Fome e abandono
Não vêem o pai há vários anos, e desde os 16 que vivem sozinhos, porque a mãe emigrou. E por não terem o que jantar, deitavam-se mais cedo
Têm apenas 24 anos, mas Joel e Josué já têm muito para contar. Os gémeos de Olhão sonham em ser bailarinos profissionais, mas a vida tem-se encarregado de lhes colocar muito obstáculo pela frente, como que a testar a determinação destes irmãos.
No 2.º programa de Got Talent, da RTP1 – que assistiremos no domingo, dia 26– a dupla, que se baptizou como Os U ais, vai deixar os jurados( Cuca Roseta, Manuel Moura dos Santos e Pedro Tochas) – de queixo caído, com uma actuação de hip-hop, estilo a que se dedicaram depoispelos ritmos africanos do kuduro e kizomba.
“Demos tudo por tudo para conseguirmos seguir em frente, porque achámos que esta seria a nossa grande oportunidade de mostrar o nosso talento, e de abrir uma porta para o futuro”, revela Josué, acrescentando que o desejoda duplaéde “iratéàfinal”: “Se conseguirmos vencer o programa, melhor ainda.”
EMIGRAR POR CAUSA DE DÍVIDAS
Mas, seno palco do Coliseu dos Rec rei os de Lisboa – e quando dançam – tudo esquecem, é longe das luzes da ribalta que vem ao cima um percurso de vida feito de dificuldades, abandono e fome.
Os dois jovens algarvios não têm memória do pai, que abandonou a casa e a mãe quando eles ainda eram pequenos. “Não nos lembramos dele, nunca fez parte da nossa infância”, conta, em exclusivo à TV Guia, Josué, confessando que tem um sentimento misto face ao progenitor: “Ele é um homem vivido, já teve outras mulheres e outra família, sabemos pouco
dele... Não o vejo há sete anos e não falamos há três. Não sinto a falta [dele] porque nunca esteve presente na nossa vida.”
Sabe, contudo, que tem uma irmã do lado do pai, que não conhece. Já a mãe, emigrada no Luxemburgo, teve de criar os quatros filhos (sendo um deles adoptado) com “imensas dificuldades”. “Ela é uma mãe corajosa, que teve de lutar muito por nós. Mas, por causa das dívidas de um negócio que teve – uma empregada enganou-a e desviou-lhe muito dinheiro –, viu-se obrigada a emigrar, deixando-nos sozinhos”, relata Josué.
INFÂNCIA ATRIBULADA
Com 16 anos, os dois irmãos tiveram de trocar a escola pelo trabalho, para conseguirem sustentar-se. “Passámos momentos muito complicados”, recorda o jovem, viajando até ao passado em que tinham de se ir deitar cedo para enganar a fome: “Como não tínhamos o que jantar, íamos para a cama mais cedo. E como só comíamos no McDonald’s, onde trabalhávamos, era uma forma do tempo passar mais depressa...” Orgulhosos, poucas vezes partilhavam com os amigos e familiares mais próximos as agruras que avida lhes reservava .“Não queríamos incomodar ninguém, porque cada um temos seus problemas ”, justifica Josué o silêncio sofrido dos irmão.
Mas quando o dinheiro não chegava – “e isso aconteceu muitas vezes” – para pagar a renda, a luz ou a água, é que contava com a ajuda de uma tia paterna, e com a irmã maisvelha (Cláudia). “Elas é que nos ajudaram. A minha mãe, que faz limpezas no Luxemburgo, ganha pouco e não pode ajudar com muito ”, explica Josué, que faz distribuição de sobremesas, num negócio da irmã. “Tivemos uma infância atribulada e ser homens muito cedo... Mas, felizmente, não fomos por caminhos perigosos”, frisa o jovem, que sonha com uma vida ligada à dança: “Estamos a formar um grupo e gostaríamos de ter uma academia.”