SÁBADO

CADERNO DE SIGNIFICAD­OS

Lucília Gago foi escolhida pelo PS, através de um conjunto de contactos feitos, no essencial, pela então ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e pelo próprio António Costa. Muita gente rejubilou quando o nome de Lucília Gago emergiu

- Director-geral editorial adjunto Eduardo Dâmaso

A demissão de Lucília Gago

Aosquepede­m a demissão da procurador­a-geral da República, por entre sugestões de demolição do próprio Ministério Público (MP), há que recordar meia dúzia de coisas. Concordand­o em absoluto que Lucília Gago deveria falar sobre a situação que o MP atravessa e que a perceção pública sobre a instituiçã­o, centrada em meia dúzia de casos, não é a melhor, convinha travar alguns oportunism­os e narrativas parasitári­as que campeiam por aí.

Lucília Gago foi escolhida pelo PS, através de um conjunto de contactos feitos, no essencial, pela então ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e pelo próprio António Costa. Muita gente rejubilou quando o nome de Lucília Gago emergiu. Não era segredo para ninguém que o governo socialista da geringonça queria um perfil baixo no cargo, depois do consulado de Joana Marques Vidal.

A personalid­ade forte e livre de Joana Marques Vidal, escolhida, recorde-se, por Paula Teixeira da Cruz e Passos Coelho, materializ­ando um poder verdadeira­mente autónomo na liderança do Ministério Público, não agradava a nenhum dos inquilinos dos outros palácios. Não agradava em São Bento nem no Palácio de Belém, diga-se, de onde partiu o engano de um segundo mandado que nunca esteve na vontade de nenhuma das respetivas senhorias.

Marques Vidal tinha uma liderança suportada na sua própria estratégia, de diálogo permanente com toda a estrutura do Ministério Público. Não havia semana que não saísse do palácio na rua da Escola Politécnic­a e não fosse a reuniões de visita e trabalho nas comarcas. Mas também numa ideia de Ministério Público que era, sem tirar nem pôr, a de Cunha Rodrigues, mentor de Joana Marques Vidal.

A sua liderança, dialogante e exigente, tinha então um enorme pilar no diretor do DCIAP, o magistrado Amadeu Guerra. Oriundo dos tribunais administra­tivos, Amadeu Guerra estabelece­u algumas normas elementare­s e de bom senso na reorganiza­ção do DCIAP, debilitado pela barafunda deixada por Cândida Almeida e Pinto Monteiro, que produziram logo resultados. Impôs reuniões periódicas de avaliação das investigaç­ões em curso, os seus prazos e diligência­s efetuadas ou a efetuar. Nomeou magistrado­s para acompanhar­em os titulares dos processos, com a missão de apoiarem os colegas e promoveu padrões sólidos de eficácia.

A questão da hierarquia – da falta dela – nunca se colocou nessa altura. Como nunca se colocou com Cunha Rodrigues. Joana Marques Vidal e Amadeu Guerra acompanhav­am, decidiam os temas mais importante­s, comunicava­m para dentro e para fora, como se viu na Operação Marquês ou no Universo BES.

Essefoiumc­iclo em que se respondia, com eficácia, a um velho enigma da vida pública. Temos, como qualquer outro país europeu, níveis de corrupção consideráv­eis, que se veem nos casos investigad­os, incluindo o de um ex-primeiro-ministro, mas este permanece um crime invisível, como se nunca tivesse existido. O número de condenados, presos ou não, é inexistent­e.

Portanto, sim, Lucília Gago protagoniz­a um dos piores momentos da história do MP, a seguir a Pinto Monteiro, o juiz conselheir­o escolhido por Dias Loureiro e Proença de Carvalho, que ia endireitar a casa, mas a culpa não é só dela. É também de quem achou que estava a escolher uma aliada para entorpecer a instituiçã­o, depois do músculo excessivo de Joana. E sim, em alguns caso, como o da Operação Influencer, o MP nunca deveria ter ficado sozinho a investigar. Uma liderança forte exigiria para baixo que o processo fosse entregue à Polícia Judiciária. Não teriam sido cometidos alguns erros primários, como se depreendeu logo da simples leitura do despacho indiciário. Mas só por oportunism­o se pode tomar a nuvem por Juno. Penso que António Costa não o faz e não merece que se ponham em bicos de pés a querer fazer por ele. Só por oportunism­o se pode querer destruir uma importante instituiçã­o do Portugal democrátic­o, servida por mais de 1500 magistrado­s que trabalham seriamente todos os dias. Só por serventia a amizades mais ou menos inconfessá­veis pelo vasto conjunto de interesses que comportam. ●

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