Frank-Jürgen Richter
É consultor de governos e lidera o think tank que fundou depois de sair do Fórum Económico Mundial e que em Maio trará mais de 600 pessoas a Cascais para uma cimeira internacional. É um optimista – sobre Portugal e o mundo.
Consultor fala do “milagre português” na economia
Frank-Jürgen Richter oferece um bom exemplo da mudança de percepção externa sobre Portugal. Se há uns anos o País era retratado na imprensa mundial como tendo um enorme problema de qualificações escolares, Richter aponta que uma das suas grandes vantagens é a mão-de-obra jovem qualificada; se o rótulo de “periférico” colava ao País, para Richter Portugal está no centro entre o Ocidente e o Oriente; se no mercado o País era o P do acrónimo PIGS, agora é “um milagre”. O alemão de 51 anos foi director do Fórum Económico Mundial, gestor de multinacionais na Ásia e é hoje um consultor com acesso a governos e media influente em todo o mundo, e líder do think tank Horasis. Admite que há riscos novos – a degradação da política no Ocidente, a expansão da China e os avanços na inteligência artificial –, mas é optimista em todas as frentes.
Em Portugal, há pouco tempo estávamos em crise profunda e agora estamos na moda, o que por vezes nos deixa a nós, portu- gueses, perplexos. Qual é a explicação para quem assiste de fora?
Eu chamo a isto o milagre português. Os portugueses não entendem porque de repente está tudo na moda. Talvez seja da localização do País. Estão na ponta, mas também no centro. Estão a ligar o Ocidente e o Oriente. Muitos americanos que vêm aqui e investem dizem-me que Portugal pode ser o novo Silicon Valley. O estilo de vida é muito bom, com muito sol e perto do mar, e isso é importante para esta nova geração de trabalhadores.
Uma geração de trabalhadores qualificados e móveis.
Sim. Já não vão para Estocolmo ou para Berlim, vêm para aqui. Singapura e Hong Kong são outras opções, mas, na Europa, é Lisboa que está num boom. Há oito anos, Portugal caiu e teve de se reinventar, houve a abordagem da austeridade. O actual governo fez bem ao ver que tem de estar de alguma forma na austeridade, mas que tem também de se abrir ao investimento. Iniciativas como a Web Summit põem Portugal no mapa. Nós esco- lhemos Portugal e podíamos ter ido para outros países.
Porque escolheram Portugal?
Gostamos de países pequenos. Têm a vantagem de ser focados. E Portugal não só está orientado para economias como Moçambique ou Angola, mas também para a América Latina e agora mais para a Ásia, com a China. A ligação à China é muito interessante.
Fala muito com investidores estrangeiros. O que aconteceu em Portugal e no mundo para trazer para aqui esses investidores?
No passado, as pessoas achavam sempre que os impostos eram a coisa mais importante [para atrair investimento], mas não são. Os investidores olham para os impostos, claro, mas não é por aí. A coisa mais importante é uma classe educada
“Os salários são baixos, o que é uma vantagem. Mas não é esse o ponto principal: é a educação dos jovens”
de inovadores, jovens. O nível de educação [em Portugal] é muito alto. Os portugueses costumavam sair do País e agora ficam. As oportunidades estão aqui agora, há um momentum.
Está optimista.
Sim, senão não estaríamos aqui. Acho que o melhor ainda está para vir. Comparando Portugal com outros países vizinhos, como Espanha, o País sempre foi muito globalizado, as pessoas falam inglês. Há muitos incentivos para os investidores estrangeiros e, claro, o custo é moderado.
Está a falar dos salários?
Os salários são relativamente baixos, o que é uma vantagem, mas esse não é o ponto principal. É a educação dos jovens. Portugal está no bom caminho. Talvez no futuro devam construir uma Harvard ou uma Stanford, algo de classe mundial que atraia mais pessoas. Talvez devam estudar Singapura como modelo de como atrair novas indústrias. Há 10 anos, identificaram a indústria de biotecnologia e hoje Singapura é um centro mundial da biotecnologia. Foi o governo que identificou. Talvez aqui se precise de um pouco mais de planeamento de longo prazo.
É interessante que mencione Singapura porque, tal como na Coreia do Sul, foi sempre o governo que apontou o caminho. Isto vai contra a ideia de que não é função do governo fazer isso, mas dos privados.
Se as coisas estiverem a acontecer, óptimo. Mas precisamos sempre de planeamento de longo prazo. Os chineses são mestres a planear a longo prazo. Têm think tanks a pensarem a 50 anos. Singapura também. Aqui temos os ciclos políticos de quatro anos, os governos vão e vêm. Eu adoraria ver os governos no poder por mais tempo – se forem bons, claro (risos).
