OQUEPENSA A PSICÓLOGA QUE“CURA” GAYS?
Maria José Vilaça fala, pela primeira vez, do abaixo-assinado que lhe dirigem, devido às suas posições sobre a homossexualidade. Não parece preocupada, mas antigos pacientes e membros da comunidade LGBTI+ queixam-se dela.
Caminha tranquilamente pelo jardim de casa do filho, refúgio a meia hora de Lisboa (em Vila Franca de Xira). Os pássaros e a envolvente verde, junto à piscina, ajudam-na a abstrair-se da polémica em que está envolvida. Se há ansiedade ou preocupação não se notam, mesmo sendo a psicóloga mais controversa do momento: Maria José Vilaça, 64 anos, alvo de um abaixo-assinado com cerca de 1.600 assinaturas, devido à sua participação num congresso sobre homossexualidade de uma congregação católica em Fátima (12 a 14 de abril).
Os peticionários enviaram o documento para a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) – até à hora de fecho desta edição estava em análise pelo conselho jurisdicional –, questionando a sua deontologia pelo histórico de alegadas práticas de conversão sexual aplicadas a pessoas LGBTI+ (criminalizadas desde o início do ano pela lei nº 15/2024 do Código Penal, ver caixa) e declarações polémicas. Um exemplo: quando disse que considerava a homossexualidade uma doença, no âmbito do tema Há Esperança para os Homossexuais, disponível no YouTube, através do canal Infovitae.
Para tudo isto Maria José tem respostas, embora só as dê à SÁBADO por escrito. É a primeira vez que se pronuncia sobre a situação, medindo as palavras. “Infelizmente nos tempos que correm é a melhor forma de esclarecer, sem dar azo a interpretações e a comentários do ‘diz que disse’”, diz.
O evento terá sido “empolado” pela presença de Luca di Tolve (cujo painel se chamava “Eu Fui Gay... hoje sou um pai de família”), justifica Maria José. A psicóloga falou antes dele sobre “Homossexualidade, o que nunca vos foi dito.” Que segundo a própria, abordava o que dizem o Catecismo e a carta Dignidade Infinita do Papa Francisco acerca do assunto. “Num contexto religioso pareceu-me adequado falar da doutrina.”
O abaixo-assinado “parte de uma premissa errada”, alega: “A de que
eu estive a fazer ou a promover terapias de conversão num encontro de jovens em Fátima. Tal não aconteceu, nem nada de parecido, não estou preocupada porque a razão de ser desse abaixo-assinado cai por terra pela base.”
Em menos de 36 horas, nas vésperas do congresso, um grupo de quatro pessoas divulgava o abaixo-assinado por WhatsApp, email e passa-palavra. “A nossa preocupação é que este tipo de conferências possa trazer dano às pessoas que já estão em sofrimento, independentemente da fase de aceitação da sua identidade”, diz à SÁBADO um dos elementos do grupo inicial, médica de cuidados intensivos (católica e da comunidade LGBTI+) que pede anonimato por questões pessoais, embora esteja assumida no trabalho e em família. Além de católicos, houve ateus, psicólogos e simpatizantes da causa LGBTI+ a assinarem.
Na conferência em Fátima estariam entre 60 a 100 pessoas na assistência (incluindo os três filhos da psicóloga, entre os 27 e 33 anos, que a apoiaram dado o “barulho” mediático). Houve quem lhe fizesse perguntas e agradecesse, recorda. “Pelo facto de não termos cedido às pressões dos media, que tentaram levar ao cancelamento, por manifesta falta de informação.” E cita um comentário que lhe parece ilustrativo: “Esta senhora tem mais amor por pessoas homossexuais ou transexuais do que aqueles que a atacam. Ela entende o sofrimento e o direito que eles têm a serem acompanhados nesse sofrimento.”
A questão é mesmo essa: a forma como acompanha os casos. Um antigo paciente, homossexual, que pede o anonimato, conta à SÁBADO a sua perspetiva das sessões: “Ela acredita mesmo no que diz, associa os comportamentos à falta de uma figura paterna, arranja justificações sem fundamentos científicos. Vários amigos meus tiveram terapia com ela e desistiram porque o processo provocou-lhes sofrimento.” O mesmo aconteceu com ele, saía das consultas “incomodado” pela “negação” do amor entre dois homens. “Tudo o que existisse além da amizade era errado e pecado, atribuindo, indiretamente, a culpa à pessoa pelo que sentia.”
A OPP explica à SÁBADO, via fonte oficial, que as terapias de conversão são inaceitáveis. E que cabe ao conselho jurisdicional – “um órgão independente, isento e imparcial”, constituído por cinco psicólogos eleitos pelos pares e um consultor jurídico – analisar o abaixo-assinado. Este órgão pretende “zelar pelo cumprimento da lei, do estatuto e dos regulamentos internos.”
Cura do pecado?
