SÁBADO

25 de Abril, um projeto sem fim

- FERNANDO TORDO Músico

O25 de Abril é tão importante que até faz com que saibamos de quem não gosta dele, que o detesta. As coisas fundamenta­is são, assim, uma porta aberta.

O 25 de Abril é uma ideia, algo a conquistar, um projeto sem fim, sempre inacabado, renovado e polémico, sério e risonho, recém-nascido e antigo. Tem cartão de cidadão e passaporte, SNS e carta de condução sendo ele a própria carta de seguros. O 25 de Abril é tão grande que até aceita batota, mentira e agressão: ninguém é perfeito.

Nem tudo correu bem nesse dia e não é uma revolução sem sangue como tanto se disse. Vejam o filme agora estreado – Revolução (sem) Sangue –, vem lá tudo explicado. A PIDE matou até ao fim, na António Maria Cardoso, perante uma cidade adormecida no tempo e no assassinat­o. Mais tarde, os mesmos criminosos fogem da prisão de Alcoentre, são 89, e eu e o Ary fazemos cantiga a propósito. As cantigas relançam-se, ganham ainda mais força, observam, criticam e livres por fim enchem as rádios e as salas de espetáculo. Os políticos surgem cheios de intenções e ideologias, o povo escolhe e arregaça a vontade e as mangas para ir votar. Acontece a democracia e com o seu espectro quase esconde a Liberdade; luta-se em vários quadrantes e a Assembleia é da República, tão velha de ser Nacional. De manhã, nove horas no escritório dele, visito o meu pai. Nos olhos tem o ruído da bancada de trabalho na Mundet lá no Seixal, uma memória de 43, o meu irmão está para nascer.

Depois é a vida toda que muda, a surpresa, o desejo, a manif e o grito, o jogo escondido e a traição, a bandeira, a inveja, a injustiça, a coisa certa, a dúvida, o rico e o pobre, o tudo na mesma e o tudo ao contrário.

Quem quer isto? Quem quer perceber isto? Todas as coisas são aquilo que somos em Portugal. Em Li

ARROGO-ME A NÃO QUERER OUVIR FALAR DAQUELES QUE EM 50 ANOS NÃO CONSEGUIRA­M VARRER A POBREZA

berdade para escolhermo­s, elegemos o que a seguir protestamo­s. A Liberdade abre as suas asas e sob elas tudo abriga; mas se alguém se acha mais que ela é deixado cair, tarde ou cedo.

Feliz sou eu que vivi e ainda vivo nisto.

Sou contra a pobreza, a fome e a miséria e arrogo-me a não querer sequer ouvir falar de todos aqueles que em 50 anos não conseguira­m varrer isto da vida do nosso País. Portugal é pobre, mas está muito distante de não ter recursos para resolver esta sua maior vergonha. Envergonhe­m-se também os que mandam e os que acham que mandam; não lhes pesará a realidade na consciênci­a porque pode ser provável que nem sequer a tenham. Enquanto este crime não for a julgamento não haverá democracia e muito menos Liberdade em Portugal.

O Rogério Bracinha regressa de uma cigarrada ao ar livre, entra no Chico Carreira onde se celebrava o aniversári­o da atriz Ivone Silva lá no Parque Mayer, e diz inocente que estão a passar uns tanques na Avenida da Liberdade.

Era o 25 de Abril, finalmente, a preparar-se para os próximos 50 anos. ●

para o colégio. (…) Eu segui para o escritório. Aí estava toda agente menos a Cristina, a Lurdes e a Celeste “, pode ler-se.

Segredos partidário­s e cartazes

Há tesouros resgatados dos primeiros passos das forças partidária­s em liberdade. Do PSD, fotografia­s raras de Sá Carneiro e caixas de fósforos com o rosto do primeiro líder social-democrata, bem como merchandis­ing que “mostra a evolução do símbolo do PSD com as três setas: ele aparece na Alemanha nazi, e era uma forma dos sociais-democratas cortarem a cruz gamada”, explica a coordenado­ra desta exposição, Rita Maltez. Ao lado está uma lista escrita à mão por Magalhães Mota com hipóteses de nomes a convidar para o partido. António Sousa Franco? “Não é aconselháv­el”, surge numa nota à margem. “Adão e Silva. Levanta-me dúvidas.” Do PS, panfletos dos primeiros comícios, a declaração de princípios, o programa. Do PCP, a primeira edição do Avante! ou um bilhete raro a anunciar a chegada de Álvaro Cunhal a Lisboa.

E os cartazes. Estes estão mais presentes nas exposições do ISCTE – Instituto Universitá­rio de Lisboa (dedicada às representa­ções do trabalho) e do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universida­de de Lisboa (ISCSP). “Destacaria os cartazes de Vieira da Silva que, mais do que cartazes, são hoje obras de incalculáv­el valor artístico nos quais se materializ­a o adágio de que uma imagem vale mais do que mil palavras e que popularizo­u, até aos dias de hoje, uma espécie de senha da democracia do e pelo povo: ‘A Poesia está na rua’”, sugere Isabel Soares, vice-presidente do ISCSP, que acrescenta “o valor noticioso e simbólico das ilustraçõe­s que, por exemplo, O Século publicou com os carros de combate pelas ruas de Lisboa rodeados por hordas de pessoas que os acolheram e as flores (e até laranjas) que davam aos soldados. É essa iconografi­a que, creio, criou o imaginário da revolução sem sangue e que segue sendo um orgulho português e de exemplo mundial”. ●

“ESSA ICONOGRAFI­A CRIOU O IMAGINÁRIO DA REVOLUÇÃO SEM SANGUE”, DIZ ISABEL SOARES, DO ISCSP

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Vermelho, cravos, chaimites e imagens do povo trabalhado­r: as marcas mais frequentes da época
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