Salgueiro Maia A revolução contada pelo seu herói
Em março de 1991, um ano antes de morrer de cancro, o capitão que liderou no terreno o derrube do Estado Novo deu uma longa entrevista à Universidade de Coimbra em que recordou os preparativos, os bastidores, os imprevistos e peripécias do 25 de Abril de 1974. Porquê ele a comandar?
De todos, era eu que tinha a noção política do contexto, e como tal tomava posições dentro dessa linha. A generalidade dos indivíduos, não estando com o regime, também não se queriam chatear nem se queriam meter nessas enrascadas.
Independente até do contexto económico: é que a ação do 25 de Abril leva a que os anos 1973, 1974 e 1975 até ao 25 de novembro andei cerca de 56 mil quilómetros com o meu carro, portanto tendo tudo à minha custa, deslocações, combustíveis, alimentação, alojamento, essas coisas todas. As pessoas acabaram por me eleger como representante por este contexto todo.
A mulher e o tio
Pelas reuniões sucessivas do MFA que houve em minha casa, e houve várias, a minha mulher estava no contexto do que ia acontecer. Não sabia quando ia acontecer, nem qual era objetivamente a minha missão. Sabia que eu ia avançar contra o regime, não sabia que eu ia estar no centro do vulcão.
Depois, à margem disso, uma cena com alguma piada, um tio da minha mulher tem uma fábrica, é um homem com algum dinheiro, a quem eu disse – já em cima do acontecimento – que o melhor era ele vender as ações. Ele não quis crer e teve as consequências.
Se corresse mal
A dificuldade foi dar o passo em frente. Depois não havia que recuar. Aí talvez tenha importância a minha maneira de ser, sinto-me muito mais à vontade no meio de situações críticas, dá-me prazer a bagunça, a agitação, portanto naquele contexto estava-me realizando pelo prazer do risco, sem perder a noção da realidade, e a realidade era esta: eu não tinha tropa, eu não tinha armamento, eu tinha a esperança que algumas outras unidades saíssem ao mesmo tempo. A realidade é que ia enfrentar o Governo, se as coisas corressem
Até ao 25 de novembro andei cerca de 56 mil quilómetros com o meu carro, portanto tendo tudo à minha custa
Salgueiro Maia sobre o sacrifício económico do golpe
mal, o inimigo era eu. Era eu que ia prender os ministros, portanto a crise seria sempre comigo. É nessa linha que comecei a ver que não tinha recuo. Se as coisas corressem mal era preferível eu morrer do que sair de lá vivo, porque a minha vida seria um inferno e para a minha família teria consequências graves. Se eu morresse estava criado um mártir, que era capaz de frutificar. Não podia recuar, de maneira nenhuma.
O plano B
Previ que se as coisas corressem mal em Lisboa e houvesse que retirar, seria para Santarém, onde tentaria resistir até ver se o resto do País se sublevava. Isto na perspetiva de que podíamos cortar a estrada Lisboa-Porto, porque passa aqui perto, em Rio Maior; os telefones nessa altura eram todos por cabo, passavam aqui ao lado e cortávamos; a água para Lisboa passa aqui ao lado e cortava-se a água para Lisboa; o comboio passa aqui ao lado e cortava-se o comboio para Lisboa; e a ponte para o lado de lá também desaparecia. Portanto, nós tínhamos condições de criar alguma agitação e dificuldades e ver se as coisas evoluíam.
De maneira que quem quiser vir comigo vamos para Lisboa e vamos acabar com isto
O discurso de mobilização dos seus instruendos em Santarém
Os superiores hierárquicos
Na noite de 24, quando se dá a ação, a revolta, só é necessário [na Escola Prática de Cavalaria, Santarém] prender o segundo comandante porque quer o diretor de Instrução, quer o comandante, não estão. O comandante, quando começa a verificar a azáfama que vai em volta das viaturas para as pôr a funcionar, ele, que é suficientemente inteligente, sai da unidade e vai-se embora. Ao segundo comandante, é-lhe posta a questão: nós estamos predispostos a derrubar o Governo, portanto o senhor assume e continua como comandante, ou então temos de o prender. Ele admite que não está connosco e prefere ser preso.
