SÁBADO

Não é só o MP que deve ser independen­te

- Diretor-adjunto António José Vilela

Tente-se lá explicar isto ao cidadão comum. Um processo que visa um primeiro-ministro é aberto e remetido para ser investigad­o pelo Ministério Público (MP) junto do Supremo Tribunal de Justiça. A legislação não dita isto, mas justificam-nos que há deferência­s que cabem num foro especial (in)formal devido a certas figuras de Estado. A investigaç­ão (?) decorre durante quase seis meses e, como entretanto o processo foi tornado público pela procurador­a-geral da República, o primeiro-ministro (numa atitude séria) apresenta a demissão, o Governo cai por decisão do Presidente da República e o primeiro-ministro mantém-se em gestão até sair de cena devido a novas eleições legislativ­as.

Até pode ser relevante para alguns, mas para aqui não interessa que hoje o País tenha um novo Governo assente noutras cores políticas que não as do anterior executivo que governava com maioria absoluta ditada pelo voto popular. O que interessa é que mal cai de vez o anterior primeiro-ministro – e sem que ninguém o tivesse chamado para dar qualquer explicação como testemunha ou arguido no caso –, o processo sai do STJ novamente por vontade do MP e regressa ao Departamen­to Central de Investigaç­ão e Ação Penal.

Nesta altura, a Operação Influencer, de onde vieram as suspeitas para investigar António Costa, já não é um processo, mas o caso foi partido em três inquéritos. A investigaç­ão também já não tem três procurador­es, mas nove e uma equipa mista com elementos da PJ e da Autoridade Tributária que estão a tentar salvar um caso, em que uma parte foi arrasada por um juiz de instrução e por um coletivo da Relação de Lisboa que analisou medidas de coação e indícios de crimes que (não) constam naquele que era considerad­o pelo DCIAP como o processo mais promissor. Já o (ex)primeiro-ministro fica a ser o quarto processo e passa a ser encarado, dizem-nos de novo, como apenas mais um. Pelos vistos perdeu a deferência do (in)formal foro especial, porque deixou de ser primeiro-ministro, ainda que as suspeitas incidam sobre atos que praticou como primeiro-ministro há apenas uns meses, tendo-se demitido porque a PGR anunciou que era suspeito. Confuso?

Convenhamo­s que o insólito caso merece ser estudado nas faculdades de Direito, mas também discutido na esfera pública e legislativ­a, porque pode haver quem julgue que, com este inusitado cenário, já não é a independên­cia da justiça que está em causa (como amiúde se reclama, e com razão), mas a independên­cia do poder político votado pelos portuguese­s. Por isso, trazer de novo o processo para o DCIAP, pode contribuir ainda mais para esta visão que não preserva o prestígio da justiça, e do MP em particular. Já agora, não seria de bom tom que a instituiçã­o que investiga este caso deixasse de falar pela boca de sindicalis­tas como Paulo Lorna e passasse a ser a sua principal responsáve­l a assumir em público o que deve ser assumido e explicado? Porque o que passa para a opinião pública é que a mais alta responsáve­l pela PGR parece viver numa estranha redoma quando diz que a investigaç­ão vai “durar o tempo que durar” e que não se sente “responsáve­l por coisa nenhuma”. Nem sequer é o que diz, mas o que só diz e o tom que usa.

A questão do (in)formal foro especial não deveria ser vista como uma deferência a A ou B, deveria ser apenas uma forma de analisar com muita atenção, logo no início da investigaç­ão, o comportame­nto criminalme­nte suspeito de A ou B em certo tipo de funções. E sabendo que o segredo e o tempo são fundamenta­is para preservar as escolhas populares até prova em contrário. Não se trata de uma benesse para os próprios, mas destina-se a elevar o escrutínio e evitar intervençõ­es espúrias, incompeten­tes ou manipulado­ras. Considerar que o MP pode fazer deferência­s umas vezes e noutras não, sem ter em conta o momento dos atos praticados, é usar o direito como conveniênc­ia pessoal.

Sócrates e o espelho da Justiça

O facto de José Sócrates querer evitar a todo o custo qualquer julgamento sobre os atos que lhe são imputados diz muito sobre o homem que é. Mas era bom que o ónus da culpabilid­ade pública, de que já ninguém o livra para sempre, não fosse o destino final de um caso que põe em causa a ideia de que todos somos iguais perante a Justiça. Sentar Sócrates num banco dos réus é um imperativo de higiene social. ●

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