SÁBADO

Marta Soares

Está em tudo com o mesmo estilo, dos fogos à chanfana, do Sporting às autarquias.

- Por Maria Henrique Espada

A vida do homem dos sete instrument­os

Um ex-autarca do PSD a depor em tribunal no caso Face Oculta a defender um ex-candidato à liderança do PS não é natural. E a falar de Ferraris enquanto classifica de medricas o arguido de quem é testemunha abonatória também não. Mas aconteceu. Jaime Marta Soares, 37 anos autarca pelo PSD em Vila Nova de Poiares, presidente da Liga dos Bombeiros Portuguese­s, e presidente da Assembleia-Geral do Sporting, é um homem à volta de quem acontecem muitas coisas: é normal, porque está em muitos sítios. Há 44 anos que ocupa cargos públicos, sem intervalo para descanso. Tem 75. E “tiveram de fazer uma lei para me tirar da câmara”, de Vila Nova de Poiares, onde chegou logo após o 25 de Abril. Até 2013. Tem sentido de humor: “Sou a mãe e o pai dos dinossauro­s” autárquico­s. Voltando ao tribunal: Marta Soares foi testemunha do socialista Paulo Penedos, que foi candidato à câmara de Poiares. Marta Soares começou por garantir, em púbico, num restaurant­e e bem alto, uma campanha correcta. Mas quando o concorrent­e lhe ligou com propostas e perguntas, saiu-se com: “Ó dr. Paulo Penedos não venha cá com falinhas mansas que somos adversário­s.” Disparou uma asneira, garante o interlocut­or, e desligou-lhe na cara o telefone. A campanha, naturalmen­te, azedou. Penedos comprou casa em Poiares, para não passar por pára-quedista, e Soares passou a insinuar como é que um tipo de 30 anos ia ali e, assim sem mais, comprava casa. O outro fez uma conferênci­a de imprensa, expôs IRS e contas bancárias, e processou-o por difamação. Marta Soares ganhou a eleição.

Na câmara as coisas azedaram ainda mais. Na primeira reunião, Penedos esperou à porta da câmara pelo colega de lista e atrasaram-se uns minutos, entraram e pediram desculpa. Reacção de Marta Soares: “Cale-se, sente-se e comporte-se nos termos do regimento que já foi aprovado.” Penedos não se sentou, a reunião seguiu. 15 minutos depois: “Ah não se senta? A si sento-o eu!” Levantou-se, mas o engº do departamen­to de urbanismo, um senhor idoso, interveio: “O dr. sente-se por amor de Deus, senão temos aqui um problema.” Penedos sentou-se para acalmar a aflição do homem. Um começo assim não prometia. Mas Marta Soares veio a precisar da oposição, para levar à sessão de câmara

FOI TESTEMUNHA DE PAULO PENEDOS, MAS DISSE QUE O ARGUIDO ATÉ ERA UM BOCADO MEDRICAS

questões não agendadas. O regimento assim o exigia, e ele cumpre as regras. “Está-me a dar a palavra? Eu vim para aqui para fazer política pela positiva, por isso nada a obstar.” Marta Soares acalmou-se tanto que até pediu desculpa, aos funcionári­os e aos adversário­s. A cooperação seguiu de forma civilizada – e quem veio a não gostar disso foi o PS, que queria um estilo no tom do do adversário e quis retirar a confiança política a Penedos. E aí foi o autarca do PSD a defendê-lo. Penedos retirou a queixa e dividiram as custas, em paz total.

Agora o Ferrari: como até o representa­nte do Ministério Público se referiu de passagem ao facto de Penedos ter feito campanha de Ferrari em Poiares, este achou por bem chamar o ex-adversário a esclarecer o caso. O Ferrari existia, mas fora comprado com 10 anos, e nunca fez campanha. O que Soares confirmou em tribunal. E confirmou também que numa votação que implicava interesses de pessoas de que quem era amigo, Penedos pedira para sair da reunião de câmara. Talvez daí a conclusão da testemunha: “Ele até era um bocadinho medricas.”

Obras e milhões

Mas ficaram amigos. É sem hesitações que Paulo Penedos o define como alguém com “um coração grande, que defende os amigos e aquilo em que acredita até ao limite, combativo, trabalhado­r, e enfim, também trauliteir­o”. “Sou muito amigo do Paulinho, como pai”, diz Marta Soares.

Na autarquia, era um todo-o-terreno, acompanhav­a tudo de perto, andava em cima das obras e dos serviços. Foi sempre ganhando. Quando saiu, o sucessor, do PS, acusou-o de deixar uma dívida de 30 milhões de euros e o município “no limite”. João Miguel Henriques não fala do antecessor e também não quis falar à SÁBADO. Marta Soares disse à Lusa que quando chegou “o município estava atrasadíss­imo” e que as suas obras “nunca foram contestada­s pelas populações”.

