SÁBADO

LÁ FORA THE PAINFUL SPACE

- EDUARDO PITTA CRÍTICO

Ao contrário da percepção, a crónica não é um género muito praticado entre nós. As pessoas confundem crónica com panfleto. Crónica é outra coisa. Pedro Mexia (n. 1972) é dos raros cultores avisados. Avisado no sentido de discreto e sensato, qualidades que não beliscam a ironia, a emoção e, sem pose, a costela de erudito. Lá

Fora, a colectânea mais recente, reúne textos publicados entre 2006 e 2017. O texto mais antigo, A sauna da democracia, é o retrato nítido do parlamento. Se tivesse sido escrito pelo Eça a pretexto do estado da Nação sob Hintze Ribeiro, não seria diferente do estado da Nação sob Sócrates. Em flashes breves, Mexia sinaliza os pares LIVROS da República. Por exemplo: “Nuno Melo lembrava o entusiasmo de um magala que vai às meninas. […] Bernardino Soares nunca foi novo.”

O livro é um conjunto de evocações, viagens, afinidades electivas. Por serem momentos decisivos da vida do autor, o texto sobre o encerramen­to do Tribunal da Boa Hora estabelece uma ponte com o da deslocaliz­ação do Diário de

Notícias para fora do edifício de Pardal Monteiro. No primeiro, Mexia evoca o tempo em que cumpria com tédio o estágio de advocacia; no segundo, os primeiros anos inteiramen­te dedicados à escrita. Em registo oposto, Uma

noite no Lux é um dos textos mais bem conseguido­s do livro. O mito da discoteca do Cais da Pedra não resiste à mordacidad­e do noctívago acidental: os “moços com pulóveres amarelos e dentes a mais”, os projectore­s de luz “comprados nuns saldos da Stasi”, etc. Sobre a Figueira da Foz, um texto comovido: “Aqui aprendi tudo e não aconteceu nada.” Mas também Maputo, aliás Lourenço Marques, reconstruí­da a partir de “autobiogra­fias de terceiros”. Porque foi a cidade colonial que Mexia tentou “encontrar”. A paleta de temas inclui assuntos tão diferentes como a polémica em torno da estátua de Catarina de Bragança, em Nova Iorque; a relação de Leonard Cohen com Marianne Ihlen; o terror metódico de Auschwitz; os judeus sefarditas de Amesterdão; o massacre de Utoya; e outros que o autor expõe com igual brilho.

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O novo volume confirma Pedro Mexia como “cronista avisado”, como poucos
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TTTTS PEDRO MEXIA Tinta da China • 189 págs. €15,90
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