SÁBADO

O impacto da Revolução do 25 de Abril

- AMÉRICO AGUIAR Cardeal

Tendo nascido em dezembro de 1973, dava os meus primeiros passos em Leça do Balio, quando aconteceu a revolução de abril, na distante cidade de Lisboa. A memória “politica” mais antiga que tenho diz respeito ao anúncio, na RTP, da morte do Dr. Sá Carneiro.

Sou um menino da aldeia, nascido de um pai operário e de uma mãe que tomava conta dos 6 filhos, da casa, dos vizinhos, da família. Fui para a escola, o primeiro dos irmãos a completar estudos, quando já tinham passado algumas tempestade­s, avanços e recuos da revolução e sempre me senti um privilegia­do por ter podido estudar e estudar em liberdade, sempre na escola pública, Escola Primária de S. Sebastião, Escola Preparatór­ia da Pedra Verde, Escola Secundária de S. Mamede de Infesta e Secundária da Maia. Não sei como teria sido o meu percurso de jovem estudante, no contexto do anterior regime; mas estou convicto de que a minha intervençã­o na vida que corria à minha volta, fosse nas diferentes associaçõe­s ou nas autarquias onde estive de corpo e alma, esteve marcada desde o início pela consciênci­a da importânci­a da liberdade que nos permite, sempre, optar pelo bem comum.

Neste sentido, quando me perguntam pelo impacto da revolução do 25 de Abril, sou sempre levado a refletir sobre a questão dos valores.

O valor da liberdade, da democracia, da verdade. O valor da igualdade, da dignidade, da tolerância. Quando se derrota uma ditadura, abre-se um campo imenso de possibilid­ades para que o bem aconteça. O bem pessoal e o bem comunitári­o. Podemos ler, conhecer, optar pela nossa cabeça. Podemos intervir, fazer acontecer, criticar, negociar. Podemos fazer com que o exercício da política seja algo de construtiv­o, de positivo. Podemos defender os direitos dos mais fracos e dos mais frágeis. Podemos votar em liberdade e de acordo com a nossa consciênci­a.

Outra dimensão que também me faz pensar, prende-se com a cultura, isto é, após o 25 de

Abril abriram-se as portas da literatura, do cinema, da música… é claro que quando se abrem as portas de par em par, entra o bom e o menos bom, o belo e o menos belo; mas o trigo e o joio crescem lado a lado e foi o próprio Jesus que nos disse para termos cuidado – por vezes ao querer cortar o joio, podemos levar o trigo atrás. Isso significa que também na arte e na cultura, precisamos de conhecimen­to e maturidade para saber apreciar e escolher. Só em liberdade é possível ver, ouvir, apreciar e escolher.

Por último, o ser cristão. A identidade de um cristão está profundame­nte ligada à dimensão de liberdade pessoal. A partir do momento em que a nossa Fé assenta na descoberta de uma relação pessoal com Cristo, é a liberdade pessoal que a faz acon

SÓ EM LIBERDADE É POSSÍVEL VER, OUVIR, APRECIAR E ESCOLHER

tecer. Outra coisa bem diferente é a vivência comunitári­a da Fé, o caminho que a Igreja, enquanto instituiçã­o, tem feito ao longo do tempo. É interessan­te referir que, em países sem liberdade, nomeadamen­te sem liberdade religiosa, a Igreja permanece viva. Escondida, perseguida, relegada para a condição de clandestin­a, assim tem acontecido ao longo de séculos e por todo o mundo. Mas voltando ao nosso Portugal e à nossa Revolução, é claro que a Igreja teve impactos. Desde o fim da guerra no Ultramar, uma causa de tantos católicos antes do 25 de Abril, até à ocupação da Rádio Renascença, enquanto Emissora Católica. Passados 50 anos, e ainda com a realização da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa na memória de tantos, trago aqui a expressão que o Papa Francisco nos deixou e que não me canso de repetir «todos, todos, todos».

O maior impacto da Revolução do 25 de Abril reside nesta consciênci­a de que o «todos» é uma realidade que não podemos perder nunca mais. ●

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