Carlos Rodrigues Lima
OS BANCOS PODEM NÃO PERCEBER DE DINHEIRO, O QUE TEM ACONTECIDO COM ALGUMA FREQUÊNCIA,
mas se há matéria em que eles são especialistas é em trabalho. Melhor: como acabar com postos de trabalho. Além das sucessivas “restruturações”, os bancos têm colocado, desde há uns anos, os próprios funcionários a cavar a respectiva sepultura laboral. E tudo se resume às corriqueiras perguntas feita pelo funcionários de balcão: “Já é cliente do Net banco? Tem os códigos de activação.” Talvez o trabalhador nunca tenha pensado que, quantos mais clientes encaminhar para o online, menos a sua função é necessária, mas tudo se resume a cumprir objectivos, nem que um desses seja o próprio despedimento. Num mundo em que a condição humana está cada vez mais reduzida a uma relação custo-benefício, esta semana foi conhecida uma análise do banco Goldman Sachs, entidade patronal de Durão Barroso, sobre o impacto financeiro da cura de doenças. Aparentemente, segundo um iluminado, “as curas de doenças podem ser más para os negócios a longo prazo”. De acordo com a CNBC, o analista do Goldman Sachs, de seu nome Salveen Richter, referiu, por exemplo, que os tratamentos da empresa Gilead Sciences para a hepatite C obtiveram taxas de cura superiores a 90%, em 2015. Nesse ano, as vendas nos EUA desses tratamentos para a hepatite C atingiram os 12,5 mil milhões de dólares. Porém, como a doença estava curada, os anos seguintes foram de quebra nas receitas.
Apesar da imoralidade subjacente ao trabalho da Goldman Sachs – talvez normal num país como os EUA, onde a saúde é assumidamente um negócio –, tal tipo de análise deveria provocar calafrios a um cidadão europeu, para quem a Saúde é um dos pilares essenciais de um Estado democrático. O problema é que o pensamento financeiro, tal como o cancro, está a espalhar-se pelas instituições europeias e a contaminar os Estados-membros com a doutrina do défice. É preciso construir um hospital? Va- mos ver se o défice permite. São necessários mais médicos e enfermeiros? Se o défice deixar, tudo bem. É como se um taxista que vê alguém a ter um ataque cardíaco, antes de colocar a pessoa no carro e a levar a um hospital, primeiro vasculha-lhe os bolsos para confirmar se há dinheiro para pagar a corrida.
A recente história da ala pediátrica do hospital São João, no Porto, é apenas mais um infeliz exemplo da degradação do sistema de Saúde e o consequente encaminhamento de doentes para o privado, cujo negócio cresce. Aliás, basta analisar as comparticipações da ADSE no privado para se perceber que o próprio Estado empurra os seus funcionários para os hospitais privados, em vez de os tratar nos públicos.
É certo que, sem dinheiro, pouco ou nada se pode fazer num País. O que não se pode é circunscrever todas as funções do Estado à equação custo-benefício. Curar um doente não é um custo, mas sim uma obrigação de um Estado moderno. Esta noção de auxílio ao próximo, básica para qualquer ser humano, parece estar há muito ultrapassada pela crescente imposição de uma lógica contabilística dos Estados. Repare-se nisto: a União Europeia não exige aos países um Plano Social, documento em que cada Estado descreva o que está a fazer pelo bem-estar dos seus cidadãos. Exige, isso sim, um Programa de Estabilidade e Crescimento, no qual a lógica dominante é a do contabilista, que faz as contas e diz o que se pode ou não gastar (sendo que, quando está em causa um banco, o dinheiro tem aparecido sempre). É certo que no tal plano lá aparece o “investimento” na Saúde e na Educação mas, como refere o documento, tudo está dependente do quadro económico geral. Tal como disse o ministro Adalberto, no Governo são todos Centeno. Era bom que o ministro da Saúde não fosse.