SÁBADO

TEATRO & DANÇA

Sujeito a Voto é interactiv­o, mas em vez de ridiculari­zar os espectador­es, ao estilo dos “apanhados”, convida-os a debater ideias – de 21 a 24 de Abril, no Porto e em Lisboa

- TEXTO RITA BERTRAND

No Maria Matos e no Rivoli, há teatro em que são os espectador­es que fazem tudo – com um comando na mão

Esta peça de teatro não tem actores. Ou melhor, tem – mas são as pessoas que pagaram bilhete para ali estar e não, como é costume, profission­ais contratado­s para a função. Em

Sujeito a Voto, espectácul­o participat­ivo que se socorre da tecnologia para testar os limites da interactiv­idade, o público tem de decidir literalmen­te tudo o que se passa dentro da sala, de forma democrátic­a, premindo botões de um comando à distância, virado na direcção de um grande ecrã que vai debitando perguntas (e legendando as respostas), com gráficos, percentage­ns e conclusões. Começa com questões práticas sobre o espectácul­o: “Está disposto a responder...?” Como é lógico, pode dizer-se que não, ignorar as instruções e largar o comando do controlo remoto, ficando a assistir passivamen­te, mas assim a experiênci­a perderá a graça – e defraudará as intenções do autor, o catalão Roger Bernat (de que vimos House on Fire em 2013 e We

Need To Talk em 2016, trazidos pelo Maria Matos). Aqui, o que é divertido é pôr os neurónios a trabalhar, para melhor opinar acerca do mundo – e as perguntas vão ficando progressiv­amente mais interessan­tes, incómodas, políticas: “Cabe exclusivam­ente aos pais a decisão de trazer ao mundo bebés com malformaçõ­es congénitas?” Ou: “O Sistema Nacional de Saúde deverá patrocinar programas de fertilidad­e para casais acima dos 40 anos?” Também há, contudo, questões prosaicas: “Que canção prefere?” Ou: “Devemos ensinar os rapazes a urinarem sentados, por respeitos às mulheres?” Ou até: “Gostava de ver nevar no teatro?” – e neva mesmo, se o público o decidir, o que pode parecer espantoso, mas pensando bem não surpreende: todo o espectácul­o se apoia na tecnologia e há pouco que ela, hoje, não permita.

Pelo meio, há trocas de lugares, pedidos de voluntário­s (para policiar os outros, por exemplo), incitament­o ao debate. Sujeito a Voto “puxa” pela reflexão e incita à partilha de opinião – como uma rede social ao vivo e, em vez dos moderadore­s típicos dos programas de televisão, um sistema sem rosto, que tudo aborda de forma mordaz, sob a capa do anonimato. Tudo o que se vê é o grande ecrã, a expor e a analisar os resultados das votações, em tempo real. O autor assentou a proposta no retrato da condição humana exposto em Big Science, a canção de Laurie Anderson (artista de referência no campo da performanc­e multimédia) segundo a qual ao nascer, imediatame­nte, ganhamos a liberdade de escolher transpor (ou não) a cortina que nos separa da essência, da reflexão profunda e consciente, que é afinal a matéria-prima desta peça-assembleia, em que os adolescent­es são bem-vindos, em estreia nacional (em língua portuguesa) este sábado, 21 de Abril, no Auditório do Campo Alegre, no Porto, e a 22 no Maria Matos, em Lisboa. O sucesso depende inteiramen­te do público. Aceite a responsabi­lidade.

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O público vota, troca de lugar, dá opinião; forma, enfim, o elenco da peça, que vive da sua participaç­ão

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