O SEGREDO DAS CASAS DO CHIADO E A CONSULTORIA EM LONDRES
JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS INFORMOU O MP QUE BAVA DEVOLVEU MILHÕES AOS BES
À procura de uma nova vida O antigo líder da Portugal Telecom, acusado na Operação Marquês, passa boa parte do tempo em Inglaterra com a mulher e os três filhos
Os dois chegam em separado, com as respectivas famílias. É véspera de Natal, o último, e passaram pouco mais de dois meses desde que ambos foram acusados na mediática Operação Marquês. Mas a única crispação que se nota é a que resulta das ondas que se vêem das janelas do luxuoso restaurante do Guincho, em Cascais. Ali, à mesa, a inesperada proximidade dos dois homens leva o mais novo a levantar-se. Trata-se do gestor a quem amigos e jornalistas chamavam “o genial Bava”, isto antes da queda da PT e da demissão repentina da liderança da operadora de telecomunicações brasileira Oi. E de surgir uma mão-cheia de suspeitas e negócios pouco claros que lhe colocaram nas mãos 25,2 milhões de euros do BES escondidos em discretos offshores com contas na Suíça e em Singapura.
Zeinal Bava tem 52 anos, feitos a 18 de Novembro e está agora noutra fase da vida: tem de conciliar o trabalho que faz para se defender de cinco crimes (corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal) e a nova actividade de consultor internacional independente que o obriga a trabalhar a maior parte do tempo em Londres. No restaurante, depois de se levantar, dirige-se à mesa onde se encontra outro homem a contas com a justiça, o antigo banqueiro Ricardo Salgado. Cumprimenta-o de forma cordial, deseja-lhe as boas festas e, pouco tem- po depois, regressa ao ponto de partida. Percebe-se que Salgado ficou sensibilizado com o gesto, mas também se entende a reacção dos dois homens: durante o interrogatório da Operação Marquês, o ex-banqueiro garantiu que nunca pagou luvas ao gestor para este tomar qualquer decisão prejudicial para a PT e até o elogiou por ter devolvido depois e com juros – só o fez a prestações em 2016/17 – os milhões de euros que eram do BES. Apesar de ser ainda um luxo ao alcance de poucos, a recente comemoração natalícia no restaurante do Guincho mostra que os Natais-espectáculo de Bava são como o passado majestoso da PT. O estado de graça do gestor, de origem muçulmana sunita, também já teve melhores dias depois da ascensão meteórica de responsável financeiro a figura de proa que quase tudo decidia (foi nomeado presidente-executivo em 2008 e premiado melhor CEO de 2009 a 2012). Nos anos áureos do poder, as festividades da empresa aconteciam no Pavilhão Atlântico, agora Altice Arena, e numa parte da FIL. Mais de seis mil colaboradores compareciam ao evento, vindos de todo o País e das ilhas. A animação ficava por conta dos Xutos & Pontapés, José Cid, Daniela Mercury ou dos Gato Fedorento (faziam campanhas pagas a peso de ouro pela PT), mas o cabeça-de-cartaz era, de facto, o gestor-maravilha. “Pediam-lhe selfies e autógrafos, era absorvido pelas multidões durante horas”, recorda à SÁBADO um ex-colaborador.
O gestor perdeu a aura pública, mas continua selecto nas escolhas que faz em privado. A partir do ano passado, passou a viver com a mulher e os filhos num apartamento que
NO ÚLTIMO NATAL, BAVA CUMPRIMENTOU SALGADO NUM RESTAURANTE
fica no coração de Londres e numa das melhores zonas da cidade, em Hyde Park Gate. A pacata rua de sentido único da zona de South Kensington – com magníficos prédios vitorianos de dois e três andares do século XIX – é um símbolo de status. Na rua fica o luxuoso Hotel Baglioni e à volta não faltam outros pontos de referência social como o mítico Royal Albert Hall, Kensington Gardens e as concorridas exposições da Serpentine Gallery. Ali, o metro quadrado ronda os 60 mil euros e uma renda mensal de um T2, por exemplo, custa 20 mil euros, de acordo com as estimativas feitas à SÁBADO pelo sócio-gerente da imobiliária Fine & Country, Nuno Durão.
