A todos os que nasceram depois do 25 de Abril
Nasci 22 anos após o 25 de abril. A democracia ainda era uma jovem adulta, acabada de sair da adolescência turbulenta, mas cheia de esperança por uma vida melhor. Uma vida melhor para quem vive do seu trabalho, com proteção social para quem precisa dela e onde todos contribuem para o bem comum segundo o princípio da progressividade. No entanto, em 2022, 20% da receita fiscal veio do IRS, enquanto os impostos sobre a propriedade contribuíram apenas com 4%, segundo a OCDE. A justiça fiscal entre capital e trabalho ainda está por cumprir.
Também na educação, saúde e habitação, Abril prometeu melhorias. O Estado assumiu a Educação e Saúde, mas deixou a habitação nas mãos dos privados. Com a crise de 2008, a banca parou de financiar a construção através de empréstimos às famílias, e a atividade económica virou-se para o turismo, causando pressão nas cidades e escassez de habitação. A resposta pública nunca chegou e, hoje, 50 anos após o 25 de Abril, Portugal tem apenas 2% de habitação pública, uma das taxas mais baixas da União Europeia.
Nos últimos 50 anos construímos também a promessa de uma vida onde ser mulher não era sinónimo de menos liberdade. Já não precisamos da autorização do pai ou do marido para trabalhar ou sair do País, já somos a maioria entre os licenciados e já temos direito ao aborto seguro. Ainda assim, a violência doméstica continua a ser o crime que mais mulheres mata em Portugal, continua
50 ANOS APÓS O 25 DE ABRIL, PORTUGAL TEM APENAS 2% DE HABITAÇÃO PÚBLICA
SOMOS A MAIORIA ENTRE OS LICENCIADOS E JÁ TEMOS DIREITO AO ABORTO SEGURO
mos a ganhar menos, e o aborto seguro tem um dos prazos mais restritos da Europa.
Começámos igualmente a construir o caminho para uma vida em que a orientação sexual e a identidade de género não são critérios de exclusão social. Uma vida em que todos se sintam representados, sem medo ou vergonha. Ainda assim, segundo os dados do Eurobarómetro de 2023, 16% das pessoas consideram que pessoas gays, lésbicas e bissexuais não deveriam ter os mesmos direitos que pessoas heterossexuais e 14% teriam dificuldade em aceitar uma pessoa trans como representante de um partido ou cargo político.
Nasci 22 anos após o 25 de abril e ainda esperei 11 anos para ver o direito ao aborto seguro ser consagrado, 14 anos para a aprovação do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e 20 anos até que a orientação sexual deixasse de ser critério para a adoção. A todos os que nasceram em liberdade, que este texto sirva para lembrar que Abril se constrói todos os dias e ainda há tanto para fazer. ●