Defende mandatos mais longos?
Sim. Eu começaria com cinco anos, mais um ano do que hoje. Ter um Estado forte a liderar o planeamento, mas deixar a execução aos privados. Precisamos de uma mistura entre capitalismo e pensamento estratégico do governo.
Neste mundo de que está a falar, a principal distinção na política é entre esquerda e direita?
Não devemos dividir entre esquerda e direita, mas entre rápido e lento e talvez entre extremista e não extremista. Às vezes a extrema-direita e a extrema-esquer-
“Não devemos dividir entre esquerda e direita, mas entre rápido e lento, entre extremista e não extremista”
da estão muito próximas. Pense em Itália ou na Grécia. Portugal é um bom exemplo, uma excepção, porque não há grandes extremos aqui. É muito centrista.
Os partidos nas margens alimentam-se de quem fica para trás no processo de globalização...
Esse é o ponto. Sou a favor da globalização, mas esta gera descontentamento. Tirou muitas pessoas da pobreza, mas nem todos podem segui-la. É aí que o Estado entra com a rede social para os que ficam para trás – ou então estes vão para os extremos, como nos Estados Unidos. A globalização deve ser domada. O papel do Estado é domá-la e torná-la mais benigna. A questão é como fazê-lo. Vamos discutir isso na nossa cimeira.
Fala muitas vezes na China. Muitos pensavam que o desenvolvimento económico levaria a China para a democracia. Mas está a acontecer o oposto. Porquê?
Não diria que estamos a ver o oposto. A China está em transição. Quando o Presidente Xi Jinping chegou ao cargo, a corrupção era galopante e uma das primeiras iniciativas foi cortá-la. Ele fez isso pela força. Alguns comentadores no Ocidente dizem que foi demasiado. Eu digo que foi necessário porque a China era um país muito corrupto e agora a corrupção está quase ausente.
Isso é uma afirmação ousada.
Se for fazer contratos oficiais na China [verá que] é totalmente transparente, o oposto do passado. Vivi na China nos anos 90, na altura o país era muito corrupto, havia muita pequena corrupção. Agora, o país é “limpo” a partir do topo. Há uma transição. Um dos pontos de que se fala é o facto de o Presidente estar no poder por mais de dois mandatos, as pessoas dizem que isso não é democrático. Claro que a China não é uma democracia ocidental, mas pense nos líderes europeus: eu sou da Alemanha e a chanceler Merkel foi eleita para o quarto mandato.
Mas foi eleita.
Foi eleita, mas não há restrição na duração do poder. Penso que no longo prazo a China será transformada. Quer ser vista como uma nova força da globalização, ocupando talvez o lugar em que a América esteve antes.
A China tem comprado negócios por todo o mundo e em Portugal a presença é enorme. Alguns think tanks influentes na Europa avisam que isso pode dividir a Europa de uma forma que nem a Rússia conseguirá. Vê aqui risco?
Portugal talvez seja o número um, começaram com empresas de seguros, a EDP e outros. Mas começaram recentemente a ir para a Alemanha, onde estão a comprar empresas de alta tecnologia como a Kuka [produtora de robôs industriais]. E isto levantou sobrolhos. A Kuka é essencial para a indústria e só agora com o novo governo alemão as pessoas estão a pensar na China e na forma como se entregam facilmente empresas. Mas tenho de dizer que as empresas são privadas. O Estado não tem de se meter. A Kuka é privada.
Um dos temas da cimeira é a Inteligência Artificial (IA). Relatórios de várias instituições têm alertado para o risco deste desenvolvimento para a nossa própria segurança. Está mais entusiasmado ou receoso?
Estou mais entusiasmado. É o futuro e não podemos pará-lo. Quando vejo as vantagens da IA penso no que de certa forma pode substituir a inteligência humana no longo prazo – e diria que é assustador. Vemos já computadores a comporem música, o tipo de coisa que só podia vir do nosso cérebro. Poderemos mesmo ver governos a serem geridos por IA. Aqui os humanos têm de entrar. O desafio é saber se temos as capacidades humanas para controlar a IA.
E temos?
Temos de ter.
Em 2018, o mundo parece um sítio pior do que há cinco anos: populismo, iliberalismo político e mau uso da tecnologia, como vemos no caso do Facebook, tudo ameaças à democracia. Concorda com este diagnóstico?
O mundo está, de facto, numa posição precária. Olhamos para as notícias e cada dia perguntamos o que vem aí. Mas não estou certo de que esteja num sítio pior. Sempre houve tensões, sempre houve dificuldades, mas no fim fomos sempre capazes de as ultrapassar. Precisamos de um novo sentido de comunidade, deixar cair a orientação de curto prazo.