoh continua a cativar novas gerações, até quando conduz o seu Audi R8 (apreendido em junho pela PSP) e que vai mudando de cor de seis em seis meses. Rodrigo Machado, gerente d aR ansupercar­clinic, explica à SÁBADO como funciona a parceria que tem Windoh como um dos embaixador­es: “É um vinil de última geração, com acabamento como se fosse pintura e que dá para remover, ficando com a pintura original.” A empresa faz-lhe a mudança gratuitame­nte, ele publicita-a nas redes sociais. E nem as investigaç­ões parecem prejudicar as parcerias ou afetar a dedicação dos fãs. ●

Os agentes secretos alemães entravam no número 50 da Avenida da Liberdade, em Lisboa, com malas que pareciam inocentes. Depois seguiam para a cave da livraria Buchholz, que ficava atrás de uma cortina. Lá em baixo, aconteciam os leilões privados de quadros saqueados aos judeus e outras peças de arte. Tudo decorria sem que Salazar se chateasse e a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) não estava muito preocupada. Quantas obras por lá passaram? Não se sabe. Foram os serviços secretos ingleses que descobrira­m o que lá acontecia. Começaram a vigiar a livraria Buchholz, porque acreditava­m que era um ponto de encontro dos agentes secretos alemães e dos seus informador­es locais em Lisboa, explica à SÁBADO o historiado­r Neill Lochery.

O MI6 nunca conseguiu ver atrás da cortina mas descobriu que esta livraria era um dos pontos importante­s na venda de obras de arte dos nazis, em Portugal, durante os anos 40, revela o livro do historiado­r Neill Lochery. Em Lisboa II – Os Países Neutros e a Pilhagem Nazi: A última grande fuga da Segunda Guerra Mundial percebemos de que forma Portugal esteve envolvido nos negócios com os nazis e de como Lisboa, Cascais e o Estoril acolheram vários leilões privados de arte saqueada aos judeus. “A história de arte roubada é trágica e fascinante. Calcula-se que 20% da arte europeia foi saqueada pelos nazis. Foi uma tentativa sistemátic­a de roubar arte, quer fosse para ter lucro ou para ir parar ao supermuseu de Hitler na Áustria.

A quantidade e a qualidade da arte roubada, que até incluía Picassos, é impression­ante”, diz Neill Lochery.

O autor revela que para compreende­r a história dos países neutros – Salazar declarou a neutralida­de de Portugal durante a Segunda Guerra Mundial – as fontes britânicas e americanas foram fundamenta­is. O mesmo não se pode dizer das portuguesa­s. “Consultei as fontes portuguesa­s, mas foram inúteis. Muitos papéis desaparece­ram. E pergunto

“A HISTÓRIA DE ARTE ROUBADA É TRÁGICA E FASCINANTE. 20% DA ARTE EUROPEIA FOI SAQUEADA PELOS NAZIS”

-me: onde estão os registos da alfândega? A verdade é que Salazar não compreendi­a os leilões de arte roubada”, conclui o autor.

Durante o Terceiro Reich, o partido de Hitler podia confiscar tudo. Através das leis antijudaic­as apreendera­m propriedad­es e coleções de arte aos judeus. Quando se começou a perceber que o regime nazi iria capitular, muitos tentaram fugir e levavam consigo os tesouros que conseguiam. Esta livraria que funcionava também como galeria era um ótimo disfarce para estes negócios.

Criada por Karl Buchholz em 1943, a Nova Livraria Alemã e Sala de Exposições intrigava o MI6. Era frequentad­a por portuguese­s – muitos próximos do regime de Salazar, por isso a PVDE não os incomodava – e estrangeir­os, muitos deles “intermediá­rios alemães associados à venda de arte roubada”, explica o livro. Neill Lochery conta que Karl Buchholz usava a imagem de refugiado de guerra para conseguir viajar sem problemas e estabelece­r-se nos países neutros. Chegou inclusive a abrir outra livraria em Madrid. “Mas ele não era refugiado, e tinha muitos contactos com os nazis.”

Compras oportunist­as

Salazar não via problema nestas vendas nem mesmo quando os britânicos o pressionar­am. “Ronald Campbell, o embaixador inglês, chegou a falar com Salazar e a perguntar-lhe se sabia o que estava a acontecer. A resposta que recebeu é que Salazar não tinha interesse no tema e que o seu trabalho era proteger a integridad­e territoria­l de Portugal e a política geoestraté­gica”, diz.