Do ponto de vista terapêutico, Maria José diz agora não fazer sentido falar de “cura” da homossexualidade. “Poderia dizer-se curada no sentido de a pessoa se ter libertado de um comportamento considerado pecado. Pecado não é doença, mas a ambos se pode aplicar a palavra cura.”
Católica (“profundamente com
A PSICÓLOGA NEGA AS ACUSAÇÕES E DIZ QUE FALOU EM “CURA” NO SENTIDO DE LIBERTAR A PESSOA DE UM PECADO
“TUDO O QUE EXISTISSE ALÉM DA AMIZADE ERA ERRADO E PECADO”, DIZ UM ANTIGO PACIENTE
prometida com a Igreja”), e já avó (tem três netos), a psicóloga nega todas as acusações que lhe são dirigidas. “Mais importante e grave do que a visibilidade que tive, foi terem tentado fazer de mim um peão numa guerra ao estilo Benfica vs. Porto e usar-me como arma de arremesso. Não aceitei sê-lo na altura como continuo a não aceitar. No fim do dia estamos a falar de pessoas em sofrimento e que independentemente da sua orientação sexual têm o direito a ser tratadas com dignidade. É com elas que eu me preocupo.”
A sua intervenção terapêutica assenta “na análise da experiência da pessoa”, argumenta, e em “aumentar os graus de liberdade para que a pessoa possa ser responsável pelas suas decisões”. Segue a corrente da logoterapia (abordagem que procura o sentido das coisas, e que estudou na Asociación Española de Logoterapia, em Madrid). Dá consultas duas vezes por semana, em Lisboa. Ocasionalmente, também trabalha como tradutora e mantém-se em atividades ligadas à Pastoral da Família de Lisboa (ajudou a criar o grupo Livres para Amar, de adultos “com atração pelo mesmo sexo que, de livre vontade”, vivem em castidade). Porque à luz da Igreja, a homossexualidade é aceite desde que não praticada.
Para o dirigente da associação de gays católicos Rumos Novos, as posições de Maria José funcionam como um doutrinamento que tem por base a fé, “para que a pessoa viva de acordo com determinados pressupostos, que a doutora e outros setores da própria Igreja definem como sendo os corretos. Não é assim”, argumenta à SÁBADO. Quem procura este tipo de terapias fá-lo, muitas vezes, por pressão familiar ou das paróquias, segundo o mesmo responsável. E não é bem-sucedido, acrescenta. Ou seja, não se converte.
Maria José começou tardiamente a carreira em Psicologia, aos 40 anos, exerce há 24. Antes, viveu fora do País, tirou um curso de turismo, trabalhou em marketing. Sabe argumentar e nesse sentido volta a defender-se de uma das maiores polémicas em que se viu envolvida. Em janeiro de 2019, a TVI transmitiu a
MARIA JOSÉ VILAÇA DIZ QUE JÁ FOI AMEAÇADA NAS REDES SOCIAIS E QUE AS PESSOAS ESTÃO “DESINFORMADAS”
reportagem “Grupo Secreto quer Curar Homossexuais”, conduzida pela jornalista Ana Leal (atualmente no Investigação SÁBADO, a passar na CMTV). Um doente filmou-a com câmara oculta nas consultas, quando comparava a homossexualidade a um quase surto psicótico de bipolaridade (com fases maníacas e depressivas). Registou, pela mesma via, as sessões de grupo que decorriam à noite na igreja de Nossa Srª do Carmo, no Lumiar, em que o padre doutrinava estes “pecadores”. O grupo da Igreja, “de natureza pastoral”, especifica a psicóloga, já não existe. Terminou na pandemia.
Ameaças de morte
Nas redes sociais, Maria José é ameaçada, por vezes, no Messenger. Diz que quem o faz são pessoas “desinformadas” sobre ela e sobre o que diz. “Tenho pena que deitem os ressentimentos para fora, agredindo os outros. O tipo de mensagem oscila entre o simples insulto e a ameaça de morte.”
Politicamente considera-se “órfã”. Não se revê em nenhum partido. Prefere voltar ao seu ponto de vista católico, “em que a família é fundada na união estável entre um homem e uma mulher com vista ao bem comum, que implica o dom recíproco dos dois esposos de forma livre, total, fiel e fecunda”. Nesta linha de pensamento, a união de pessoas do mesmo sexo não se integra.
Defende o direito à livre escolha terapêutica, “para resolver a sua atração indesejada por pessoas do mesmo sexo”. Invoca várias razões como: a insatisfação; o abuso sexual ou outro tipo de trauma (refere que em comunicado de 2014, a American Psychological Association concordou com “o facto de que muitas vezes os abusos na infância podem ter como consequência uma perceção da sexualidade como atração pelo mesmo sexo”). Resumindo, as pessoas têm o direito de abandonar comportamentos sexuais e experiências que não são satisfatórias e “curar sentimentos e comportamentos originados por um trauma.” Apesar do abaixo-assinado, Maria José Vilaça não teme a polémica. ●