O REGRESSO DA BANDA ANTI-POP
GRUPO DE JOÃO PESTE VOLTA AOS DISCOS DEZ ANOS DEPOIS DO ÚLTIMO REGISTO. `TRANSGRESSIO GLOBAL' REÚNE TEXTOS ORIGINAIS COM PALAVRAS DE VICTOR JARA, LUÍS VAZ DE CAMÕES OU CATULO
Na música dos Pop Dell’Arte não há nada que não soe a singular, a insubordinação ou a rebeldia. Nela há sempre algo de novo, moderno, contemporâneo por mais anos que passem, mas há sempre também um classicismo renovador em busca da harmonia das formas e da idealização de uma realidade própria.
Pop Dell’Arte é sempre um caminho alternativo às autoestradas da música comercial que convidam à correria e às modas passageiras. “Não pretendo atingir nenhum consenso e nenhuma música que agrade a toda a gente, dos bebés aos octogenários. Quero continuar a fazer a música que sei fazer e que eventualmente possa agradar àqueles que gostam de nos ouvir”, diz João Peste, a força criadora do grupo que se formou no bairro de Campo de Ourique, em Lisboa, corria o ano de 1985.
Ora serve isto para dizer que o novo disco dos Pop Dell’Arte, ‘Transgressio Global’, o primeiro em dez anos, é mais um manifesto anti-pop e antissistema. Aqui misturam-se, por exemplo, com as letras de João Peste, as palavras de nomes como Victor Jara, Luís Vaz de Camões ou Gaio Valério Catulo, poeta latino do século I A.C.. Aqui encontra-se desde um poema anacreôntico grego de autor desconhecido, até um texto escrito entre 2013 e 2015 durante o período da troika e do governo liderado por Pedro Passos Coelho. “O que une tudo isto é um conceito de transgressão, dado o contexto e as épocas diferentes, daí o nome do disco”, explica João Peste, exemplificando: “o Catulo era ele próprio um poeta transgressivo no seu tempo e a abordagem dos Pop Dell’Arte também pode ser considerada transgressiva de alguma forma.”
Quinto álbum de estúdio,‘Transgressio Global’ esteve na forja nos últimos seis anos, sendo o sucessor de ‘Contra-Mundum’ lançado em 2010. “Andámos muito tempo a promover esse disco e só depois é que começámos a trabalhar neste novo álbum. Foi um processo demorado que começou em 2014”, adianta João Peste, que fala num “disco que partiu de conceitos e pequenas ideias e que se foi construindo como um puzzle”.
Composto por 21 temas, ‘Transgressio Global’ é transgressor até no formato extenso com que chega ao mercado, isto numa altura em que a música é cada vez mais vendida em singles, em formatos reduzidos e em que se levanta a questão se vale ou não a pena gravar discos? “Claro que vale a pena gravar discos. Eles são feitos para os artistas se expressarem e deixarem uma marca no seu tempo. O que interessa é fazer as coisas, e não pensar em questões de mercado, que são meramente economicistas. Nós não fazemos música comercial, fazemos música como expressão e visão das coisas. Acredito que é uma marca que vou deixar e que me representa a mim e à minha banda”, desabafa João peste.
‘Transgressio Global’ devia ter sido apresentado ao vivo no Grande Auditório do CCB no passado dia 27 de março, mas o espetáculo, que chegou a ser remarcado para 8 de maio, acabou definitivamente cancelado por conta da crise pandémica. “Não há muito a fazer. O importante é agora respeitarmos as regras recomendadas, porque só assim é que tudo isto poderá voltar à normalidade.”
“OS DISCOS SÃO FEITOS
PARA OS ARTISTAS DEIXAREM UMA MARCA
NO SEU TEMPO”