Acanção comoarma de agitação
A CANÇÃO DE INTERVENÇÃO É A NOSSA ARMA. NUNCA A LARGAREMOS
Os grandes movimentos sociais da Europa do séc. XIX foram sempre acompanhados pelo que poderíamos hoje chamar uma banda sonora. A música foi-se tornando mais acessível e o povo tomou-lhe o gosto. Entre os muitos levantamentos populares que aconteceram por toda a Europa desenvolve-se um, em Portugal, caracterizado por uma revolta de mulheres em 1846 e que marca, de forma perene, o início do uso da canção como arma de agitação social. Com letra do estudante revolucionário Paulo Midosi para uma composição do maestro Angelo Frondoni, O Hino da Maria da Fonte, cântico de linguagem sofisticada, depressa foi acrescentado com quadras populares que circularam pelo povo, que as cantava incitando à revolta contra o governo dos Cabrais e pela santa Liberdade.
Dos vários estilos musicais que se seguiram há um muito peculiar de expressão rural e que continua muito vivo no sul de Portugal: o género Moda Alentejana. Ao contrário dos autores universitários, cultos e urbanos, os compositores deste género são anónimos e, na sua maioria, analfabetos. Este cancioneiro acompanhou de alma e coração o movimento social do início do século XX. Era de tal forma incómodo para os poderes vigentes que na maioria das vezes era proibido cantar “à alentejana”.
José Afonso, um homem atento, teve em conta o paradigma da canção de inter venção e incluiu nas suas composições elementos de melodias e textos das modas alentejanas com uma intervenção desafiadora tão clara e uma letra tão eficaz, que resultaram em inspiradas obras de arte.
As forças do regime proibiram Cantar Alentejano – e outras canções – de ser tocada na rádio e ao vivo. Ainda assim, na madrugada de 24 de abril de 1974, decidiram os Capitães que seria uma censurada composição de José Afonso inspirada nas modas alentejanas a canção-senha a passar no Rádio Clube Português, como o sinal para as tropas iniciarem o movimento para a liberdade. É a maior homenagem prestada à canção de intervenção que, colorida por cravos vermelhos, simboliza a mudança mais profunda e radical do último quartel do século XX português. A este percurso seguiu-se um movimento de tão forte dinâmica de cultura popular centrada na música e na canção como nunca se vira na história do povo português. Tive a sorte de ter participado nesse movimento com toda a alegria e força. Tive a sorte de ter feito parte desta banda sonora que sempre se mostrou disponível para dar resposta aos constantes e ferozes ataques à débil fortaleza da Liberdade. Continuaremos a resistir-lhes com a nossa arma mais leal e que nunca largaremos: a Canção de Inter venção. ●