A inspiração de Pedro Jóia
APAIXONADO POR JOSÉ AFONSO DESDE MIÚDO, O INSTRUMENTISTA PEGOU EM DEZ TEMAS DO CANTAUTOR PORTUGUÊS E REGRAVOU-OS APENAS À GUITARRA, ASSIM MESMO, SEM PALAVRAS, NO DISCO `ZECA'
INSTRUMENTISTA FAZ HOMENAGEM A ZECA AFONSO
Fazer um disco sobre Zeca Afonso já era um sonho antigo. O que é que fez desbloquear esse sonho de forma a torná-lo realidade? Este sonho tinha de facto muitos anos, mas por vicissitudes várias nunca foi concretizado. Curiosamente, acho que o Fausto foi o catalisador disto tudo. Estávamos a almoçar e a determinada altura ele disse-me: “Se o Zeca te ouvisse tocar nunca mais te largava”. Eu respondi-lhe que até tinha um projeto pensado e ele praticamente obrigou-me a tirá-lo da gaveta [risos]. Disse: “Não é tarde nem é cedo, vais fazê-lo agora”. O Pedro era adolescente quando o Zeca morreu. Que memórias tem dele? Infelizmente, nunca vi o Zeca ao vivo. Tinha 16 anos e já começava a aspirar a músico quando ele morreu. Os meus pais ouviam muito a música do Zeca lá em casa. Ele estava muito presente, como acho que em casa de muitos miúdos da minha geração. Lembro-me perfeitamente do dia da sua morte. Senti uma enorme tristeza. Pensei logo: “ago
ra é que eu nunca vou conseguir vê-lo”.
E este disco tem a aprovação da viúva do Zeca!
Sim. A Zélia foi a segunda pessoa, a seguir ao Fausto, a saber que eu ia fazer isto. E foi das primeiras a ver o resultado final. Sempre foi uma preocupação minha que ela estivesse a par de tudo.
Sendo fã do trabalho do Zeca Afonso, como foi pegar nestes temas e despi-los de palavras?
A música do Zeca é um património tão grande e ainda tão vivo, que é preciso ter
muito cuidado na sua abordagem. Por isso, a minha maior preocupação foi não desvirtuar a força da sua música, mesmo sem as palavras, o que não é fácil, porque toda a palavra do Zeca tinha uma força enorme.
Mas não sentiu sequer a tentação de convidar um ou dois cantores?
Não. Desde o início que eu quis que este disco fosse todo ele instrumental. Eu queria provar a mim mesmo que a música do Zeca sobrevive às palavras. Esse foi de resto, o ponto de partida. Aliás, em criança foram as músicas e não as palavras do Zeca que me cativaram.
E neste processo de desconstrução, o que descobriu sobre a música dele?
Quando se mergulha de cabeça numa obra, encontram-se sempre coisas novas e outras dimensões. Dentro da simplicidade, descobri que a intemporalidade da obra do Zeca é uma coisa notável. Quem a ouvir daqui a cem anos vai continuar a sentir uma enorme atração por ela. Eu escolhi estes temas em particular porque são dez melodias muito fortes que abrangem alguns períodos da criação musical do Zeca, desde ‘Balada de Coimbra’ até trabalhos já de 1973 com produção de José Mário Branco. E depois houve o lado guitarrístico. Eu queria que estas peças me soassem bem na minha guitarra. Experimentei algumas, por exemplo, que não resultaram tão bem, porque lá está, se calhar em alguma faltava mesmo a palavra.