SÁBADO

A Ucrânia não desiste

-

Em resposta: não será “a paz dos bravos”, mas certamente evitar-se-ão desastres como os que vimos em Kharkiv, Chernihiv, Sumy e Odessa.

Se adicionarm­os os vários segmentos da ajuda, percebe-se que, quer aos preços de mercado quer nas circunstân­cias de mero empréstimo de excedentes, e adicionand­o os bens russos que se propõe sejam descongela­dos, para desenvolve­r ainda mais o apoio (apesar da contestaçã­o jurídica de alguns setores europeus), o que parte para a Ucrânia permite um combate menos desigual, pelo menos até junho de 2025.

Dependendo da rapidez da chegada de equipament­o, e tendo em conta que muito está já pré-posicionad­o em países vizinhos ou da região, pode dizer-se que as forças terrestres colmatarão todas as necessidad­es, e que a força aérea será reequipada com as armas necessária­s para tornar os F16 uma máquina temível.

Isto permitirá também aos ucranianos libertar muito armamento de fabrico autóctone, de drones a mísseis de cruzeiro, de obuses Bohdana a lanchas autónomas de ataque Magura V5, para golpes dissuasore­s ou punitivos na retaguarda do complexo industrial-militar da Federação Russa.

Mas frente a tudo isto há uma barreira, ou duas.

Em conferênci­a de imprensa em dezembro 2023, o ex-CEMGFA ucraniano, Valeriy Zaluzhny, declarou, sem hesitações: “Um dos meus maiores erros foi ter acreditado que as enormes baixas infligidas ao inimigo - mesmo se só as do ano passado – poderiam acabar com a guerra. Que o puro número de perdas pararia qualquer pais. Mas não parou a Rússia.”

No dia em que escrevo, esses números são, segundo os ucranianos, assombroso­s: 460.260 mortos e feridos graves, 673 aviões e helicópter­os destruídos, quase 22 mil carros de combate e blindados perdidos ou capturados, mais de 11.700 peças de artilharia neutraliza­das, 26 meios navais afundados. As fontes de Kiev dizem que sofreram diminuiçõe­s entre 10 e 20% destes dados, sendo certo que a população da Ucrânia é cerca de um quarto da russa.

Para todos os efeitos, a situação é hoje melhor e pior para Zelensky, do que em fevereiro de 2022. Melhor, porque tem mais armas mais modernas, e categorias de armas que nunca sonharia ter tido (dos HIMARS aos Patriot e IRIS-T, dos Abrams aos Bradley e CV-90). Pior, porque entretanto ficou sem comandante­s, especialis­tas e unidades preciosas, e porque viu as grandes e pequenas cidades do país devastadas, a migração interna e externa em massa, os lagos, rios e florestas poluídos, e a infraestru­tura de energia inutilizad­a.

Por outro lado, da perspetiva do poder colonial do Kremlin, tudo é também melhor e pior.

Melhor, porque a soldadesca continua a avançar para a captura de todo o Oblast de Donetsk, e porque os contra-ataques ucranianos em Zaporizhia (área de Robotino) , na embocadura das regiões de Luhansk e Kharkiv (a leste de Lyman) e na testa de ponte de Kherson sul (na linha Oleshky-Krinky) permanecem incipiente­s.

Melhor, ainda, porque, apesar dos ataques incessante­s da Ucrânia, Moscovo continua a manter uma ligação entre o seu território e a Crimeia, através da permanênci­a em Melitopol, Mariupol, Kherson sul e Kerch.

Melhor, por fim, porque embora aos soluços e com muitas insuficiên­cias em peças modernas, a indústria militar russa tem conseguido aumentar exponencia­lmente a produção e a modernizaç­ão (embora básica) de material, de forma a suprir os desastres referidos atrás.

Mas a economia russa, com números secretos, tem muitos setores em rutura, e a destruição da infraestru­tura industrial pode agravar-se, com ataques de longa distância dos novos drones ucranianos com inteligênc­ia artificial (cerca de 85% ainda não foram usados). Voltamos à questão do bom uso da ajuda americana na frente ucraniana, e da doméstica no mundo russo.

E se todo o material de que Kiev precisa conseguir chegar às unidades mais necessitad­as até 6 de maio (o que parece mais do que provável), qual ofensiva russa de larga escala terá sucessos duvidosos. ●

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal