SÁBADO

Aprimeira coisa quea liberdade me deu

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Aquilo que era impensável no Estado Novo tornou-se possível depois da revolução. Doze personalid­ades contam à SÁBADO aquilo que puderam fazer depois de derrubada a ditadura. Usar minissaias, ver a família, apoiar os presos políticos ou simplesmen­te regressar a Portugal

Dias após o 25 de Abril, a historiado­ra Irene Pimentel foi jantar fora com um grupo de amigos que tinham viajado da Suíça para testemunha­r a revolução portuguesa. “Quando comecei a falar de política baixei o tom de voz”, conta à SÁBADO. Foram os amigos que lhe chamaram a atenção: já era livre para falar sobre o que entendesse.

Nos primeiros dias após a revolução, alguns dos hábitos impostos pelo regime foram difíceis de quebrar. Sobretudo pelas pessoas que integravam organizaçõ­es políticas proibidas. “A desconfian­ça de falar ao pé de pessoas novas levou algum tempo a passar”, diz a historiado­ra, que militou numa organizaçã­o da esquerda radical.

Nas primeiras horas, imperou a precaução. “Eu não fui para a rua

“A DESCONFIAN­ÇA DE FALAR AO PÉ DE PESSOAS NOVAS DEMOROU ALGUM TEMPO A PASSAR”, DIZ IRENE PIMENTEL

no dia 25 porque recebi diretrizes para ir para uma casa segura”, conta a historiado­ra. “Havia a suspeita de que as movimentaç­ões se tratassem de um golpe do Kaúlza de Arriaga [comandante militar fiel à política de António Oliveira Salazar].”

Quem não tomou as mesmas precauções acabou por correr risco de vida. “Não foi por acaso que os quatro mortos da revolução não foram pessoas ligadas a organizaçõ­es políticas, mas populares”, explica Irene Pimentel. Depois da rendição no Quartel do Carmo, muitos dirigiram-se à sede da PIDE, na R. António Maria Cardoso, consideran­do-se ser seguro manifestar­em-se contra a polícia política. “Entre as 20h e as 20h30, já o regime tinha caído, os pides abriram fogo.”

Nos dias seguintes, o Rossio encheu-se de gente e todos queriam ser protagonis­tas. “Toda a gente tinha sido presa e contavam como tinham sido torturados, com água até ao pescoço. Coisas que o regime nem fazia.”

A manifestaç­ão do 1º de Maio foi a apoteose da nova liberdade, mas ainda com algum receio. “Nós não sabíamos que ia ser como foi”, diz a historiado­ra. “Eu ainda fui de lenço na cabeça, para não ser reconhecid­a”, confessa. “É claro que depois tirei-o.”

As vidas dos portuguese­s mudaram nesses dias. Uns mais do que outros. Militantes a viver na clandestin­idade puderam abraçar a família e gestos tão simples como vestir uma minissaia deixou de ser tão desafiador. Doze figuras que viveram o momento contam a primeira coisa que fizeram.

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