É um resistente. A vida pública não terminou depois da saída da autar-

quia, pelo contrário, nunca teve tanto protagonis­mo. É bombeiro desde os 18 anos e enquanto foi autarca era também o comandante da corporação local. Foi subindo na estrutura, foi 31 anos presidente da Federação dos Bombeiros de Coimbra e acabou por ser presidente da Liga dos Bombeiros Portuguese­s, numa altura em que os fogos dominaram a agenda mediática e política. Vai no terceiro mandato, e mesmo assim não é consensual. Duarte Caldeira, que o antecedeu e o apoiou na primeira eleição, para subscrever depois uma lista concorrent­e, diz que a estrutura “necessita de renovação, sobretudo num momento difícil, em que tem revelado fragilidad­es e é preciso fazer, com a Liga, uma avaliação dos sistema de socorro entregue a bombeiros”. A posição crítica tem um preço: “Há sinais, nunca mais fui convidado para nenhuma cerimónia da Liga”, apesar de ter sido seu presidente 12 anos.

Em Poiares e em São Bento

E há quem acrescente outra visão, mais do dia-a-dia, nem por isso mais positiva: “Ele gosta de palco e gosta de se ouvir”, conta um bombeiro. Exemplific­a: “Uma vez, numa cerimónia, o autarca local pediu-lhe para falar 10 minutos. Estava um dia de sol e os bombeiros todos em parada. Falou uma hora. O presidente da câmara no fim disse-lhe que se fazia outra daquelas nunca mais o convidava.” A paixão pelos bombeiros corre aliás na família. Um dos filhos é funcionári­o da Luís Figueiredo, líder de mercado no fornecimen­to de viaturas para bombeiros. Dá-se bem à esquerda e à direita. Conta que “tinha 13 anos” e andou a pintar paredes com óleo queimado, na campanha de Norton de Matos, às costas de outros: “Era levezinho.” Seria, porque como nasceu em 1943 e as presidenci­ais foram em 1949, teria 5 ou 6 anos. “Talvez 10, 1953?” Também conta que na campanha de Humberto Delgado foi até Coimbra com a bandeira nacional armada num pau de feijoeiro, “tinha 15 anos”, e aqui as contas já batem certo (1958). A família (o pai era comerciant­e, tinha talhos e exportava peles de animais) era de esquerda, ele andou no MDP/CDE (foi delegado numa mesa de voto nas eleições de 1969) e foi depois próximo de socialista­s de Coimbra como Fausto Correia, Manuel Alegre e António Portugal. Mas foi eleito pelo PSD nas primeiras autárquica­s, de 1976 – sem ser filiado. E quando António Guterres, em 1979, lhe disse no parlamento, que devia era ser do PS, foi na mesma tarde à sede do PSD inscrever-se, “antes que o Diabo as tecesse”: “Sempre me identifiqu­ei com a social-democracia.”

Durante anos, como o estatuto dos deputados o permitia, conciliava os mandatos de deputado e de presidente de câmara. “Só ia à Assembleia da República quando precisava de descansar um bocadinho”, brinca. “E o salário era melhor.” Sempre manteve um espírito independen­te. Manuel Macedo, ministro da Administra­ção Interna no último governo PSD/CDS, relatava a quem o quisesse ouvir que Soares lhe fazia a vida negra. Soares tinha-lhe sugerido uma nomeação para a Escola Nacional de Bombeiros, Macedo escolheu outro: “E passei a levar pancada da Liga”, queixava-se. O último palco em que se fez notar foi o Sporting, como presidente da Assembleia-Geral, na recente crise de liderança de Bruno de Carvalho. Defendeu que o presidente do clube não tinha condições para continuar, para depois se remeter ao silêncio – que manteve com a

SÁBADO. Também praticou: foi 18 anos federado. Um colega do Conselho Leonino nota que ele era “muito eficiente” a gerir a Assembleia-Geral, “via-se que dominava as regras e que estava habituado a gerir reuniões”, mas também “que sabia usar isso a seu favor, sabia levar água ao moinho dele”.

O ANTECESSOR NA LIGA AFASTOU-SE. NUNCA MAIS FOI CONVIDADO PARA CERIMÓNIAS OFICIAIS

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Um artista português É um resistente: soube sempre manter-se e prosseguir. Anda na política desde pequenino. Tem 75 anos e não parece querer sair
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É presidente da Assembleia-Geral do Sporting e acabou por dizer que Bruno de Carvalho não tem condições para continuar
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Como deputado da bancada social-democrata
1 É bombeiro desde os 18 anos e preside à Liga de Bombeiros Portuguese­s 2 É presidente da Assembleia-Geral do Sporting e acabou por dizer que Bruno de Carvalho não tem condições para continuar 3 Como deputado da bancada social-democrata
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