A mobilização dos subalternos
Meti-os dentro de uma sala… Nas Instruções anteriores tentava prepará-los, mas uma coisa é isso, outra é assumir frontalmente que vamos acabar com o regime. Comecei a pensar: o que é que eu vou dizer a estes fulanos? Olhe, vou numa situação de gozo, talvez seja a mais recetiva. Então disse-lhes: “Meus senhores, como vocês sabem, há várias modalidades de o Estado se organizar: há os estados socialistas, há os estados ditos comunistas, os estados capitalistas e há o estado a que chegámos. Eu proponho acabar com o estado a que chegámos. De maneira que quem quiser vir comigo vamos para Lisboa e vamos acabar com isto. Quem for voluntário sai e forma lá fora. Quem não quiser sair fica aqui.”
Toda a gente foi formar lá fora. Não ficou ninguém na sala.
As escassas munições
Como o oficial responsável pelos paióis tinha fugido, tivemos de rebentar com os paióis e ir buscar as poucas munições que tínhamos. Nós tínhamos as munições, mas estavam em Santa Margarida [base do Exército], não as tínhamos cá. As poucas que estavam cá foram munições que… Face às tabelas de tiro nós tínhamos para gastar 60 munições, mas gastávamos 45. Ficávamos com 15, que legalmente não existiam – oficialmente estavam dadas como disparadas, mas não tinham sido.
A ilusão de força
A matéria-prima que havia eram os oficiais e sargentos milicianos do curso, que entraram em janeiro, tinham três meses de instrução, portanto, se ouvissem um tiro a sério, se vissem morrer o parceiro ao lado…. Não tinham capacidade militar efetiva. As únicas pessoas que davam alguma segurança eram homens que tinham estado a trabalhar comigo na Guiné, pertenciam ao esquadrão de reconhecimento de Bula, tinham sido meus instruendos.
Portanto, em termos reais, a força era caricata. Mas em termos de fachada, a força era importante – por controlarmos a rádio, ganhámos a força que não tínhamos. Era uma jogada de bluff absoluta. A força que seria a forte, que era a minha, era muito fraca, mas a rádio nas nossas mãos fez-nos criar um ambiente de força que nós não tínhamos.
Lisboa não liga
Por sistema, havia sempre em frente à Escola Prática um elemento da PIDE e um da PSP. Esses elementos, que estavam até às 11h horas visíveis, a partir daí deixaram de estar. Mesmo assim, sabemos que quando se dá a saída, pelas 2h da manhã, é comunicado a Lisboa que nós estamos a sair. Lisboa interpreta que estamos a sair para exercícios e não liga.
“POR CONTROLARMOS A RÁDIO, GANHÁMOS A FORÇA QUE NÃO TÍNHAMOS. ERA UMA JOGADA DE BLUFF ABSOLUTO”
Detetados a entrar
Só quando chegamos ao Campo Grande [Lisboa] é que está um “creme Nivea”, que começa a comunicar por rádio: “Estou a ver muitos carros, muitos blindados, muitos carros de combate.” A minha coluna levava à frente uma viatura civil com três aspirantes com um rádio para me avisarem com um quilómetro de antecedência do que é que ia acontecer.
Eles passaram ali, só viram o “creme Nivea”, não disseram nada e quando começo a dar a volta para ter acesso à avenida começo a apanhá-lo no rádio – eu tinha três rádios, um que ligava com Santarém, o que ligava com as minhas tropas e o que ligava com o posto de comando na Pontinha – e acontece uma cena com piada: sou projetado contra o vidro porque entretanto cai o sinal vermelho e paro com um autocarro de dois andares a meu lado. É assim que entro em Lisboa.
A primeira desmobilização
Depois aparece outra situação caricata, quando vamos passar junto ao [antigo cinema] Monumental. Está aí a concentrar-se a polícia de choque – porque entretanto o MFA já tinha ocupado o quartel-general por trás do Monumental –, que se está a preparar para uma ação qualquer. Quando começam a ver a minha coluna a passar, a sensação
Sabemos que quando se dá a saída, pelas 2h da manhã, é comunicado a Lisboa que nós estamos a sair
Em frente à Escola Prática, a PIDE e a PSP tinham vigias
que me dá é que só lhes faltou assobiar. Nós só estamos aqui a ver passar os comboios… Quando estão para fazer face a uma força e começam a ver-nos passar, é melhor a gente não se meter nisto porque senão as coisas correm mal. E há uma desmobilização.
