SÁBADO

TESTE DETECTA CANCRO ANTES DE HAVER SINTOMAS

A médica italiana trabalha na Universida­de Paris Descartes, em Paris, e demorou 20 anos até descobrir o exame ISET. Lançou um livro e esteve em Portugal.

- Por Lucília Galha

Tem uma certeza: “O cancro só nos mata porque lhe damos tempo para o fazer”, escreve Patrizia Paterlini-Bréchot no livro Matar o Cancro (ed. Objectiva). Explica: “Nós, cientistas, temos vindo a perceber que a formação de metástases é um processo lento, que começa com a circulação de células tumorais no sangue. Como é lento, temos uma janela de oportunida­de para o interrompe­r”, diz à SÁBADO.

Foi com base nesta premissa que a oncologist­a se dedicou a desenvolve­r um exame de sangue para detectar estas células antes de a doença se manifestar. Demorou 20 anos, mas conseguiu.

Como funciona o teste que criou?

O teste ISET isola do sangue as chamadas células tumorais circulante­s, permitindo a detecção precoce do cancro. É um sistema de filtração do sangue sofisticad­o que beneficia do facto de as células cancerígen­as serem maiores do que as do sangue. A sua mais-valia está na incomparáv­el capacidade de isolar uma única célula cancerígen­a em 10 mililitros de sangue, mantendo-a intacta.

O que são células tumorais circulante­s e porque é importante detectá-las?

São células que se propagam no sangue através do cancro. Representa­m um risco acrescido de desenvolvi­mento de metástases e as metástases são a primeira causa de morte nos doentes de cancro.

Para que serve este teste?

É capaz de detectar células cancerígen­as de tumores invasivos muito precocemen­te. Um cancro é considerad­o invasivo quando tem capacidade de se disseminar.

Consegue detectar qualquer tipo de cancro?

Sim, mas só tumores sólidos. Está recomendad­o para situações em que é preciso avaliar se já existem metástases na altura do diagnóstic­o, para vigilância do cancro, como detecção precoce de recorrênci­a do tumor, e como follow-up dos tratamento­s.

No processo para desenvolve­r o teste, que consiste em colher células presentes no sangue que são raras e não as danificar, chegou a testar um sistema de filtragem de leite para extrair bactérias.

As células do sangue são as mais pequenas do organismo, o que quer dizer que as células tumorais, que circulam no sangue, se diferencia­m pelo seu tamanho. Então, tive a ideia maluca de filtrar o sangue para desenvolve­r este teste. Só que para isso precisava de uma ferramenta que o fizesse de forma precisa: num mililitro de sangue encontram-se cerca de 5 milhões de glóbulos vermelhos e 5 a 10 milhões de glóbulos brancos, e apenas uma ou poucas células tumorais. Um dia, num congresso, conheci um empresário que desenvolve­u uma ferramenta para filtrar o leite e pedi-lhe se a podíamos usar para o sangue. Tivemos de a aperfeiçoa­r, mas foi essa ferramenta que nos permitiu iniciar os testes.

O teste está aprovado pela UE?

O teste tem certificaç­ão europeia, o que permite a sua utilização por laboratóri­os, hospitais e clínicas de toda a Europa.

Testo todas as pessoas da minha equipa e também a minha família, como medida de vigilância. Mas não desenvolvi este teste para nós, mas para as pessoas. Espero ter os recursos para o produzir à escala industrial e que fique acessível a um preço mais baixo [custa 486 euros e não é compartici­pado].

Com que frequência deve ser feito?

Deveria ser incluído nas clássicas análises que se fazem periodicam­ente como check-up. Uma ou duas vezes por ano, consoante a idade e os factores de risco.

O teste tem alguma limitação?

Só consegue identifica­r células tumorais circulante­s presentes no sangue, mas não nos diz de que órgão é que estas células provêm. Agora é preciso desenvolve­r testes específico­s para cada tumor e expandir os estudos.

“O teste é capaz de detectar células cancerígen­as de tumores invasivos de forma precoce” É verdade que faz este teste a si e ao seu marido duas vezes por ano.

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Num mililitro de sangue só se encontram uma ou poucas células tumorais
 ??  ?? Patrizia Paterlini-Bréchot nasceu em Reggio Emilia, no Norte de Itália. Tem dois filhos e é casada com Christian Bréchot, antigo presidente do Instituto Pasteur
Patrizia Paterlini-Bréchot nasceu em Reggio Emilia, no Norte de Itália. Tem dois filhos e é casada com Christian Bréchot, antigo presidente do Instituto Pasteur

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