Entre Londres e as sete assoalhadas de Lisboa
Casado com Maria de Fátima, pai de três rapazes, Zeinal Bava sempre foi visto por amigos e detractores como um pragmático no trabalho e na vida. “Está a recuperar o fôlego de forma rápida”, diz à SÁBADO uma fonte próxima que pede para não ser identificada. “Ele tenta estar ocupado, mas um terço da vida diária dele está dedicada ao processo”, conclui. A cultura anglo-saxónica, que assimilou a partir dos 14 anos quando foi estudante interno no britânico Concord College, e, porventura, o anonimato, empurraram-no para fora de Portugal.
Só em quadras-festivas, para visitar os pais ou reunir com o advogado José António Barreiros, que o defende na Operação Marquês e no processo cível intentado pela dona da PT, SGPS, a Pharol, é que Bava vem a Lisboa. Como aconteceu já depois da Páscoa passada, a 6 de Abril, quando foi visto, segundo o Correio da Manhã ,a beber um gin no Le Chat. O bar fica nas imediações do apartamento que o gestor comprou em 2005 e manteve no centro da capital, na R. das Janelas Verdes e com vista para o Tejo. São sete assoalhadas, com arrecadação e cinco lugares de garagem que lhe custaram cerca de um milhão de euros (1.072.415,48). Bava tem também uma casa de férias em Sesimbra, sendo estes dois dos alvos das buscas que o procurador Rosário Teixeira e o juiz de instrução Carlos Alexandre mandaram fazer-lhe. Mas já então a operação do Ministério Público deixou de fora outros dois luxuosos imóveis no Chiado que o casal Bava comprou em 2011, a mesma altura em que recebeu 18,5 milhões de euros da ES-Enterprises, a empresa que funcionava como saco azul do BES para fazer pagamentos por fora. O preço dos apartamentos localizados na Rua Ivens – 4 milhões de euros – pulverizou os preços do imobiliário de classe alta da capital. O mercado sofria os efeitos da crise económica e financeira que se abateu sobre o País, mas Bava foi indiferente a isso. Pagou um preço-recorde, 9.000 euros o metro quadrado. De acordo com os documentos da transacção, consultados pela SÁBADO,
a compra do 3º e do 4º andares foi feita com o recurso a 1 milhão de euros emprestado pelo banco Bilbao Vizcaya. Os restantes 3 milhões foram pagos a pronto.
As duasfr acções deZeinalBava no Chiado, a Me a N, pertencem a um prédio que vai dos números 1 a 13. Os apartamentos eram da Fundipar, um fundo de investimento imobiliário gerido pelo BCP, e têm 450 metros quadrados de área construída com vista desafogada para o rio Tejo. A fracção M fica no quarto andar eéumT 4, com duas arrecadações e três lugares de estacionamento. AfracçãoNes tá também no4º andar, ma sé um T 3( tem arrecadação e três lugares de estacionamento). Na escritura, Bava declarou que a aquisição se destinava a habitação secundária e depois arrendou os imóveis a duas famílias estrangeiras.
Com uma memória prodigiosa para fixar números e datas, o antigo executivo da PT foi sempre visto como um talento financeiro, mesmo quando lhe apontam fragilidades como CEO daquela que foi a maior empresa portuguesa. Francisco Murteira Nabo, o economista que esteve à frente da operadora entre 1996 e 2003, e que levou Bava para a PT, tem poucas dúvidas sobre o que esteve na origem do colapso. “Ele e os gestores da PT aceitaram uma estratégia perdedora. Eu e a minha equipa nunca deixámos vender a Vivo: tinha 65 milhões de clientes, representava 60% de vendas da empresa, era uma máquina de fazer dinheiro. Neste contexto, terá sido o erro maior: a cedência à pressão dos accionistas”, comenta à SÁBADO.
O castelo da PT desmoronou e tornou-se um case study
nas aulas de Duarte Pitta Ferraz, professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. “A PT era vista como uma empresa que publicava um relatório e contas bastante detalhado, em linha com as melhores práticas. Contudo, neste tema da corporate governance
[direcção da empresa] afinal havia falhas relevantes”, conclui. Para o MP, o problema é mais vasto: as decisões económicas são o produto de influências de certos accionistas e do mundo da política.
EM LISBOA, O GESTOR MANTÉM OUTRA CASA DE SETE ASSOALHADAS COMPRADA EM 2005
ZEINAL BAVA É CASADO E TEM TRÊS FILHOS. VIVEM TODOS EM HYDE PARK GATE, EM SOUTH KENSINGTON