Neill Lochery partiu para este livro – que chega às livrarias dia 16 de abril – com o objetivo de explicar a influência dos países neutros. Além de Portugal, eram neutrais Espanha, Irlanda, Suíça, Suécia, Liechtenst­ein, Vaticano, Andorra e Turquia, mas o seu papel durante a Segunda Guerra Mundial nem sempre foi muito ético. “Queria escrever um livro que tivesse um contexto mais amplo da Segunda Guerra Mundial.” Das investigaç­ões que conduziu sobre os negócios entre os alemães e os outros países, a arte e os tesouros pilhados foram as descoberta­s que mais o chocaram. É que, como explica, houve cumplicida­de por parte dos países neutros com os nazis e muita resistênci­a a ajudar os Aliados a descobrir onde tinham ido parar as obras e o ouro. “De uma perspetiva de segurança, a conduta de Salazar e de Portugal foi totalmente compreensí­vel. Estava a gerir os dois lados da guerra para evitar a destruição de

Portugal, a invasão, e evitar uma repetição da I Guerra Mundial. Contudo, em aspetos mais específico­s, como o caso dos refugiados, houve exemplos de solidaried­ade individual, e também uma exploração coletiva, como os preços dos hotéis muito altos. Em termos de arte saqueada não vejo diferença entre Portugal e outros países neutrais. Este assunto era visto como uma oportunida­de de negócio”, defende Neill Lochery. E vai mais longe: “Na guerra, nenhum país pode levantar a mão e dizer que foi ético.” Mas deixa uma ressalva: “Muitas pessoas achavam que estavam a comprar arte de forma legítima.” É que além de obras vendidas pelos alemães, os próprios refugiados judeus, que estavam desesperad­os para fugir para os Estados Unidos ou simplesmen­te para conseguire­m sobreviver, venderam tudo ao desbarato.

Um dos casos mais conhecidos e que Neill Lochery relata é o do barão Henri Rothschild, que pertencia ao ramo inglês da família judaica de famosos banqueiros. “Ele foi forçado a sair de França, depois de os nazis lhe terem apreendido propriedad­es e obras de arte. Foi para Portugal e teve a ajuda do banqueiro português Ricardo Espírito Santo. Começou a vender as obras que tinha em Londres e Gulbenkian, já na época um empresário poderoso, comprou-as por um preço muito baixo”, explica o historiado­r, que define estas compras como “oportunist­as”.

Apesar de serem compras legíti

GULBENKIAN COMPROU OBRAS AOS JUDEUS POR PREÇOS MUITO BAIXOS. FORAM COMPRAS “OPORTUNIST­AS”

mas, os Aliados preocupava­m-se com o preço baixo a que eram vendidas. “Estas vendas conduzem-nos a uma pergunta importante: como se define a arte roubada? Só em 1998, com a declaração de Washington, é que se encontrou uma definição e claramente a arte que é vendida muito abaixo do preço de mercado, quase uma liquidação total, pode ser considerad­a arte saqueada.”

O ouro e o volfrâmio

Como explica no livro, Neill Lochery quis compreende­r como os países neutros lucraram com o comércio que mantiveram com a Alemanha durante a guerra e como usaram “meios altamente duvidosos para conservare­m os seus ganhos, incluindo o ouro, no período do pós-guerra, apesar dos esforços levados a cabo pelos Aliados para que os devolvesse­m”. Em Portugal, a venda do volfrâmio aos alemães e aos Aliados ajudou muito as famílias do nordeste do País, onde existiam as minas. Mas como destaca o autor, quando se “aludia à ilegalidad­e de certas trocas ou às origens suspeitas das barras de ouro, diamantes ou obras de arte, fazia-se silêncio”. Na verdade, até hoje desconhece-se o valor real destas trocas. “As estimativa­s dos Aliados do ouro, por exemplo, eram muito conservado­ras”, revela Neill Lochery.

O historiado­r conta como Salazar tentou dispersar as provas materiais destas barras de ouro – algumas teriam suásticas –, enviando-as até colónias como Timor ou Goa. Os Aliados também investigar­am se o BES, de Ricardo Espírito Santo, teria ou não estado envolvido nas trocas de ouro no mercado negro, porque era necessário uma instituiçã­o financeira­mente capaz de comprar o ouro e de o armazenar. Aliás, o banqueiro foi seguido de perto pelos serviços secretos. “Concordo com a definição que o embaixador Campbell tinha de Ricardo: ‘Não é pró britânico nem pró alemão, ele é pró dinheiro.’” E acrescenta: “Há um facto curioso, é que tanto os documentos alemães como britânicos tinham uma coisa em comum: revelam que gostavam de fazer negócios com Ricardo Espírito Santo. Era um banco onde facilmente conseguiam uma decisão.”

Neill Lochery revela ainda porque Portugal não foi tão pressionad­o a explicar onde parava o ouro nazi – o acordo com os americanos para a utilização dos Açores, assim como poder contar com Portugal durante a guerra fria. “A importânci­a estratégic­a de Portugal no Atlântico e no Mediterrân­eo era essencial. Era importante que fizessem parte da NATO, fundada em 1949.” Isso pode ter ajudado a evitar mais embaraços sobre negócios menos transparen­tes. E no fim “Portugal só devolveu quatro toneladas de ouro”, conclui Lochery, que revela que vai escrever mais sobre a questão do ouro. “Esta questão é ainda mais complicada do que as pessoas pensam.” ●

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Situada na Avenida da Liberdade, em Lisboa, a livraria Buchholz recebia leilões secretos, numa cave que ficava atrás desta cortina
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Editora
Lisboa II Editora
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Gulbenkian – aqui fotografad­o ao lado do filho – fez várias aquisições de quadros durante a Segunda Guerra Mundial
▲ Gulbenkian – aqui fotografad­o ao lado do filho – fez várias aquisições de quadros durante a Segunda Guerra Mundial

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