A defesa do Governo
Conforme as viaturas vão entrando para o Terreiro do Paço estão a seguir para o lugar predeterminado, o que se faz em segundos. Fechei a zona toda, a minha preocupação era garantir o Banco de Portugal, garantir a Marconi, garantir que a divisão de polícia estivesse quieta e garantir que os ministros não saíssem dos ministérios.
Quando estamos a completar este dispositivo, surge uma coluna de autometralhadoras do Regimento de Cavalaria 7, comandada por um alferes, que eu mando parar. Então o que é que estás aqui a fazer? Ao que ele diz: “Eu estou aqui para defender o Governo.” Eu disse: “Olha, muito bem feito, manda desligar os rádios, manda estas viaturas para aqui, estas para além…” Mas houve um rádio que não foi desligado. E depois disse ao meu pessoal, eh pá, ponham lá esses gajos do nosso lado. Isto dá uma sensação de gozo....
A grande confusão
Surge então junto de mim um brigadeiro a dizer que me ia conduzir ao senhor ministro da Defesa. Mas para quê? “Ah, o senhor ministro quer agradecer-lhe a eficiência com que ocupou o Terreiro do Paço...” Eu respondi: “olhe, quando ele souber que eu ocupei isto para o prender, ele é capaz de não gostar de me receber.” “Então o que é que eu faço?” “Desapareça daqui para fora, se não também tenho de o prender.”
É este brigadeiro que chega a casa e telefona ao ministro a dizer que afinal de contas eu estou ali para o prender. O ministro comunica com o Regimento de Cavalaria 7 que está preso e o regimento contacta com o único rádio que responde (o tal que não foi desligado). Então isto dá uma confusão danada durante quase uma hora, o ministro berra que está preso, a Cavalaria 7 diz que não, que as tropas estão lá a defender porque o tal fulano, pela rádio, dizia que estava a fazer o que lhe mandaram. Isto é para demonstrar mais uma vez que aquilo tudo estava colado com cuspe. Era o tal lema da sorte que protege os audazes a funcionar.
O ministro tenta escapar
Eram dois pelotões de polícia militar que estavam na defesa do Ministério [e que passaram para o lado dos revoltosos], mas não sabia que tinham lá ficado dentro cinco homens e é com eles que, utilizando as antigas maças de armas e machados que decoravam as paredes, o ministro [do Exército] os põe a abrir uma comunicação, que eu não sabia que existia, com o Ministério da Marinha. E é assim que eles fazem um buraco na parede numa antiga porta que estava emparedada para saírem. Mas em termos formais tanto fazia estarem aqui como além.
Uma granada no bolso
O brigadeiro Junqueira dos Reis era o comandante das forças que nos faziam frente. Tinha um pelotão de carros de combate M47 – que era uma arma suficiente para cilindrar a nossa resistência –, mais polícia militar e uma companhia de infantaria. Se eles disparassem, nós estávamos perdidos, não tínhamos hipóteses. A solução era ir dialogar com eles, mas ainda me prendiam. Perdido por 10, perdido por mil, meti uma granada no bolso e fui saber no que é que as águas paravam na perspetiva de que se eles me prendessem eu acionava a granada a marchávamos todos. De qualquer maneira tinha alguma coisa a lucrar. Os outros, por me verem a rebentar, iam mostrar solidariedade e oferecer alguma resistência.
“Dispare sobre este homem”
Olhe, quando ele souber que eu ocupei isto para o prender, ele é capaz de não gostar de me receber
Um ministro equivocado queria agradecer a Salgueiro Maia
Chego a meio caminho e começo a dizer ao senhor para vir falar comigo. Ele berrava do lado de lá: “Venha cá!” Eu não ia, porque sabia que se fosse seria preso. Até que ele manda ao alferes que comandava o M47: “Dispare sobre aquele homem.” E ele responde: “Não disparo.” Diz o bri
“OU TENTAVA CORRER, OU FICAVA QUIETO, A OLHAR PLACIDAMENTE PARA OS APARELHOS DE PONTARIA”
gadeiro: “Você já desgraçou a sua vida.” E diz ao alferes da polícia: “Prenda este homem.” E ele é preso pela polícia militar. De seguida, ele diz a um cabo do carro de combate: “Dispare sobre este homem.”
Está ganho
Eu tinha duas opções: ou tentar correr junto àquele muro baixo virado ao rio – o que à partida poderia acionar o complexo do caçador, que é disparar sobre a caça –, ou então ficar em provocação, quieto, a olhar placidamente para os aparelhos de pontaria, que aumentam sete vezes, na confiança de que um indivíduo que está para disparar sobre um fulano que vê aumentado sete vezes, que não lhe faz mal nenhum, não é assim uma coisa muito agradável de fazer. Confiado nisso, continuei quieto. E o cabo recusou-se a disparar. E aí o brigadeiro, que se viu desautorizado até por um simples cabo, achou que era de bom termo retirar.
Conforme o brigadeiro marcha em direção ao Cais do Sodré, aquela gente marcha em direção a mim, e vêm dizer: “Nós estamos consigo.” E é aqui que eu vejo que o 25 de Abril está ganho. Uma coisa é o alferes, ou o capitão, indivíduos que são intelectualmente de determinado nível, que terão uma compreensão mais facilitada do contexto em que estão inseridos. Outra é um cabo, que foi criado para obedecer, que tem a quarta classe, que à partida ninguém motivou para coisa nenhuma, quando vê um brigadeiro a dizer “mata aquele gajo” ele acha que é melhor estar ao pé dos gajos que levam tiros.
Próxima paragem: Carmo
Entretanto, a Marconi está garantida, o Banco de Portugal está garantido, só era preciso deixar lá uma força mínima, e há a notícia de que o Marcello [Caetano] está no [Quartel do] Carmo e aparece a perspetiva de avançar para lá. Quando avanço para o Carmo o tal brigadeiro [Junqueira dos Reis] tenta com as forças [militares] que lhe restam ir atrás de nós para nos intercetar. É daí que vem aquela caricatura, há um disco sobre isso, em que ele diz: “As pessoas aplaudem-me porque pensam que eu estou contra o Governo.”
Nesta altura já o povo está em força na rua e ajuda a desmotivar. Apesar de nós dizermos que as pessoas deviam permanecer em casa, para não virem para a rua. As pessoas desobedeceram, desequilibrando as coisas a nosso favor. A tal ponto que quando já estou no Carmo começo a ser cercado pela polícia de segurança pública e pela guarda republicana. Aparecem-me militares destes a dizer: “A gente quer passar para o lado de cá, o que é que fazemos?” Eh pá, ponham as armas em bandoleira e venham ter connosco. É assim que o brigadeiro fica completamente isolado. O regime assentava na opressão.
A opressão assentava no medo. Quando as pessoas começam a perder o medo, é contagioso. O regime era meia dúzia de indivíduos que viviam à custa do contexto, portanto são esses que ficam isolados, porque toda a gente alijou a carga. Com dois argumentos de peso: a opinião pública e a comunicação social a dizer que nós tínhamos uma força que não tínhamos. Houve uma jogada de bluff absoluto. Nós não tínhamos força, mas não tínhamos outra solução.
A adesão popular foi de tal maneira forte que faz avançar o processo, com uma generosidade a toda a prova, não se assaltaram bancos, não se roubou, não houve aproveitamentos, aquilo que é frequente em qualquer situação, até mesmo no futebol, não houve vinganças, não se incendiaram casas, não houve retaliações menos próprias, tirando pontualmente a acusação do “Este tipo é da PIDE” e portanto agressões pontuais.
Tiros de aviso
[ Este parágrafo é um excerto das declarações de Salgueiro Maia a Adelino Gomes, da Rádio Renascença, durante o cerco do Carmo] É impossível uma reação porque não
Quando vê um brigadeiro a dizer “mata aquele gajo” ele acha que é melhor estar ao pé dos gajos que levam tiros
O cabo que recusou matar Salgueiro Maia
há força que consiga fazer frente à nossa. Temos todas as viaturas blindadas do exército português na nossa mão. Temos todas as forças armadas. A Marinha, que aderiu desde sempre. Nenhuma das fragatas que patrulharam o Tejo abriu fogo contra nós, apesar de terem ordens para isso. A Aviação, desde o princípio que está do nosso lado. Eles, além de serem portugueses, usam a mesma farda, não vão matar irmãos – quer de farda, quer de raça.
A GNR [que protege o Quartel do Carmo] está mal armada. A base do armamento deles consiste em Mausers, que não podem fazer frente a G3. As suas únicas viaturas blindadas têm somente potes de fumos. Nem sequer metralhadoras têm. São umas viaturas novas que receberam. Havia unas viaturas antigas, uns carros de combate M5A1, que já estão desativados, portanto não têm qualquer resistência.
Rendição
Eu tinha condições de mandar disparar e forçar a rendição, mas fui tentar que este ato não tivesse mortos nem feridos. Mando fazer tiros só para o telhado para lhes meter medo. Quando os tiros acontecem começam-se a ouvir os guardas republicanos a gritar lá dentro, “Acudam”, “Meu Deus” e mais não sei quantos. A partir daí há um guarda republicano que vem cá fora e diz: “Eh, pá o primeiro-ministro quer render-se, os gajos que estão à volta dele é que não.” Eu disse, “então vamos falar com o primeiro-ministro”. Entretanto tinha avisado cá fora que ia lá 15 minutos, se ao fim de quinze minutos não vier não me perguntam nada, arrasam isto tudo.
Ministros a chorar
Marcello Caetano estava numa sala e quando me dirijo para lá sou enquadrado por dois barulhos. Um: quando abrimos fogo para os telhados atingimos os depósitos e a água corria em cascata pelo elevador. Dois: o povo cá fora cantava o hino nacional mais uma vez. Estes dois barulhos são interferidos por outro barulho que eu acho muito esquisito, que é choro de criança – eram os senhores ministros Moreira Baptista [Interior] e Rui Patrício [MNE] com ataques de histeria. Choravam como duas crianças. O Rui Patrício borrou-se, portanto também era o mau cheiro característico de estar nestas condições. O primeiro-ministro era o único homem com alguma dignidade ali dentro – estava pálido, barba por fazer, gravata a três quartos.
“Já sei que não governo”
Eu, também para o desarmar [Marcello Caetano], fiz a continência, batendo os tacões e dizendo: “Apresenta-se o comandante das forças sitiantes que vem exigir a rendição incondicional.” E ele diz: “Já sei que não governo, só quero que me tratem com a dignidade com que sempre vivi.” Isso garanto-lhe eu. “O que é que me vão fazer?” Daqui, vai para o posto de comando. A partir daí não é comigo. Ele mostrou preocupação de saber qual era o nosso objetivo político. Eu disse-lhe que o objetivo político era tão-só liberdade e democracia. E que o resto não seria comigo, seria com o povo. Perguntou-me quem eram os generais que estavam por trás. Disse-lhe que para mim esse assunto era irrelevante. Perguntou-me: “Então o que é que vai ser do Ultramar?” Respondi que uma nova Índia não ia ser de certeza e que tudo o resto estava em discussão.
A fuga na chaimite
Como [Marcello Caetano] viu que não lhe dava a conversa que desejaria, disse que queria um general para lhe poder entregar o poder, para que este não caísse na rua. Liguei para o posto de Serpa a dizer para mandarem cá o Costa Gomes porque o homem queria um general. Não se encontrou o general Costa Gomes e acabou por aparecer o general Spínola, que entrou e disse: “Temos de tirar daqui o primeiro-ministro.” Porque o povo lá fora gritava “assassino” e outras coisas. Preparava-se para linchar o primeiro-ministro.
Digo-lhe: “Não tenha problemas, já mandei entrar uma chaimite de marcha-atrás, vi as medidas do portão, a gente mete-o pela porta de trás e ele sai daqui de chaimite.” E diz o general Spínola: “Então eu vou com ele.” Tudo bem, mas depois acabei por meter o Marcello Caetano mais os ministros na chaimite e o general Spínola foi no carro em que tinha vindo. ● Fonte: “Projeto de História Oral”, Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, entrevista de Manuela Cruzeiro a Salgueiro Maia a 12 de março de 1991
Choravam como duas crianças. O Rui Patrício borrou-se, portanto também era o mau cheiro característico
Sobre o estado de espírito dos ministros cercados
“QUANDO OS TIROS ACONTECEM COMEÇAM-SE A OUVIR OS GUARDAS REPUBLICANOS A GRITAR ‘ACUDAM’”