SÁBADO

Um dos dias mais felizes da minha vida!

- JOÃO BARROSO SOARES Político

O25 de Abril foi, e continua a ser, um dos dias mais felizes da minha vida. Não posso dizer que foi o mais feliz, porque sou pai de cinco filhos. Eu tinha 24 anos em Abril de 1974, frequentav­a a Faculdade de Direito da Universida­de de Lisboa, o que fez com que o serviço militar tivesse sido adiado até então. Mas se voltasse a ser expulso da universida­de, como já tinha acontecido várias vezes, teria de me apresentar na tropa a qualquer momento. A minha família, como se sabe, tinha uma longa tradição de combate à ditadura. Os meus avós paterno e materno – sobretudo o meu avô João Soares, com quem vivíamos e que marcou muito a educação da minha irmã e minha. E os meus pais. O meu pai foi das pessoas que mais vezes foram presas. Doze vezes sem contar com a prisão breve que deu origem à deportação para São Tomé e Príncipe, em 1968.

Tive a sorte de nunca ter sido preso, mas considero que isso é hoje uma lacuna na minha vida cívica. Salgado Zenha, grande amigo da família, a propósito dos processos disciplina­res na faculdade, disse-me, com graça: “Tu agora tens é de ser preso.” A 25 de Abril os meus pais estavam em Paris, onde o meu pai viveu exilado desde 1970. Eu tive a felicidade de poder viver o dia 25 em Lisboa e muito de perto. Ao contrário de algumas pessoas que nesse dia não saíram de casa, eu e a minha irmã fomos para a rua muito cedo. Depois de recebermos um telefonema da minha querida tia Fernanda, mãe do Eduardo e do Mário Barroso, a dizer “liguem a rádio que a revolução está na rua”. Pegámos no carro da minha mãe e fomos para o República. O vespertino República sempre foi um jornal de oposição, e o mais censurado. Concentrar­am-se ali nessa manhã grandes figuras do PS, como Salgado Zenha, Gustavo Soromenho e José Magalhães Godinho. O República foi então uma espécie de quartel-general civil desse dia.

Nessa manhã, o Raul Rego, diretor, o Vítor Direito, subdiretor, e o Álvaro Guerra chefe de redação, com a ajuda dos que já citei, tiveram de decidir se mandavam ou não as provas do jornal para os serviços da censura frente ao República, na Rua da Misericórd­ia. A decisão foi arriscada porque a essa hora a sorte da revolução ainda não se sabia se estava decidida. O República foi o único a sair no dia 25 de Abril com uma barra em letras vermelhas que dizia “este jornal não foi submetido a nenhuma censura”. Eu e o Pedro Coelho pegámos num braçado dos primeiros jornais que saíram da rotativa e fomos distribui-los para a rua. E com eles chegámos no Largo do Carmo junto ao Salgueiro Maia. Já havia então uma grande pressão de milhares de pessoas entusiasma­das que queriam ver e que forçavam a entrada no Largo. Davam flores aos militares – os cravos vermelhos que se tornaram o símbolo da Revolução. Esta participaç­ão popular foi espontânea e não organizada, sublinhe-se. Foi sempre muito pacífica, alegre e sem tensões.

No exílio, no dia seguinte, em Paris, o meu pai, corajoso e otimista como sempre foi, quis logo voltar. Não conseguia conter o entusiasmo e a vontade de regressar à Pátria. O dr. Vieira de Almeida costuma dizer que nunca viu ninguém tão otimista como ele, mesmo na cadeia. O meu pai achava sempre que a derrota da ditadura, a revolução, estava para vir daí a dias. Corajoso meteu-se no comboio e chegou a Santa Apolónia na manhã do dia 28 de Abril – o que quer dizer que se meteu no comboio no dia 27 de manhã, em Paris. Foi recebido a 28 por uma grande multidão. Depois do discurso à varanda da estação, meteu-se no nosso carro e fomos leva-lo à Junta de Salvação Nacional. Aí encontrou-se com o general Spínola. E bateu-se pela imediata legalizaçã­o dos partidos políticos. Foram dias fantástico­s esses iniciais de Abril. O 1.º de Maio de 1974 foi também inesquecív­el. Foi mesmo o 1.º de Maio! Nunca vi nada assim na nossa terra. Uma coisa tão abrangente e de um entusiasmo tão genuíno. As pessoas não queriam ditadura, estavam ansiosas por mudança. Estamos a falar de um País, o nosso Portugal, que em 1974 tinha a maior taxa de analfabeti­smo e de mortalidad­e infantil da Europa.

Passados 50 anos, continuo a ter como sempre uma visão otimista. O 25 de Abril, plantou valores como a Liberdade e a Paz. Eles continuam vivos, ninguém os conseguirá arrancar. Acredito, profunda e sinceramen­te, que a nossa democracia não corre riscos. Apesar de algum cresciment­o da extrema-direita. O que tem falhado é a pedagogia para explicar às novas gerações como era o País antes da revolução. Não há comparação entre a noite, o negrume mais profundo, e o Sol.

O 25 de Abril está vivo e recomenda-se.

Viva o 25 de Abril. Abril de 1974. ●

“TIVE A SORTE DE NUNCA TER SIDO PRESO, MAS CONSIDERO QUE ISSO É UMA LACUNA NA MINHA VIDA CÍVICA”

“O MEU PAI ACHAVA SEMPRE QUE A DERROTA DA DITADURA ESTAVA PARA VIR DAÍ A DIAS”

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