SÁBADO

Irmãos Castro na Casa Branca

Na obsessão anticubana de espiões e generais até se previu a segunda vinda de Cristo. E, na luta contra o racismo, Kennedy foi o Presidente da “última batalha” da guerra civil.

- Fernando Madaíl

Por mero acaso, John Fitzgerald Kennedy (JFK) descobriu uma conspiraçã­o para o derrubar e, à boa maneira dos golpes latino-americanos, instaurar uma junta militar. Na segunda parte do livro Irmãos – A História

Oculta dos Kennedy, de David Talbot, que a SÁBADO oferece com a próxima edição, percebe-se o que terá levado os defensores da Guerra Fria, os racistas do Sul, os beneficiár­ios da “promiscuid­ade” com “as forças do crime”, os que viam John e Robert como se fossem “líderes estrangeir­os hostis”, a sustentare­m o mesmo que se lia num autocolant­e que surgiu no Mississípi: “Os irmãos Castro mudaram-se para a Casa Branca.” Ao contrário dos Kennedy, que tinham um “secreto fascínio” pelos “barbudos”, a obsessão cubana fez com que CIA e Pentágono elaborasse­m os mais bizarros projectos. Mesmo bizarros, como o plano para encenar uma segunda vinda de Cristo, pondo submarinos ao largo de Cuba a disparar para o céu bombas iluminante­s, na esperança de que os católicos derrubasse­m o governo.

Mas 1962, além do não confronto entre os irmãos Kennedy e os irmãos Castro, foi o ano em que se sublinhou o desprezo da “velha guarda” por aqueles que considerav­am “os amadores da Casa Branca”, sobretudo durante o combate pelo fim da segregação racial nos EUA. Por exemplo, em Maio, o FBI sabia que um autocarro com activistas do Freedom Riders iria ser atacado pela Ku Klux Klan (KKK), no Alabama, contudo não avisou e os seus agentes ainda ficaram a assistir ao ataque sangrento.

A “última batalha da guerra civil”

Quando o primeiro estudante negro se matriculou na Universida­de do Mississípi, a 30 de Setembro, travou-se a “última batalha da guerra civil”. No campus, para evitar o linchament­o do “atrevido” James Meredith, enquanto se esperava que a Polícia Militar fosse dominar a situação, estava uma “força federal heterogéne­a” constituíd­a à pressa (com marshalls e guardas-prisionais, guardas-fronteiriç­os e agentes das brigadas de álcool e tabaco), cercada por milhares de membros da KKK, “agentes da lei fora do expediente”, racistas que tinham vindo mesmo da longínqua Califórnia

e até um general na reserva a incentivar a turba, afirmando que estavam a lutar “pela soberania do Sul contra a tirania federal da mistura de raças”. JFK desdobrava-se em telefonema­s para o secretário do Exército, o general encarregad­o da missão e a base de Memphis, ficando perplexo pelo arrastar da decisão. As tropas só chegaram três a cinco horas depois do previsto, quando se desenhava já uma chacina. Nesse período, desde jipes militares a entrarem em postos de combustíve­l à procura de mapas da auto-estrada Tennessee-Mississípi ao próprio Presidente a “decidir um local de aterragem para os helicópter­os” durante a noite, tudo justificav­a a fúria de JFK contra aquele “maldito Exército!”.

O livro de David Talbot não esconde os aspectos menos dignos da família, lembrando que o patriarca Joe não só enriqueceu com manigância­s iguais às dos corruptos que o filho Robert chamava a depor, como fez acordos com os maiores padrinhos da máfia para eleger JFK na Virgínia, em Chicago e no Illinois. E conta como John, ao ser informado das ligações ao submundo, rompeu com Frank Sinatra – que colocara a indústria de entretenim­ento do seu lado e tinha sido intermediá­rio entre os mafiosos e o velho Joe. Este “excomungad­o” da Casa Branca, que falhava no seu papel de fazer os jovens Kennedy honrarem os compromiss­os do pai, só não foi executado por causa do seu talento. “Meu Deus, como é que posso matar esta voz?”, terá comentado o gangster Sam Giancana. “É o som mais belo do mundo.”

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Fidel Castro O líder da revolução cubana, o irmão, que precisamen­te esta semana abandona o poder, e os seus “barbudos” causavam fascínio nos Kennedy
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