SÁBADO

Isabel do Carmo

- L. G.

83 anos, médica e ativista

▶ “A primeira ação foi sair de casa e ir a uma tipografia clandestin­a fazer um comunicado a dizer que as ações armadas tinham terminado. Mas, a primeira coisa não política foi meter-me no carro e conduzir pelo País fora. Eu estava clandestin­amente na casa de umas pessoas amigas no Porto e usava, na altura, uma peruca loira. A peruca foi logo embora, não a deitei fora mas deixei-a lá. Depois da Revolução, já no dia 26, regressei a Lisboa. Fui buscar a minha filha ao Barreiro, ela tinha na altura 2 anos e eu não a via há um ano e meio, pelo menos. Estava com a minha irmã. Ela olhou para mim e não me reconheceu. A partir daí nunca mais nos separámos, andou sempre comigo para todo o lado: nas manifestaç­ões, a vender o jornal, a contactar com os camaradas.

Nos dias anteriores à Revolução havia uns ecos, mas nestas coisas sou muito pessimista. Um camarada meu, que também estava no Porto, foi à nossa tipografia clandestin­a na Maia e viu soldados na rua. Pensou que a tinham descoberto, mas depois ligou a rádio e percebeu que havia um movimento militar – veio ter comigo e contou-me o que estava a acontecer. Fiquei radiante, afinal sempre era verdade. Saí de casa imediatame­nte para ir até à tipografia, era ali que fazíamos coisas clandestin­as e já éramos muito modernos – na impressão usávamos chapas metálicas, já não era com letras de chumbo. Para mim era muito importante que se soubesse e a minha preocupaçã­o foi logo ir lá, fazer esse comunicado e publicitá-lo o melhor possível. Ainda me lembro do que dizia: `Esta não é a nossa revolução (era militar e não socialista), mas é a liberdade e vamos usar essa liberdade para outro tipo de ações de rua.'”

Não via a minha filha há um ano e meio. Ela olhou para mim e não me reconheceu

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal