SÁBADO

AO IMPOSSÍVEL E MAIS ALÉM

O regresso de Tiago Rodrigues ao País traz-nos uma peça em que a face negra da ajuda humanitári­a está em primeiro plano — o espelho de uma realidade que ignoramos todos os dias.

- Pedro Henrique Miranda Por

trava quando se avistam sobreviven­tes de um ataque, que enterram conterrâne­os à beira da estrada. Uma guerra entre duas fações, cada uma no seu monte, é interrompi­da por instantes para que se possa resgatar um ferido, menor de idade, que está a sangrar até à morte. Uma pessoa com uma bolsa de sangue tem de decidir se salva uma criança de 8 anos ou duas de 3 anos. Que realidades são estas, vividas todos os dias por milhões de pessoas sem rosto ou nome?

À questão, o encenador e dramaturgo Tiago Rodrigues responde com mais algumas na sua nova peça, que chega esta semana a Portugal depois de quase dois anos na estrada. Na Medida do Impossível refere-se tanto aos esforços dos trabalhado­res em ajuda humanitári­a para apoiar os necessitad­os, quanto ao lado do mundo assolado pela guerra, fome, doença e instabilid­ade política – o “impossível”, que contrasta com o nosso “possível”.

Partindo de entrevista­s com cerca de 30 trabalhado­res destas instituiçõ­es – “que podiam durar duas horas ou dois dias”, diz à SÁBADO o diretor do Festival d’Avignon –, Tiago Rodrigues empreendeu uma mistura entre “um trabalho muito parecido com jornalismo”, de corte e colagem de histórias reais, e escrita criativa e livre. Um método para trazer para o palco aspetos da ajuda humanitári­a a que raramente temos acesso, desde logo o “preço psicológic­o e emocio

A experiênci­a da ajuda humanitári­a sobe a palco em Na Medida do Impossível, um retrato do lado menos visível do século XXI

nal que pagam estes trabalhado­res”, que têm a “lucidez de perceberem que não vão mudar o mundo” – são “um guarda-chuva perante um tsunâmi”.

O facto de não querer fazer um “teatro-documentár­io”, fugindo a uma perspetiva “académica, científica ou enciclopéd­ica”, levou Tiago Rodrigues a perceber rapidament­e que esta não seria uma peça sobre os trabalhado­res em ajuda humanitári­a, ou mesmo sobre as suas histórias, mas sim sobre “o modo como encaram e relatam as suas experiênci­as” – o “momento da poesia”, em que refletem sobre as emoções fortes que viveram.

Daí que seja uma peça menos encenada do que contada, que “faz apelo constante à imaginação do público” e em que “as ferramenta­s mais importante­s são a narrativa e a evocação”: os quatro atores, a portuguesa Beatriz Brás e os suíços Adrien Barazzone, Baptiste Coustenobl­e e Natacha Koutchoumo­v, relatam os acontecime­ntos ao som das batidas soturnas do baterista Gabriel Ferrandini – a forma, numa peça já de si incrivelme­nte pesada, de transmitir histórias “indizíveis” que ouviram. ●

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Tiago Rodrigues, de 47 anos, foi distinguid­o em 2019 com o Prémio Pessoa
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Gabriel Ferrandini assina a música ao vivo, solos de bateria que sublinham as histórias contadas
O elenco internacio­nal reflete o teor global da ajuda humanitári­a, foco central da peça Gabriel Ferrandini assina a música ao vivo, solos de bateria que sublinham as histórias contadas
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