SÁBADO

Omeudia mais longo

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Hora a hora recordarei 25 de Abril como a festa mais bela de toda a minha vida. A festa que há tantos anos eu sonhava e esperava e em que já quase não acreditava. Senti-me vingado do 12 de Março de 1959, aquela madrugada distante em que, fardado de tenente, fui privado da bela loucura de atacar o quartel de Caçadores 5. Senti que tudo aquilo por que na vida lutara e sofrera valia finalmente a pena. O rio engrossara. E eu fora também um dos mil regatos que somados formavam agora aquela torrente magnífica de soldados e de povo, de nação e de Exército que reduzia finalmente a nada o porco sistema de mentira, negociata e força a que uma tribo suja de homens sem lei, sem vergonha e sem honra sujeitara o meu País por perto de 50 anos.

Ali, naquele largo barroco do Carmo, com as ruínas agudas do Condestáve­l a romper a monotonia do pombalino pobre, à espera da hora única e incrível da vitória, tudo de repente era pago em juros: as prisões, o ostracismo, a perseguiçã­o, o sofrimento dos dias de fome de pão e de justiça.

Quando o povo gritava e cantava, e abraçava os soldados, a minha alma como nos Salmos “exultava e cantava ao Senhor”. Num atropelo corriam-se as frases do combate soberbo dos poetas: “Não hei de morrer sem conhecer a liberdade” – o Livro Sexto da Sofia, o “Porque” que ouvira de manhã na Rádio, na voz de combate do Fanhais.

Quando encontrei o Francisco – soldado combatente a lutar pela libertação da sua Pátria –, senti tristeza, por não ter farda nem espingarda, por esta hora ser dele e não minha nem do Gonçalo Ribeiro Teles, seu pai, meu companheir­o e amigo de 30 anos de luta; mas a tristeza virou numa imensa comoção do dever cumprido, do mistério insondável da vida e da lei infalível da geração vingadora.

Geração esplêndida. Revelada na simplicida­de dos gestos, na doçura e secura dos rostos, na determinaç­ão com que todos aqueles soldados procediam. Sem comer, nem dormir, lançados numa aventura de desfecho incerto, todos agiam com uma infinita cortesia, um respeito pelo povo, uma modéstia de atitudes que quase parecia uma forma de desculpa de se verem obrigados a restituir aos homens o direito de o serem, e à Pátria a dignidade perdida. Nunca esquecerei a delicadeza, a lição de civismo e de trato, dada neste dia pelo exército, a contrapor à brutalidad­e soez dos cães dos canalhas e das bestas com que há décadas se pretende demonstrar que o povo português não tem educação para um governo decente.

“Nós queremos fazer um país novo, um país como vocês desejam.” Esta fórmula tão verdadeira e

“UMA UNIVERSIDA­DE QUE À SOMBRA DO FASCISMO PERDEU A VERGONHA...”

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