O primeiro “casinho” de Montenegro
Há um ano que PS e PSD entraram num leilão para ver quem baixava mais esta taxa. O IRS acabou a escaldar novo Governo.
Amontanha do “choque fiscal”, tão referido na campanha para as legislativas, afinal pariu um rato e o alívio do IRS acrescentado pelo novo Governo ao Orçamento do PS para 2024 será na ordem dos 200 milhões de euros. O valor foi mal percecionado na apresentação do programa do Executivo (mais 1.500 milhões), levou a um pedido de debate de urgência no parlamento e deu azo à primeira crise de comunicação da legislatura, em que “ninguém saiu bem, nem o Governo, nem a oposição, nem a comunicação social”, apontam analistas políticos à SÁBADO. Luís Marques Mendes chamou-lhe, no seu comentário semanal na SIC, o primeiro “caso e casinho” de um Governo que acusou de “amadorismo”. Mas a guerra do IRS entre o bloco central já dura há um ano.
Em abril de 2023, Fernando Medina, ex-ministro das Finanças, anunciou que o desagravamento fiscal para 2024 não ultrapassaria os 525 milhões de euros, prevendo atingir os 2.000 milhões até 2027. Todavia, a apresentação de um pacote fiscal do PSD, em agosto – em que se propunha um “alívio fiscal imediato de 1.200 milhões de euros” – fez subir a parada e, no Orçamento do Estado para 2024, os socialistas foram até aos 1.327 milhões, para esvaziar o projeto do PSD. Logo, no programa eleitoral, a AD viu-se obrigada a elevar a fasquia e acrescentou 200 milhões, promovendo uma descida por escalão entre os 0,5 e os 3 pontos percentuais, que abrange especialmente a classe média. Chamou-lhe “choque fiscal” e esta terminologia não passou despercebida durante a campanha eleitoral.
E, por isso, o maior partido da oposição tomou como certo, no debate da semana passada no parlamento, que o desagravamento do IRS proposto pelo novo Governo seria de mais 1.500, quando Montenegro se referia ao
bolo total, abrindo a porta a uma série de notícias incorretas, que não foram desmentidas pelo Governo ou ficaram sem resposta do gabinete de Miranda Sarmento até sexta, 12, à noite, quando o governante das Finanças deu uma entrevista à RTP.
Pedro Nuno Santos falou de um “embuste”, de “fraude e logro”, o PS agendou um debate de urgência; o Chega quis chamar Miranda Sarmento à respetiva comissão parlamentar e a
IL (que chegou mesmo a tentar confirmar o valor da descida do
IRS durante o debate parlamentar) lamentou a proximidade com a medida socialista.
Montenegro não mentiu quanto ao valor da redução no IRS, mas também não desmentiu quando começaram a circular os 1.500 milhões... “O que está em causa é a forma, não é o conteúdo, mas Luís Montenegro não começa bem. Não criou um caso, mas também não o soube esclarecer e acabou a ser vítima dele”, analisa o politólogo José Filipe Pinto.
“O órgão mais sensível do corpo humano é o bolso”, ironiza o professor de Ciência Política da Universidade Lusófona. “Este desencanto que surgiu a seguir à surpresa de uma redução de 1.500 milhões podia ter sido evitado. A opinião publicada errou ao não confirmar o valor do aumento e o Governo alimentou a ambiguidade assim que começaram a sair as notícias – tinha de ter esclarecido que o primeiro-ministro não havia dito aquilo. Ao recursar-se a baixar as expectativas criadas, Montenegro acabou a colher consequências negativas para a sua imagem. Assiste-lhe a razão, mas ficou com a imagem dilapidada.”
José Palmeira, professor de Ciência Política da Universidade do Minho, questiona a intenção do Governo: “Se havia uma intenção de iludir os partidos e os cidadãos, isto parece uma coisa infantil.” “Devia ter falado logo no número real, porque se percebia que não podia ser superior para não provocar um grande rombo nas contas públicas.”
Ambos os politólogos unem-se ainda nas criticas à oposição, que consideram não ter feito o seu trabalho. “Pedro Nuno Santos não questionou as contas desde a campanha eleitoral e depois usou uma linguagem demasiado virulenta. Não devia ter cavalgado a onda da opinião publicada”, afirma José Filipe Pinto. “Só a IL procurou contestar e esclarecer”, acrescenta José Palmeira. Todos os outros partidos saem mal na fotografia, para estes analistas, mas quem fica pior é o Governo. ●