SÁBADO

Conversa à porta com o general António Spínola

- Fonte: Entrevista no jornal Diário de Lisboa, no dia 26 de abril, 1974

E “stamos a guardar a casa do general, mas podem passar.” Assim nos falou um tenente na R. Rafael Andrade, ontem, às 10h20. A casa guardada era a do general António Spínola. Aproximámo-nos da porta e tocámos à campainha. Um segundo, dois segundos – e a porta abriu-se. Disse-nos a porteira: “O senhor general habita no rés do chão e no primeiro andar.”

Subimos ao primeiro andar. Um toque na porta. Uma voz que vem do rés do chão: “Façam favor.” Descemos. À nossa frente – a esposa do general. “Meu marido – diz-nos – está a dormir.” Depois emenda e afirma: “A dormir, não. Mas está deitado.”

Ouvia-se distintame­nte uma emissão na Rádio Clube Português. Findas as palavras – um fado de Coimbra. A senhora de Spínola sorri-nos, hesita, atenta aos cartões que testemunha­m a nossa qualidade de jornalista­s. “Só um momento” – acaba por dizer. Afasta-se, deixando a porta aberta. Regressa e diz: “O meu marido só lhes pode dizer poucas palavras. Esse é o recado que o meu marido pede para lhes transmitir.”

Um minuto depois o general Spínola estava à nossa frente. Encontrava-se já barbeado, muito direito, envergando um roupão de cor cinzenta. “Então que há…?” – perguntou-nos com um sorriso. Nós dissemos: “Está a passar-se qualquer coisa…” E o general António Spínola com uma certa ironia: “Onde?”

“Nas ruas…” O general afastou-se um passo, tornou-se subitament­e sério. E disse: “Assim como vieram aqui cumpriment­ar-me, eu também vos cumpriment­o. É tudo quanto posso fazer neste momento.” Estendeu-nos a mão. Entretanto chegava, apressado, um capitão. “Agora – disse o general – tenho de falar com este senhor.” E foi tudo: a porta fechou-se amavelment­e sobre nós.

Na rua, de arma na mão, os soldados mostravam-se calmos. E o tenente que nos tinha indicado a casa do general António Spínola veio ter connosco e perguntou-nos: “Então…?” “Tudo certo” – dissemos. Ele disse: “Sim, acho que está tudo certo.” Horas depois, de tarde, o general António de Spínola apresentav­a-se no Quartel do Carmo para a cerimónia de rendição do prof. Marcello Caetano. ●

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 ?? ?? ▼▶ Jornalista­s do Diário de Lisboa foram tocar à campainha da casa do general Spínola no dia 25 de Abril de 1974
▼▶ Jornalista­s do Diário de Lisboa foram tocar à campainha da casa do general Spínola no dia 25 de Abril de 1974

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