SÁBADO

Fim e o começo

-

Assim como o 25 de Agosto de 1820, o 5 de Outubro de 1910, e o 28 de Maio de 1926, o 25 de Abril de 1974 foi um fim e um começo. O fim de um regime político que, durante duas encarnaçõe­s, comandou Portugal durante 41 anos, e o começo do desconheci­do, só possível de discernir no Programa do MFA.

O primeiro período foi breve. De tranquiliz­ação e simulacro de ordem, autoridade e até continuaçã­o de símbolos que todos conheciam: a Junta de Salvação Nacional era constituíd­a por oficiais generais que juraram obediência à Antiga Senhora, e combateram na sua guerra ultramarin­a.

A PSP e a GNR mantiveram as designaçõe­s, e ajudaram o MFA a desmantela­r a DGS e a encarcerar os seus agentes e chefes. Spínola, que tinha sido saudado como o homem capaz de fazer e desfazer os projetos marcelista­s, ascendia à chefia provisória da República.

Foi uma experiênci­a breve. Pelo 28 de Setembro, a noção spinolista-gaullista de um chefe forte e legitimado, capaz de manter um governo pró-ocidental, e de preparar os “novos Brasis” africanos, tinha rotundamen­te falhado.

Parte do Portugal “de direita” exila-se, é presa, passa à clandestin­idade ou adere aos partidos “não comunistas”. A outra parte celebra um Tempo Novo.

Como na anatomia geral das revoluções, estudada por Crane Brinton (um clássico que não deixa de fazer sentido), o triunfo dos “radicais” nos dois campos marca o chamado PREC, até 25 de Novembro de 1975.

Enquanto tudo isto se passava no continente e ilhas, ficavam semeadas as guerras civis, entretanto internacio­nalizadas, que devastaram a Guiné-Bissau, Moçambique, Angola e Timor –Leste. Os portuguese­s euro

peus , ainda sem Internet e redes sociais, foram sabendo das tragédias através da chegada maciça dos nossos pieds noirs, oficialmen­te os “Retornados”.

No Terreiro do Paço, o resfriamen­to do “processo revolucion­ário” leva ao que Brinton chamou o Thermidor universal. Tal como na passagem da monarquia para os moderados, destes para os extremos, e dos radicais para o diretório e para o consulado, foi um passo, ou dois. O fim do caminho foi a aprovação da Constituiç­ão.

Em Portugal, ao contrário da França de 1789, não houve nem novo calendário, nem um condutor saído dos cônsules para o império. O primeiro Presidente eleito, Ramalho Eanes, era essencialm­ente um árbitro designado por um povo que queria coisas diferentes: o fim da balbúrdia (menos sanguinole­nta do que em 16 de Outubro de 1918), o travão aos maximalist­as e à ultraesque­rda, a manutenção das liberdades, a normalizaç­ão das forças armadas e a saída do descalabro económico-financeiro.

Retrospeti­vamente, o período de golpes, contragolp­es, processo revolucion­ário, reação, contrarrev­olução, pseudorrev­olução, enfrentame­nto armado, prisão e amnistia, pareceu longo, mas foi apenas intenso. Durou menos de dois anos.

Portugal começou assim a ser reconstruí­do, ou a crescer como nova criança política, em 1976, podendo dizer-se que a República tem 48 anos. Eanes não conseguiu trazer estabilida­de, foi altura dos governos de iniciativa presidenci­al, e da “terceira via”.

Só em 1980 a chamada “direita” triunfou nas urnas, com a AD, mas apenas em 1982 acabou a tutela militar do Conselho da Revolução.

PS e PSD sucederam-se no poder, desde então. O Bloco Central tem existido como Grande Norma, e só existiram duas erupções de terceiros capazes: o fogo fátuo chamado PRD, e o Chega, que cá está.

Alguém disse que a máxima portuguesa, após 1974, tem sido “sonhar o possível, fazer o impossível”. Nessa forma, há um tom maior a celebrar, 50 anos depois: a Liberdade.

Esta une todos os desavindos, esquece todas as desgraças e cria novas linguagens, associaçõe­s, cumplicida­des e projetos.

Mas continuamo­s a derrapar nos direitos económicos e sociais. Dir-se-á que são problemas “técnicos” e não “existencia­is”.

Mas se permanecem como obstáculos, podem fazer morrer a esperança.

Essa forma poética de dizer “independên­cia nacional”. ●

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal