Síria
Entre os 105 projécteis disparados no ataque do passado fim-de-semana à Síria, 19 eram os novos JASSM-ER, nunca testados no terreno, furtivos e de alta precisão.
EUA testam novo míssil em bombardeamentos
Nas ruas de Damasco, a capital da Síria, aquele sábado, 14 de Abril, aparentava começar como habitualmente. Os cafés da avenida Abed ainda não tinham fechado, ocupados pelos últimos resistentes da madrugada, enquanto no bazar do Boulevard Sukhri os lojistas já preparavam as bancas para um dia de vendas. O céu estava claro, ainda iluminado pela Lua em quarto crescente. Excepcional, só a falta de rede no telemóvel, que costuma antecipar as operações aéreas norte-americanas – um bloqueio que chegara já há mais tempo às redes de comunicação militar sírias. Os mais atentos poderiam antecipar que, apesar dos sinais de normalidade, algo aconteceria. Mas o quê? Logo depois começaram as explosões na zona este da cidade. Em dois minutos, pelas 4 horas, 105 mísseis foram disparados de navios cruzadores, submarinos colocados no Mediterrâneo, mar Vermelho e Golfo, e de várias aeronaves ao serviço dos Estados Unidos, Reino Unido e França. A maioria eram Tomahawk, os mísseis (com um custo estimado pelo jornal espanhol El Mundo entre os 700 mil e os 1,87 milhões de euros cada) usados quase em exclusivo pelos norte-americanos no Médio Oriente. Desde 1991 lançaram 1.200, 88% deles nesta região.
A grande novidade saiu da base aérea de Al Udeid, no Qatar, a bordo de dois bombardeiros B-1, desenhados para combater a União Soviética durante a Guerra Fria e que desde 2014 estão ao serviço das forças que combatem o autodenominado Estado Islâmico. Eram 19 mísseis JASSM-ER, construídos por uma das maiores empresas de armamento do mundo – e grande lobista no Congresso em Washington –, a Lockheed Martin. E que se estreavam em operações no terreno da Força Aérea norte-americana (estão igualmente certificados para a Força Aérea australiana). Os britânicos apresentaram também uma nova capacidade tecnológica: oito Storm Shadow disparados pelos caças supersónicos Tornado GR4 tinham novos sensores que os tornam invisíveis aos radares de defesa antiaérea. Mas a estrela mesmo foi a nova arma agora à disposição de Donald Trump. Nas horas anteriores, tinham-se sucedido nas agências de notícias internacionais os artigos sobre possíveis acções militares de resposta contra as armas químicas usadas em Douma no dia 7. O Presidente francês, Emmanuel Macron, garantia ter provas de que fora o regime sírio, de Bashar Al-Assad, a ordenar o ataque que matara pelo menos 60 compatriotas na cidade a cerca de 16 quilómetros da capital. E o embaixador francês nas Nações Unidas juntara-se ao do Reino Unido para pedir uma intervenção militar na Síria. O Presidente Donald Trump, lia-se nas linhas das agências, também estava “certo” e “tinha provas” de que fora o regime o autor do ataque químico e ponderava agir. E estaria para breve, antecipava a Reuters, ou o seu vicepresidente, Mike Pence, não teria “abruptamente” cancelado a sua agenda na sexta-feira à noite, que incluía a o banquete na Cimeira das Américas, no Peru.
Cavalo de Tróia no coração
Perto das 2h da manhã de Lisboa (4h em Damasco), Donald Trump revelou o que planeara: tinha orde-
O SISTEMA DE GPS E INFRAVERMELHOS PERMITE MAIOR PRECISÃO E REDUZIR ERROS E DANOS COLATERAIS
nado “ataques de precisão” a alvos associados à capacidade do regime de Assad de desenvolver armas químicas.
Em simultâneo, os 105 mísseis foram lançados sobre três alvos. O complexo de armas químicas de Him Shinshar, a oeste de Homs, foi atacado com mísseis norte-americanos, britânicos e franceses. O
bunker de armas químicas, a sete quilómetros, foi destruído pelos franceses. E os 19 JASSM-ER, junto com 57 Tomahawk, foram lançados contra o Centro de Desenvolvimento e Investigação Barzah, que fica próximo de Damasco e é considerado “o coração” do programa de armas químicas sírio. Os JASSM-ER, explicaria mais tarde o chefe de Estado-Maior Conjunto dos EUA, Joe Dunford, tinham sido lançados em direcção ao alvo mais próximo das zonas civis, com o intuito de “reduzir indesejáveis danos colaterais”. Com uma precisão de um metro, estes mísseis de 4,27 metros de comprimento e que atingem uma velocidade de 800 km/h, seguem um sistema GPS. E, quando se aproximam do alvo, são guiados através de infravermelhos e por um programa que lhes permite reconhecer a rota e corrigi-la caso esteja errada. A Lockheed Martin garante no seu website que a tecnologia incorporada permite que estes mísseis não se percam mesmo com condições meteorológicas adversas.
Cerca de metade do seu peso é constituído por explosivos (450 kg). Estão a ser produzidos numa pequena cidade com menos de 20 mil habitantes no Alabama chamada Troy. Na tradução para português, a cidade chama-se Tróia, como o célebre cavalo grego que permitiu atacar furtivamente o inimigo – e o nome é apropriado, porque também estes mísseis têm essa capacidade: a tecnologia secreta torna difícil a sua detecção nos radares (o britânico The Times assegurava a seguir ao ataque de sábado que nenhum foi apanhado pelos sistemas de defesa sírios). E, referia o
El Mundo, como têm um alcance de mil quilómetros, os bombardeiros podem largá-los a uma distância segura, evitando as baterias antiaéreas do inimigo. Os mísseis, descritos por estes motivos como mais inteligentes e de maior alcance, estão a ser desenvolvidos desde 2010 e entraram ao serviço da Força Aérea norte-americana quatro anos depois. Até hoje, a Lockheed Martin terá entregado 2 mil, a um valor de 1,4 milhões de dólares cada (mais de 1,1 milhões de euros). Ou seja, só com os 19 mísseis utilizados no ataque da madrugada de 14, os Estados Unidos gastaram 26,6 milhões de dólares (mais de 21,5 milhões de euros).