ATÉ NOS VERMOS LÁ EM CIMA
CINEMA-PÂTISSERIE
Talvez seja o “efeito Jeunet”: sobretudo desde 2001, ano da estreia de O Fabuloso Destino de Amélie, o cinema francês viu-se sobrecarregado de filmes picarescos, com grande detalhe gráfico, anti-realismo militante, personagens entre a unidimensionalidade da BD e um optimismo doce-amargo, tudo embrulhado pelo laçarote de vistosos valores de produção que não ficavam longe de um revivalismo pop da estética – e do vazio – da “qualité française” dos anos 40 e 50.
Não é por acaso que Até Nos Vermos Lá em Cima, adaptando uma fonte “respeitável” como o Goncourt (o mais prestigiado prémio literário gaulês) de 2013, de Pierre Lemaitre, assume semelhanças estéticas e temáticas com Um Longo Domingo de
Noivado de Jean-Pierre Jeunet: nos últimos dias da Primeira Guerra Mundial, Édouard, sensível filho da alta burguesia de candeias às avessas com o pai, salva da morte o humilde contabilista Albert (Albert
Dupontel, que também realiza, actor em Um Longo Domingo...), após operação militar atiçada pelo tenente Pradelle, sombrio aristocrata, apesar do iminente Armistício. Regressado a Paris, o duo engendrará uma extorsão ao Estado que os abandonara através de monumentos aos heróis da guerra, concebidos por Édouard, agora viciado em heroína após ter perdido boca e queixo no resgate de Albert... É tudo de um bom gosto inatacável, filmado com alada competência. E é tudo mais parecido com os bolo de creme de uma
pâtisserie do que com cinema.